Carlos Tavares critica volte-face no acordo da UE sobre motores a combustão. “Vai criar-se confusão”, avisa
Gestor português lamenta que alteração à diretiva de proibição de venda de carros com motores térmicos a partir de 2035 gere confusão aos consumidores e avisa para perda de competitividade da UE.
Carlos Tavares ficou desagradado com a alteração de última hora à diretiva europeia que proíbe a venda de carros a combustão a partir de 2035, mas que permite unidades com combustíveis sintéticos. Para o líder da aliança automóvel Stellantis, a situação vai gerar confusão junto dos consumidores e apenas resultou da força da Alemanha na mesa política europeia. O gestor português avisou ainda que a União Europeia tem de ser mais produtiva para voltar a ser competitiva e manter os padrões de qualidade de vida.
“Quem manda na Europa são os alemães. Foram os únicos que disseram que não e parou tudo naquele momento. É a primeira conclusão geopolítica a retirar. Se tivesse sido Portugal a dizer que não, nada teria acontecido”, comentou Carlos Tavares durante uma mesa redonda que decorreu nesta sexta-feira na fábrica da Stellantis em Mangualde.
A permissão da venda de automóveis com combustíveis sintéticos “vai criar uma situação que já é caótica”. Segundo o gestor, “se a situação regulamentar fosse claríssima, em que os carros térmicos vão desaparecer e não podem ser vendidos, pelo menos sabemos todos como devemos ir, até os consumidores. Se deixarmos nascer a hipótese de os combustíveis sintéticos poderem continuar a manter os veículos térmicos, vai criar-se confusão. Vai haver um abrandamento da dinâmica sobre o veículo elétrico, porque os consumidores vão hesitar”.
Sem ruturas do ponto de vista tecnológico, estes combustíveis apenas vão ser utilizados por pessoas com poder económico muito elevado. É uma questão de liberdade de movimento apenas acessível aos mais ricos, o que na atual sociedade europeia não funciona. Não é disso que se está à procura. Procura-se uma mobilidade limpa, segura e acessível para as classes médias. É isso que temos de resolver
Carlos Tavares lembra que “há consumidores com uma certa dificuldade em entender como se vai instalar um posto de carregamento na sua casa, como vai fazer para ter acesso a uma densidade de infraestrutura suficiente para carregar o carro e poder ir do Porto para o Algarve sem estar a parar três horas de cada vez para fazer um carregamento”.
O líder português notou também que os combustíveis sintéticos “não são totalmente neutros”. Para Carlos Tavares, “quando se está a captar o carbono na produção do combustível e quando depois há a combustão do motor, essa equação não está totalmente equilibrada. Estes combustíveis não são totalmente neutros em carbono neste momento. Talvez venham a ser”.
A permissão dos combustíveis sintéticos pode ainda agravar as desigualdades de acesso aos automóveis. “O custo de produção destes combustíveis vai ser muito elevado. Estamos a falar de seis a oito euros de custo por litro. Se achamos muito dois euros por litro…Sem ruturas do ponto de vista tecnológico, estes combustíveis apenas vão ser utilizados por pessoas com poder económico muito elevado. É uma questão de liberdade de movimento apenas acessível aos mais ricos, o que na atual sociedade europeia não funciona. Não é disso que se está à procura. Procura-se uma mobilidade limpa, segura e acessível para as classes médias. É isso que temos de resolver.”
“Dentro de pouco tempo podemos anunciar que os nossos motores serão amigos dos combustíveis sintéticos mas a seis euros por litro talvez não haja muito interessados”, remata neste tema Carlos Tavares.
União Europeia tem de ser mais produtiva
Carlos Tavares conhece há décadas a realidade francesa, primeiro como gestor da Renault e evoluindo depois para a liderança do grupo Peugeot-Citroën (PSA) e da atual aliança Stellantis. Com a França em convulsão social por causa da lei para aumentar a idade da reforma dos 62 para os 64 anos, o gestor português avisa que esta situação mostra a falta de um projeto para a Europa.
“Estou muito preocupado com a situação europeia. A situação francesa, em particular, está a revelar algo mais profundo: a falta de um projeto de futuro para a Europa, de projeto comum, de não termos uma visão para onde queremos ir todos juntos com um certo apetite e uma certa vontade de atingir um ponto de vista melhor. A falta da visão comum está a criar um contraste muito grande com uma economia que está razoavelmente a funcionar mas que se está a tornar cada vez menos competitiva. Em relação ao resto do mundo, a competição na União Europeia está a tornar-se muito fraca”, alertou Carlos Tavares.
“A população está a pedir proteção e não se está a dizer que se os europeus querem proteger o seu nível de vida e a sua qualidade de vida têm de trabalhar mais, não em termos de horas mas sim de eficiência. É necessária menos burocracia, menos tecnocracia, menos regulamentação, mais iniciativa individual”, propôs o gestor português.
Sobre o plano de subsidiação da economia dos Estados Unidos e um aumento do protecionismo face à União Europeia, Carlos Tavares considerou a fragmentação do mundo como “um risco muito grande para a sociedade ocidental”. Para o líder da Stellantis, “é uma ilusão pensar-se que a fragmentação do mundo nos vai proteger. É uma ilusão total”.
A população está a pedir proteção e não se está a dizer que se os europeus querem proteger o seu nível de vida e a sua qualidade de vida têm de trabalhar mais, não em termos de horas mas sim de eficiência. É necessária menos burocracia, menos tecnocracia, menos regulamentação, mais iniciativa individual
Na ótica de Carlos Tavares, “até agora, o mundo ocidental tinha uma certa capacidade em vender a sua tecnologia pelo mundo. Se formos fragmentar o mundo porque nos queremos proteger dos países low-cost, dentro dessa bolha vai haver uma bolha norte-americana, europeia e chinesa. Dentro da bolha haverá fenómenos óbvios de falta de oferta que vão criar uma inflação terrível”.
Se tal acontecer, no mercado automóvel “vai haver uma inflação brutal porque está tudo à procura de um material escasso e que não tem quantidade de oferta suficiente para alimentar o mercado europeu”. No final, Carlos Tavares alertou que “há uma precipitação muito típica da União Europeia” e uma “falta de reflexão estratégica com uma profundidade de campo suficiente”. Para o gestor, é necessário “um plano a 10 ou 20 anos, não a um ou dois anos”.
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