Dia do Advogado, rebatem ou dobram os sinos?

  • Alexandra Bordalo
  • 19 Maio 2023

A Lei das Associações Públicas, a necessidade de adaptação dos estatutos, a agenda impossível que o Governo pretende impor às Ordens profissionais, olvida uma Ordem quase centenária.

Celebra-se hoje o Dia de S. Ivo, Patrono dos Advogados.

A Ordem organiza uma sessão solene, em todo o país se comemora o dia e bem assim em muitos escritórios.

Acontece que, a profissão tal como a conhecemos, está em perigo.

A Lei das Associações Públicas, a necessidade de adaptação dos estatutos, a agenda impossível que o Governo pretende impor às Ordens profissionais, olvida uma Ordem quase centenária, uma profissão que remonta à antiguidade e uma deontologia profissional alicerçada numa multiplicidade de regras e deveres.

A Autoridade da Concorrência produziu um parecer no qual apresenta, entre outras, a solução da consulta jurídica deixar de ser acto próprio dos advogados, juristas e solicitadores, alargando-a a profissionais de outras profissões reguladas. Desde logo, esbarra tal recomendação no paradoxo da consulta designada por jurídica ser prestada por não juristas…

O mesmo sucedendo a contratos, ditos rotineiros, como de compra e venda de imóveis, desqualificando-os como acto próprio.

Ou ainda, a ideia peregrina de o aconselhamento jurídico às vítimas de violência doméstica ser prestado por solicitadores, ainda que depois não prossigam o patrocínio judicial! Portanto, primeiro seguem os conselhos do solicitador e só depois vão ao Advogado, quando porventura já se inquinaram as bases do processo.

Enfim, nem no tempo do regime ditatorial se assistiu a tamanha vontade de compressão da Ordem e da profissão de Advogado.

A par destas alterações que não se traduzem em melhor assistência jurídica para o cidadão e para as pessoas colectivas, pondo em crise a defesa dos direitos, liberdades e garantias, volta-se à pretensão de introduzir não advogados nos órgãos disciplinares.

Portanto, pretende-se que não advogados tramitem processos disciplinares, elaborem despachos, fundamentem decisões e julguem advogados.

Com o estafado argumento sussurrado nos bastidores de corporativismo, pretendendo significar que os advogados protegem os seus pares, ignorando o que seja um advogado, a nossa deontologia e a regra básica de não admitirmos ser comparados ou associados a quem infringe e ofende a imagem e honra da Classe.

Isto resulta da ignorância do número de advogados que é alvo de participação, processo e sujeito a toda a linha processual.

Olvidar que muitas são as participações infundadas, caducas, prescritas ou profundamente mal-intencionadas, é querer desvalorizar os arquivamentos, muitos liminares. Desconhece, também, o elevadíssimo número de sanções aplicadas.

Obviamente, a notícia de hoje só conduz a decisão muitos meses ou anos depois e aí já não é notícia, nem é interessante.

Não vamos ultrapassar o processo, as fases legais e o direito de defesa a bem da celeridade. A conclusão é a nulidade e tal não serve a ninguém.

Apesar das dificuldades com que os órgãos disciplinares se debatem, o elevado número de processos, meios antiquados, um procedimento que anseia por reforma, tal nada será ou significará se tivermos não advogados a tramitar processos.

A análise da participação, dos documentos, da defesa, a ponderação da existência, ou não, de infracção, a sanção a aplicar, o sopesar agravantes e atenuantes e elaborar arquivamentos, acusações e decisões, fundamentando de facto e de direito, é tarefa complexa, demorada e trabalhosa.

Para quem pretende que isto significa o fim dos conselhos de deontologia, não exulte, porque se num primeiro momento sobrará orçamento, num segundo momento teremos a jurisdição disciplinar dos advogados entregue aos tribunais ou a qualquer autoridade pública a quem seja atribuída tal competência.

Portanto, calem-se os cépticos, os conselhos de deontologia perseverarão pela aplicação da deontologia e exercerão a competência disciplinar.

Não é momento de farta festa, mas ainda não será desta que os sinos dobrarão.

Enquanto isso, que S. Ivo nos guarde e proteja, a nós e a quem representamos.

  • Alexandra Bordalo
  • Advogada na BGRR Advogados

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