Inflação “empurra” clientes portugueses para marcas brancas e promoções

Os portugueses olham cada vez mais para as promoções e para as marcas próprias, numa altura em que já representam mais de 40% da quota de mercado nas lojas. E há quem esteja a comprar menos.

Com a subida dos preços, os portugueses estão cada vez mais cuidadosos com a gestão do orçamento familiar, optando por fazer as compras de forma “mais racional”. Ao ECO, os clientes dos supermercados admitem que olham cada vez mais para as promoções e para as marcas próprias, numa altura em que estas ocupam mais de 40% da quota de mercado. E há quem assuma uma retração no consumo.

“Antes não olhava ao preço. O primeiro que vinha à mão era o que vinha. Agora não. Agora já há mais contenção. Já temos mais cuidados nas compras”, afirma Paulo Casaca, enquanto espera pela vez na secção do talho no Continente da Amadora. A subida dos preços já se vinha a fazer sentir com a seca, mas a invasão russa à Ucrânia veio acelerar o aumento de preços, isto apesar de a taxa de inflação já estar a dar sinais de abrandamento há seis meses. Em abril, foi a primeira vez em 18 meses que os preços dos alimentos deixaram de subir.

No entanto, os portugueses ainda não sentem esse abrandamento nos preços. “O que fazia com 100 euros agora não consigo fazer com 200 euros”, corrobora Ana Rute, considerando que “tão depressa os preços não vão estabilizar”. Face à conjuntura atual, compra “só o essencial”, mas admite que passou a prestar mais atenção às promoções e à comparação dos preços. “Olho para os preços e para as promoções e comparo”, relata ao ECO, agachada junto à prateleira dos produtos de higiene. Vai a vários supermercados em busca das melhores opções.

Hugo Amaral/ECO

A subida de preços está também a fazer com que haja já alguns portugueses a sinalizar uma retração no consumo. “Tento sempre comprar o que é mais barato, mas com a subida de preços tenho comprado um bocadinho menos”, afirma Ana Vilela. “Vou mais vezes ao supermercado e compro menos”, concorda Paulo Almeida, acrescentando que olha sempre para as promoções.

A tendência é, aliás, retratada pelo diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED). “As pessoas estão a fazer as suas compras de forma muito racional. Estão a ir mais vezes ao supermercado, a ser menos fiéis a um retalhista, a a ir à procura das melhores promoções. Estão a gerir o seu orçamento com muita, muita cautela. Vão mais vezes e trazem um cesto mais pequeno”, afirma Gonçalo Lobo Xavier, em declarações ao ECO.

Ainda assim, há quem continue a tentar manter os mesmos hábitos de consumo, apesar da pressão dos preços. “Temos de comprar… Vou dar um exemplo: ainda ontem fui comprar uns pêssegos, porque a minha filha adora e estavam a 5 euros por quilo. Vou deixar de comprar?“, questiona outro cliente, enquanto faz as suas compras na mesma loja na Amadora.

No entanto, este cliente admite que presta atenção às promoções. “Quase tudo o que está aqui está em promoção“, atira, enquanto aponta para o seu carrinho de compras. “Não, continuo a comprar tudo igual”, reforça Sandra, uns metros mais à frente, acrescentando que os retalhistas “aumentam numas coisas e baixam noutras”. “Por enquanto ainda me vou aguentado”, afirma ainda Elisabete Simões.

As marcas próprias ocupam mais de 40% da quota de mercadoHugo Amaral/ECO

Paralelamente, há um crescimento das marcas próprias da distribuição. Entre 27 de março e 23 de abril, as vendas do mercado de grande consumo em volume cresceram 14,1%, face ao período homólogo, para 3.883 milhões de euros, segundo os dados mais recentes do Scantrend da Nielsen IQ. Neste período, as marcas de distribuição já representavam 44% do total de vendas. No que toca as marcas próprias, o setor da alimentação ocupa as preferências, com 50,1% da quota de mercado, já a quota de mercado na higiene do lar e pessoal cai para 38,9% e para 23,5% nas bebidas.

Esta tendência é, aliás, sinalizada por vários clientes ouvidos pelo ECO. “Geralmente vou sempre às marcas brancas neste momento”, mas nos produtos de higiene “sou mais seletiva”, afirma Ana Vilela, acrescentando que “tirando um ou outro produto está tudo muito próximo em termos de qualidade”, face às marcas de fabricante. Também Ana Rute opta tendencialmente pelas marcas próprias, à exceção de limpeza do lar. Nesses “vou às promoções de marca, porque acho que não são tão bons alguns”, justifica.

Os produtos da marca própria do Continente têm tido um crescimento “muito acentuado”Hugo Amaral/ECO

Já Paulo Almeida adianta que sempre foi “adepto” das marcas próprias de distribuição, mas com a subida de preços começou a recorrer a marcas de fabricante. “Como os preços estão mais equiparados, começo a passar para os de marca”, assume, dando como exemplo o atum.

Continente “chama” clientes para testar produtos

Perante o crescimento “muito acentuado” da marca própria do Continente e por forma a dar uma “maior centralidade ao consumidor”, ao processo de desenvolvimento do produto, de novos conceitos e também de “melhoria contínua da proposta de valor”, a MC inaugurou na sexta-feira o “Co-Lab: Laboratório de Inovação com o Cliente”, indicou ao ECO a diretora comercial da marca própria da MC. Este centro conta com um investimento de 2,5 milhões de euros.

Co Lab Laboratório de Inovação com o cliente - 26MAI23
Tânia Lucas, diretora comercial da marca própria da MCHugo Amaral/ECO

Com 1.200 metros quadrados, este centro está localizado junto ao Continente da Amadora e foi criado para pesquisa e desenvolvimento dos produtos das marcas próprias do retalhista, contando com vários espaços que vão desde um laboratório sensorial, laboratório bioquímico, sala de focus group, sala de observação, cozinha industrial e sala de formação para colaboradores da Cozinha Continente, sala de limpeza do lar, sala de beleza, sala de design e espaço de showcooking e co-work. A ideia é juntar num mesmo espaço consumidores, fornecedores e parceiros.

Só no ano passado, a marca própria do Continente representou cerca de 925 milhões de euros nas vendas da área alimentar, o que representou um subida de 20% face a 2021 — e um crescimento de quase 50% nos últimos três anos. “Houve uma grande transformação do consumidor no entendimento que tem sobre as marcas próprias”, sinaliza Tânia Lucas, acrescentando que neste centro os clientes são convocados para participar nas diversas atividades “consoante as necessidades” e “podem aceitar ou não”. De notar que os testes realizados neste centro continuarão a servir de complemento aos testes já realizados nos laboratórios internos da empresa na Maia e em Carnaxide, bem como em laboratórios externos.

No que toca ao laboratório sensorial, este é composto por 12 cabines onde os clientes vão poder provar produtos e avaliá-los numa escala de 1 a 8, consoante vários critérios. O objetivo é fazer 1.700 testes anuais “maioritariamente em produtos alimentares”, a que se juntaram outros testes para avaliar produtos de higiene, limpeza e beleza que o cliente poderá realizar em casa. Cada produto é testado, no mínimo, por 30 clientes diferentes.

Co Lab Laboratório de Inovação com o cliente - 26MAI23
Cabine de testes de produtos alimentares Hugo Amaral/ECO

No laboratório sensorial, além da prova de produto, são utilizadas duas técnicas: o Face Reader, um equipamento que analisa as expressões faciais dos provadores ao experimentarem ou observarem produtos; e o Face Reader Eye Tracker, que, através de uns óculos de infravermelhos colocados no consumidor, recolhem informações sobre quais são as partes do produto / embalagem onde os clientes dedicam mais atenção.

Já no caso dos testes feitos em casa, o cliente “vem ao centro buscar as amostras dos produtos que vai testar”, leva um protocolo que tem que seguir e depois atribui na plataforma a sua avaliação, também numa escala de 1 a 8, explica ainda a responsável. Ao ECO, a diretora comercial da marca própria da MC adianta ainda que, no espaço de um mês, dois mil clientes inscreveram-se para participar nas mais diversas tipologias e que estes serão remunerados “preferencialmente através do cartão Continente”.

“Os valores estão mencionados no formulário de inscrição e são revistos consoante as diferentes tipologias, porque uma coisa é fazer uma entrevista individual de meia hora, outra coisa é vir provar produtos, que se calhar faz em 10 minutos, outra coisa é fazer um focus group que demora quatro horas ou um shop alone, em que se está a ver como o cliente em loja circula”, conclui, sem adiantar, porém, os valores em causa.

Há quem desconfie das “marcas brancas”

Apesar de as marcas próprias estarem a ganhar terreno, há quem ainda seja mais desconfiado. “Normalmente não compro marcas brancas. Pode haver normalmente uma ou outra coisa, mas normalmente não. Estou habituada às outras“, afirma Alice Lourenço. “Em termos de qualidade acho que não é a mesma coisa”, atira ainda outro cliente. Já Sandra admite que “há certas marcas” de fabricante a que é “muito fiel”, mas no que toca a produtos de higiene, como fraldas, diz não ter outra opção do que optar pela marca de distribuição. “Aí sou mesmo obrigada a comprar marca própria porque as outras são insuportáveis”, conclui.

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