O modelo de resolução pode não ser eficaz, defende Miguel Poiares Maduro. A experiência do Novo Banco é vista como negativa na Europa.
Falamos de banca, da união bancária, de como se tratava o sistema financeiro no Governo de Pedro Passos Coelho e de como devem ser as relações com empresários, banqueiros e acionistas. Nesta terceira parte da entrevista ao ECO, Miguel Poiares Maduro vai ao encontro do que disse Assunção Cristas ao Público. Sim, não se falava do sistema financeiro em Conselho de Ministros mas existia a consciência de que havia um problema e o ex-primeiro-ministro tem toda a razão em não misturar as responsabilidades.
Miguel Poiares Maduro dá um exemplo de como foi confrontado com os problema da banca naquela altura: teve de alterar a legislação que pretendia resolver o problema do endividamento das autarquias porque o Banco de Portugal alertou que isso criaria pressão sobre a banca.
Manifesta o seu acordo com a forma como Pedro Passos Coelho lidou com o assunto. Para Poiares Maduro pode ser tentador para um Governo chamar empresários ou acionistas de bancos para resolver problemas — como, diz, alegadamente fez António Costa com Isabel dos Santos. Mas a seguir os empresários e acionista tenderão a pedir outra coisa em troca. Essa, afirma, foi a política do passado.
Recentemente a líder do CDS, e ex-ministra de um Governo a que pertenceu, revelou que o sistema financeiro, e entre ele o caso BES, nunca foi conversado em Conselho de Ministros. Tinha consciência dos problemas que o sistema financeiro português ainda tinha?
É verdade que nunca falamos diretamente dos problemas do sistema financeiro, ou do BES, ou de um banco ou de outro. Mas houve questões que foram suscitadas, em termos de legislação. E nesse domínio por vezes falava-se, de forma mais ou menos indireta, de questões e desafios que ainda permaneciam no sistema financeiro.
Por exemplo, quando adotamos o fundo de apoio municipal. Nos programas de apoio municipal para a reestruturação das autarquias, começamos por fazer propostas que iam no sentido mais agressivo de reconhecimento da dívida de alguns municípios. Chegamos a ponderar uma hipótese à americana, de alguns municípios, em algumas circunstâncias, decretarem falência. Nesse contexto lembro-me de uma informação do Banco de Portugal e fiquei a perceber alguma situação de fragilidade e sensibilidade do sistema financeiro.
O problema que temos de perceber, enquanto portugueses e cidadãos, é que um Governo que, num dia, pede a alguns empresários ou a alguns banqueiros que façam alguma coisa, na semana seguinte vai ter esses empresários a pedir ao Governo que faça alguma coisa em troca. E este foi o problema da forma de fazer política que nós tivemos no passado.
Ou seja, as autarquias não podiam declarar falência porque isso criaria um problema no sistema financeiro?
Fomos alertados pelo próprio Banco de Portugal, através do Ministério das Finanças, que [a declaração de falência] iria afetar a avaliação de risco de todo o sistema financeiro português. Que o sistema financeiro português estava numa situação delicada e que tomar uma decisão dessas, nessa altura, provavelmente tinha consequências negativas incomportáveis. Estou a dar-lhe um exemplo de como isso condicionou uma política que queríamos adotar. E ao mesmo tempo, uma forma através da qual nós tivemos a perceção de que havia um problema no nosso sistema financeiro. Que vinha de antes.
Qual era a melhor forma de abordar esse problema? Isso nunca foi discutido em Conselho de Ministros. Nem tinha de o ser. O primeiro-ministro, e do meu ponto de vista corretamente, sabe distinguir muito bem aquilo que são as responsabilidades do domínio da política estrita, incluindo o poder executivo, daquilo que são responsabilidades de entidades independentes cuja competência deve ser respeitada. Seguramente que essa posição do primeiro-ministro, levou a que algum tipo de discussão mais direta não fosse tida.
Devo dizer que concordo com essa abordagem do Dr. Pedro Passos Coelho por uma razão simples. Por vezes, para os políticos, pode ser atrativo dizer que o Governo pode intervir e encontrar uma solução para este caso, chamar os acionistas ou um acionista ou um potencial investidor e dizer que deve comprar isto e resolver um problema do sistema bancário desta ou daquela forma… O problema que temos de perceber, enquanto portugueses e cidadãos, é que um Governo que num dia pede a alguns empresários ou a alguns banqueiros que façam alguma coisa, na semana seguinte vai ter esses empresários a pedir ao Governo que faça alguma coisa em troca. E este foi o problema da forma de fazer política que nós tivemos no passado. O problema desse tipo de intervenção do Governo é o custo que pagamos no médio, longo prazo, numa lógica de dependência mútua do Governo face a esses interesses privados.
Está a pensar em algum caso concreto?
Não. Mas por exemplo, quando o primeiro-ministro, alegadamente, reuniu com a Dra. Isabel dos Santos no sentido de encontrar uma solução para o BPI, a reação quase generalizada da nossa opinião pública dominante foi que o Dr. Passos Coelho não tinha razão porque o primeiro-ministro fazia muito bem em tentar encontrar uma solução para o banco. Eu acho que uma intervenção de um Governo, fora do âmbito das suas competências, procurando intervir na decisão individual de um empresário ou investidor, cria sempre uma dependência mútua. E foi isso que nós vimos no passado. Eu acho que temos de ter instituições que funcionem bem. Ter uma divisão clara entre interesses privados e interesses públicos, significa que às vezes pagamos um custo por isso, que é não resolver no imediato questões que às vezes podíamos resolver. Mas temos ganhos muito substanciais em termos de qualidade das nossas políticas públicas para o futuro.
A governação do país torna-se menos corruptível?
Corruptível no sentido não necessariamente de corrupção financeira, porque eu não acho que um primeiro-ministro faça isso sempre, embora também possa acontecer, para ter um ganho pessoal ou financeiro. Muitas vezes faz porque acha que pode obter uma solução no curto prazo.
Corruptível aqui no sentido de poder influenciar decisões…
Numa lógica transacional e do exercício do poder publico.
Mas o que é que uma abordagem conjunta do Governo e do Banco de Portugal no caso do BES poderia induzir uma lógica transacional? Por exemplo, em vez de ter feito a resolução ter usado o dinheiro da troika?
Isso é diferente. Aí estaria dentro das competências do Governo. Aqui a questão que se coloca muitas vezes é a questão de saber se teria sido preferível intervir mais cedo no sistema financeiro português, reforçando…
O modelo de resolução pode não ser totalmente eficaz. [No modelo de resolução] a expectativa era que o banco que surgia não iria ser afetado pela crise reputacional do banco anterior. E na verdade, o que assistimos em Portugal não é exatamente assim.
Há duas questões: é o mais cedo e o modelo de intervenção no BES.
Quanto ao mais cedo, para mim é difícil saber se teria sido ou não mais adequado. Há duas coisas importantes a ter em conta. A primeira é que os problemas do nosso sistema financeiro vêm de antes. Deveria ter havido uma intervenção forte como existiu em Espanha? Não sei. Não estou em condições de fazer um juízo sobre esse problema.
Acho é que há uma questão para pensar: o modelo de resolução pode não ser totalmente eficaz. [No modelo de resolução] a expectativa era que o banco que surgia não iria ser afetado pela crise reputacional do banco anterior. E na verdade, o que assistimos em Portugal não é exactamente assim. Agora, em concreto, a nível da supervisão, se poderia ou não mais cedo ter sido retirada a idoneidade ao Dr. Ricardo Salgado, a verdade é que seria incorreto da minha parte pronunciar-me porque não tenho informação sobre isso.
Considera que é só o modelo de resolução que não funciona ou toda a união bancária está a funcionar muito mal?
A bancária está incompleta. Há um aspeto fundamental que é a garantia comum de depósitos. Enquanto isso não existir, não temos uma verdadeira união bancária. É importante dizer que o primeiro Estado-membro a batalhar pela união bancária foi Portugal.
Não sei se neste momento é um elogio face às críticas a que está a ser sujeita a união bancária.
Eu acho que mesmo assim é melhor do que nada. Se não tivéssemos tido o que temos, e se mesmo assim estamos na perspetiva de virmos a ter uma união bancária mais reforçada, isso deve-se ao Governo anterior que colocou na agenda europeia a união bancária. Aliás, este Governo, e bem, tem mantido a defesa dessa posição.
Pensa então que não haverá mais nenhum banco a ser resolvido?
Na Europa? Não sei. Mas aquilo que tenho ouvido pela Europa é que a experiência do Novo Banco é bastante dissuasora [do modelo de resolução].
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Situação da banca condicionou políticas para as autarquias, revela Poiares Maduro
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