Os enormes desafios da construção
Talvez a nenhum outro setor se exija tanto e ao mesmo tempo, o que implica muitos e relevantes desafios a serem ultrapassados nos próximos anos.
De acordo com os dados mais recentes, o setor da construção representa cerca de 16% do PIB, o que, só por si, demonstra bem a extrema relevância do setor. Mais relevante ainda é que ao setor muito se exige: que seja o motor da (recuperação da) economia, que seja o motor da criação de emprego, que assegure a reabilitação e infraestruturação das cidades e, mais recentemente, que seja capaz de edificar mais habitação, de forma mais célere, mais sustentável e mais barata. Talvez a nenhum outro setor se exija tanto e ao mesmo tempo, o que implica muitos e relevantes desafios a serem ultrapassados nos próximos anos.
Quem conhece bem o setor, sabe que a atividade construtiva, pela sua própria natureza, é muito exigente: os prazos de amortização dos investimentos são longuíssimos, as margens relativamente reduzidas, os projetos apresentam sempre riscos que ninguém teria sido capaz de prever, a gestão dos contratos é complexa e exige intervenientes altamente qualificados e a internacionalização, não raras vezes, implica a deslocalização (ou montagem) de verdadeiras indústrias em várias geografias que não têm, sequer, capacidade logística, fatores que levam a que esta seja, verdadeiramente, uma indústria de capital intensivo.
No atual contexto, o setor da construção é, assim, chamado a enfrentar grandes desafios que podemos sintetizar em quatro grandes linhas de força: por um lado, temos que saber como suprimos as necessidades prementes de habitação e se conseguimos industrializar os métodos construtivos, assegurando ganhos de eficiência e sustentabilidade; por outro lado, impõe-se uma verdadeira calendarização dos grandes projetos, dando oportunidade ao setor de antecipar e se preparar, e a criação de mecanismos céleres de resolução de conflitos na sua execução, na medida em que, hoje, a tesouraria das empresas não é compaginável com prazos de pagamento dilatados.
Começando por estes dois últimos desafios, depois de anos e anos sem o lançamento de qualquer grande projeto de obras públicas, muito recentemente, quer o Metropolitano de Lisboa, quer o Metropolitano do Porto, anunciaram dois grandes concursos (cada um com valores superiores a 400 milhões de euros), ao que acrescerá, seguramente, o projeto da alta velocidade que, tanto quanto se sabe, será lançado ainda este ano. Ora, como facilmente se percebe estes anúncios deixam um ligeiro travo amargo: se, obviamente, estes projetos são muitíssimo bem-vindos, desde logo porque são estruturais para todos, também não devemos ter memória curta. Não nos podemos esquecer do sobreaquecimento do setor, vivido na primeira década deste século que, posteriormente, implicou uma destruição sem precedentes de trabalho, empresas, know-how e capacidade em geral. Este é um ponto fundamental: o setor precisa de alguma estabilidade, de um portefólio mais ou menos constante de projetos e não de inúmeras iniciativas concentradas num mesmo período, que desaparecem nos anos subsequentes, tendo as empresas que interiorizar investimentos que não conseguem amortizar.
Ainda quanto a este ponto, há que enfrentar os inevitáveis litígios que sempre surgem quando se pede um orçamento para um bem que será produzido ao longo de anos e entregue, por vezes, 5 ou 6 anos depois da adjudicação. De facto, enterrar a cabeça na areia, como se tem feito, e presumir que em projetos destes não há, sempre, imprevistos, alterações de projeto, reponderações do interesse público, alterações tecnológicas ou circunstâncias extraordinárias – umas imputáveis às partes, outras não imputáveis a nenhuma das partes – que impõem que se revisite o preço e o prazo de execução da obra, simplesmente não é viver neste mundo. Isto é particularmente evidente numa altura em que o setor foi altamente impactado pela pandemia e pela guerra na Ucrânia e subsequente subida de preços.
A verdade é que uma cultura de pouca abertura à negociação na administração e, sejamos francos, um conjunto de regras de responsabilização pessoal porventura exageradas e que minam a capacidade e agilidade de decisão, impedem a desejável resolução em obra de inúmeros diferendos, referenciando-os para os Tribunais que, obviamente, não respondem. As respostas estão disponíveis só faltando implementá-las: o Observatório das Autarquias Locais tem estimulado os denominados CPAL (Comités de Prevenção e Acompanhamento de Litígios) que, no fundo, são comités permanentes de acompanhamento da execução das obras e que permitem que, pelo menos os litígios de menor dimensão e que inexoravelmente acontecem em qualquer obra, não se avolumem e sejam resolvidos na hora, permitindo a sua continuação. Era muito importante que, pelo menos a partir de determinado valor, as obras tivessem obrigatoriamente um mecanismo de acompanhamento e resolução de conflitos, para não chegarmos ao final de execução dos contratos com ações de dezenas de milhões de euros. Para os casos em que não seja possível a sua resolução negociada, não há que ter qualquer receio dos tribunais arbitrais até porque, hoje, todas as ações relevantes são suscetíveis de recurso para os tribunais estaduais superiores.
Os dois primeiros desafios são de natureza mais técnica, mas também aqui temos uma oportunidade única: o desafio da habitação (para além das questões de licenciamento e fiscais) só será resolvido mediante a verdadeira industrialização do setor da construção. Hoje, a execução de cada projeto implica a montagem do seu estaleiro que mais não é que uma fábrica para executar cada obra. Para além das evidentes questões ambientais, como facilmente se intuiu a possibilidade de produção em fábrica e apenas montagem em cada local tem enormes vantagens, incluindo na própria industrialização do país e na inovação tecnológica.
Todos estes desafios serão discutidos nos próximos dias 25 e 26 de maio, no 2.º congresso de Direto da Construção que a PLMJ está a levar a cabo em parceria com a Almedina, o qual acontece, assim, num contexto muito oportuno.
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