Só 4% das empresas com alta maturidade em people analytics. Falta talento qualificado e compreensão sobre potencial dos dados

Falta de profissionais e de compreensão sobre o valor e potencial dos dados aplicados à gestão de pessoas justificam a fase embrionária em que as organizações portuguesas se encontram.

Apesar da explosão da Inteligência Artificial — com muitos a vaticinar o fim de muitos empregos com o advento de produtos como o ChatGPT –, a grande maioria das empresas portuguesas não está a aproveitar o potencial da análise de dados aplicada à gestão de pessoas. Apenas 36% das empresas têm uma área dedicada à área de people analytics, e só 4% consideram ter um nível alto de maturidade, revela o estudo “The Power of Analytics in HR” da NTT Data. Falta de profissionais qualificados e de compreensão sobre o valor e potencial desta prática são as principais razões que justificam a fase muito embrionária em que as organizações portuguesas ainda se encontram, apontam especialistas.

“A área de people analytics tem ainda uma taxa de adoção relativamente baixa e existem diferentes motivos para que tal se verifique. Em primeiro lugar, a falta de consciência e compreensão sobre o valor e o potencial da utilização de métricas de people analytics pode limitar a adoção e o investimento na área. Segundo, a falta de profissionais com qualificações suficientes em análise e ciência de dados aplicada aos recursos humanos pode dificultar a implementação de práticas de people analytics. Finalmente, as preocupações com a privacidade dos dados e o cumprimento das regulamentações (RGPD) também podem ser barreiras para algumas organizações, em alguns casos específicos”, considera Duarte Fernandes, cofundador e COO da KWAN, especializada em recrutamento de perfis tecnológicos.

“Apesar da recente explosão da adoção de sistemas de Inteligência Artificial Generativos (exemplo do ChatGPT), e do facto de estes poderem ser utilizados de forma a acelerar a adoção de diversas outras tecnologias, é importante lembrar que essa adoção e práticas geralmente levam tempo e esforço, especialmente em áreas menos maduras como people analytics”, acrescenta ainda.

Rita Cadillon, head of people & culture Portugal & África Lusófona da Cegid, aponta também a falta de profissionais qualificados como um dos grandes entraves a um maior desenvolvimento desta prática nas empresas.

“O people analytics é um aliado-chave na gestão de pessoas. No entanto, a análise de dados é um mundo complexo e para garantir que uma prática de análise de pessoas tem sucesso é necessário alocar recursos com as competências certas para dar sentido aos dados”, considera. “Não basta somente implementar, as organizações têm de contar com uma equipa que possua uma cultura que priorize os dados e que seja capaz de criar estratégias, acompanhadas de um bom plano de ação.”

Inês Casaca encontra ainda outro fator nesta equação: a resistência à mudança. “A metodologia de people analytics existe desde o primeiro momento. Contudo, a necessidade de a oficializar e utilizar na prática, não era assumida como prioridade. A expressão ‘sempre fizemos assim’ ou ‘as pessoas não são números’ eram entraves robustos à análise de dados no que às pessoas se refere”, comenta a rpo and randstad risesmart associate director da Randstad Portugal.

O people analytics é um aliado-chave na gestão de pessoas. No entanto, a análise de dados é um mundo complexo e para garantir que uma prática de análise de pessoas tem sucesso é necessário alocar recursos com as competências certas para dar sentido aos dados. Não basta somente implementar, as organizações têm de contar com uma equipa que possua uma cultura que priorize os dados e que seja capaz de criar estratégias, acompanhadas de um bom plano de ação.

Rita Cadillon

Head of people & culture Portugal & África Lusófona da Cegid

“Felizmente, este paradigma está a mudar. A urgência em responder a estes novos desafios coloca os dados na mesa de jogo, com um papel fundamental na previsão e antecipação do problema, encurtando e, se possível, extinguindo o gap existente entre perceção e factos.”

Ainda assim, as características das empresas também influenciam a utilização de dados nos departamentos de recursos humanos. Por um lado, “empresas de maior dimensão terão maior capacidade de investimento e de organização de informação e, consequentemente, maior facilidade de colocar em prática esta metodologia“; por outro, “empresas mais pequenas terão maior dificuldade em apostar nos dados ou em formalizar a sua utilidade de forma sistemática e oficial”, defende Inês Casaca.

Considerando o espetro de empresas presentes no nosso mercado atual, Sofia Santos, manager da Michael Page, afirma que, “apesar dos investimentos de empresas multinacionais no nosso mercado, a indústria e as PME continuam a ter maior representatividade”. “Assim, e porque o investimento em ferramentas de análise ou até mesmo em automação da gestão é tradicionalmente vista como um custo e não como otimização das funções e negócio, ainda temos um caminho longo a percorrer no que diz respeito à IA numa função como a de people analytics”, considera.

Maior satisfação das pessoas, capacidade de retenção e sucesso nas contratações

A KWAN é uma das empresas que contraria a tendência, com níveis de maturidade nesta área elevados. “Temos a convicção de que investir no desenvolvimento da nossa People First Culture é fundamental para o nosso sucesso continuado e para melhorar a experiência dos nossos colaboradores”, afirma Duarte Fernandes.

No que toca às métricas de People Analytics, a tecnológica portuguesa — que, até 2026, quer ter na sua estrutura 500 pessoas — já mede o tempo médio de contratação, taxa de aceitação de proposta, taxa de rotatividade, taxa de absentismo, índice de satisfação do colaborador, índice de diversidade na liderança, custo médio por colaborador, entre muitas outras. Mas, a empresa não se limita a medir estas métricas. “Integramo-las ativamente no nosso processo de tomada de decisão”, diz.

“Acreditamos que a nossa abordagem focada em People Analytics, orientada por dados, permite-nos tomar decisões mais informadas, o que resulta numa maior eficiência, satisfação dos funcionários e sucesso da organização. Estamos comprometidos em manter uma cultura organizacional que valorize e desenvolva o potencial de cada colaborador, garantindo ao mesmo tempo um desempenho e crescimento sustentáveis para o nosso negócio”, continua o cofundador e COO da KWAN.

Rita Cadillon afirma que na Cegid as decisões também são suportadas por dados. “Utilizamos indicadores-chave de análise para suportar o negócio e o processo de tomada de decisão, que nos ajudam a melhorar a atração e retenção de talento. Alguns deles são sobre a rotatividade dos colaboradores, análise dos motivos de saídas, as horas de formação e o índice de engagement. Procuramos ainda ter uma grande proximidade com os nossos colaboradores, analisando a sua satisfação durante o recrutamento e o processo onboarding na empresa.”

“Sabemos que colocar a prioridade nos colaboradores é essencial para que as organizações se alinhem com a era em que vivemos, em que o potencial humano assume o principal fator de diferenciação entre as organizações e a principal alavanca de crescimento económico. Práticas como o people analytics podem revelar-se decisivas para os gestores da atualidade e trazer ganhos poderosos para as organizações, na medida em que disponibiliza um conjunto de indicadores relevantes para antecipar problemas, aumentar a produtividade, a satisfação e o sentido de pertença dos colaboradores“, continua a head of people & culture Portugal & África Lusófona da Cegid.

Apesar dos investimentos de empresas multinacionais no nosso mercado, a indústria e as PME continuam a ter maior representatividade. Assim, e porque o investimento em ferramentas de análise ou até mesmo em automação da gestão é tradicionalmente vista como um custo e não como otimização das funções e negócio, ainda temos um caminho longo a percorrer no que diz respeito à IA numa função como a de people analytics.

Sofia Santos

Manager da Michael Page

O people analytics pode ajudar os departamentos de RH a perceber qual a melhor forma de motivar os colaboradores, a direcioná-los para as formações mais indicadas e a aumentar a confiança e o sentido de pertença. Pode também ser útil no momento de selecionar profissionais que poderão dar resposta às expectativas de uma determinada função, considerando os objetivos pretendidos com a contratação e minimizando o risco de entrar no ciclo de sucessivas contratações para preencher uma vaga de forma satisfatória, dando origem a contratações mais acertadas.

Tendo em conta o atual contexto de escassez de talento, que afeta o mercado de trabalho de uma forma transversal, tomar decisões com bases em dados pode traduzir-se ainda numa maior capacidade de retenção. “Podemos afirmar que uma empresa que aplique esta metodologia alcançará a curto prazo maior vantagem competitiva, conseguindo maior controlo de variáveis que, de outra forma, poderiam impactar diretamente e sem aviso prévio nos resultados”, resume Inês Casaca, da Randstad, que conta com departamentos especializados em data analytics.

Da perceção à implementação

A utilização de dados deverá, assim, ser encarada como uma metodologia, um método de ação que suporta a decisão. “Para que tal ocorra com sucesso, acima de tudo, deverá haver investimento em coletar, organizar e interpretar a informação. Pior que não utilizar dados, será utilizá-los erradamente. As empresas deverão avançar pela experimentação deste método. Devem ser comparadas as novas ferramentas com as já utilizadas e perceber que tipo de investimento será necessário para obter melhores resultados. Aprofundar informação e tentar a substituição do que já é feito por novas formas de atuar, tendo como base dados organizados e bem interpretados, acima de tudo, consistentes”, aconselha a especialista da Randstad Portugal.

O relatório da NTT DATA apresenta também um guia para as organizações conseguirem tirar partido dos dados e da analítica na gestão de pessoas, constituído por três etapas:

  • Perceção da mais-valia

“O primeiro passo das organizações passa por entender de forma clara os motivos, benefícios e potenciais impactos da prática de People Analytics”, refere primeiramente a tecnológica.

Para as organizações inquiridas no estudo, o motivo mais relevante para a adoção desta prática é a capacitação dos líderes, com informação sobre as suas áreas e equipas (47%), seguido do suporte à tomada de decisões e investimentos, o que facilita o planeamento e a gestão de prioridades dos departamentos de RH (37%). Destaque também para as capacidades de caracterização da força de trabalho e de planeamento estratégico que a prática de people analytics oferece, assim como para otimização de processos de RH, apontada por 60% das organizações como o principal benefício da prática — algo limitativo face ao potencial impacto da atividade.

  • Conhecimento e ferramentas

A segunda etapa do guia consiste em garantir que estão reunidas as competências e as bases tecnológicas necessárias para se potenciar a análise de dados e a recolha de insights. É aqui que entram os profissionais qualificados. “As organizações devem ter equipas capazes de conjugar fortes conhecimentos estatísticos com um sólido background técnico, capaz de potenciar a utilização de soluções digitais (sistemas de informação de recursos humanos, apoiados em inteligência artificial e machine learning) de suporte à prática.”

Vale a pena destacar que 20% dos inquiridos do estudo confirmaram suportar-se ainda do Excel para realizar atividades de correlação de dados. Por sua vez, 32% dos inquiridos apontam como desafios da implementação de people analytics a existência de fontes de dados de integração difícil, sendo que 24% relatam a existência de informação duplicada ou de fraca qualidade. Estas conclusões podem justificar o facto de 52% dos inquiridos considerar que não tem um nível adequado de competências para a prática ou opte por não responder.

  • Disseminação da proposta de valor

A terceira e última etapa passa por assegurar que os benefícios da prática são compreendidos por toda a organização, de forma que os colaboradores sejam agentes da mudança.

O estudo demonstra que apenas 8% das organizações inquiridas disponibilizam o acesso pleno dos dados aos líderes, para análise e elaboração autónoma dos planos de ação. Ao invés disso, 52% reconhece disponibilizar apenas parte da informação, “o que revela que a prática de people analytics ainda poderá estar longe de estar disseminada pelas organizações e que há ainda um caminho a percorrer para se estabelecer uma cultura de dados nas instituições”.

O estudo “The Power of Analytics in HR” foi realizado em parceria com a Microsoft, entre janeiro e fevereiro de 2023, e resultou da análise de 70 inquéritos e entrevistas a dezenas de organizações em Portugal, que representam sete setores de atividade distintos: administração pública, banca, energia, indústria, saúde, seguros e telecomunicações.

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