Leilão offshore vai obrigar à “especialização dos portos”. Grupo de trabalho quer cadeia de valor assegurada
Grupo de trabalho diz que portos "não reúnem condições necessárias para desenvolvimento industrial do eólico offshore" e defende "especialização", desde produção de componentes ao descomissionamento.
O Ministério das Infraestruturas tem nas mãos um plano que visa adaptar e valorizar os portos nacionais, no âmbito do primeiro leilão de energia eólica offshore, que será lançado este ano.
A proposta preliminar, que foi apresentada numa reunião com as administrações dos portos, em maio, e à qual o ECO/Capital Verde teve acesso, sugere capacitar estas infraestruturas para produzir, montar e armazenar componentes, ficando, igualmente, equipadas para gerir as operações, fazer a manutenção e tratar do descomissionamento das turbinas, no fim de vida.
Esta proposta foi elaborada por um dos três subgrupos de trabalho que ficaram encarregues do planeamento e operacionalização de centros eletroprodutores baseados em fontes renováveis oceânicas. O terceiro subgrupo de trabalho ficou responsável pelo tema “desenvolvimento das infraestruturas portuárias” a nível nacional. No documento, a entidade considera que “a infraestrutura portuária atual não reúne todas as condições necessárias para o desenvolvimento industrial do eólico offshore“.
O objetivo, lê-se no documento, é “avaliar as necessidades de desenvolvimento das infraestruturas portuárias quer para a fase de construção dos centros eletroprodutores, quer para o desenvolvimento de uma fileira industrial nacional”, uma vez que o setor de eólicas offshore vai obrigar à “especialização de cada porto”.
Em causa estão os portos de Viana, Aveiro, Figueira da Foz, Setúbal e Sines, estruturas portuárias que estarão próximas das oito áreas que serão colocadas a concurso para a exploração de eólicas sobre o mar, a maioria em estrutura flutuante. Os primeiros quatro lotes de 500 megawatts (MW) que serão leiloados ainda este ano encontram-se ao largo de Viana do Castelo, Figueira da Foz e Sines (este último ainda pendente de confirmação).
No documento, a produção de componentes necessárias para a construção dos parques eólicos é apontada como uma indústria com potencial de exploração nos portos de Aveiro, Viana, Setúbal e Sines. É referida a eventual produção de pás, torres, naceletes, cabos, sistemas de amarração, subestações e plataformas. O Porto de Aveiro avançou, na semana passada, que vai disponibilizar três áreas, que somam mais de 19 hectares, para a instalação de fábricas de componentes e estruturas para parques eólicos no mar.
Uma vez construídas as componentes, será necessário garantir que existe capacidade de armazenamento — em terra e em mar — e, posteriormente, capacidade de montagem. O subgrupo de trabalho aponta os portos de Setúbal, de Viana e de Sines como potenciais infraestruturas para o feito. Estas áreas, juntamente com o porto da Figueira da Foz, têm, também, capacidade para abrigar indústrias especializadas em operações de manutenção, em terra e no mar, e que podem resultar na substituição de componentes.
Quando as turbinas chegarem ao fim de vida, cerca de 25 anos após serem instaladas, será necessário proceder ao seu descomissionamento e à reciclagem de componentes. Para estas indústrias, o subgrupo de trabalho aponta os portos de Setúbal e de Sines como potenciais localizações.
Também os portos de Lisboa e Sesimbra têm potencial. A equipa autora do estudo prevê a possibilidade de instalação de indústrias fixadas nestes portos ou na sua envolvente. Se na capital a especialização seria de comercializadoras e distribuidoras de componentes, bem como investigação e desenvolvimento (I&D), em Sesimbra a especialização seria em mergulho técnico ou rotação de tripulações.
Estas indústrias poderã surgir com o lançamento de um aviso pelas administrações portuárias, no qual os potenciais interessados em celebrar um contrato de concessão desses terrenos poderão formalizar o seu interesse, à semelhança do foi posto em curso pelo Porto de Aveiro. “A seleção dos fornecedores/vencedores dos concursos deve resultar de um balanço da incorporação nacional, prazos de execução e custo“, recomenda o grupo de trabalho.
O documento apresentado numa reunião entre o Ministério das Infraestruturas e as administrações dos portos nacionais que decorreu em maio, não é, contudo uma versão daquilo que se poderá esperar do primeiro leilão de eólicas offshore em Portugal. Na verdade, o grupo de trabalho (composto por três subgrupos) ficou de apresentar o relatório final a 31 de maio, mas 26 dias de depois o documento ainda não foi divulgado. O ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, já tinha admitido, a 24 de maio, que seria possível haver atrasos, mas sublinhou que se fosse o caso que não “será muito insignificante”.
Faseamento dos leilões dá tempo à indústria
A falta de capacidade industrial em Portugal tem sido apontada por promotores e especialistas com um dos principais desafios inerentes ao setor que pode dificultar a instalação dos 10 gigawatts (GW), até 2030, tal como o Governo ambiciona. Atualmente, existem duas indústrias de componentes para parques eólicos — em Aveiro, a CS Wind ASM e em Viana do Castelo, a Enercon — mas face à procura que o leilão de eólicas sobre o mar tem suscitado, tanto de promotores portugueses como estrangeiros, será expectável que o número cresça.
Ao Capital Verde, Marco Alves, CEO da Wavec, centro de estudos especializado em energias marítimas renováveis (offshore ou das ondas), considera que o lançamento faseado dos primeiros gigawatts é fundamental para que seja assegurada a sustentabilidade e sucesso do setor uma vez que, atualmente, Portugal não dispõe da capacidade industrial “para dar resposta”.
“Estamos a falar de um setor emergente que não está suficientemente estabelecido a nível da indústria, e para a cadeia de abastecimento poder responder de uma forma adequada aos 10 gigawatts, [os leilões] têm que ser faseados“, alerta.
Frota naval terá que sair reforçada
Além da indústria, também a frota naval terá que ser reforçada para garantir a construção e manutenção dos parques eólicos offshore, aspeto contemplado no plano elaborado pelo subgrupo de trabalho.
“A manutenção do parque eólico é normalmente realizada a partir de um porto próximo, utilizando Service Operation Vessels (SOVs). Abrigam a equipa de manutenção e os navios necessários para responder a falhas, além de instalações de armazenamento e reparo”, escrevem os especialistas.
Na proposta, são identificadas três fases de projeto (topografia, colocação de cabos e desenvolvimento, construção e descomissionamento) que obrigam à alocação de várias frotas especializadas, bem como o estacionamento permanente de frotas durante a vida útil do projeto. No documento, é feita a referência a vários tipos de embarcações, desde navios lança-cabos ou de construção, a barcaças de apoio ou de reboque, até contentores de descargas.
Para tal, recomenda o subgrupo de trabalho, devem ser construídos Portos de Reação Rápida, onde ficarão atracadas as embarcações de operações e manutenção. Estas, recomenda a equipa, “devem-se encontrar suficientemente próximos do parque eólico” permitindo que as embarcações cheguem ao local em menos de duas horas.
“O acesso às embarcações vai ser o mais complicado. Nós, por exemplo, vamos ter que ter uma frota alocada às nossas necessidades quase a tempo inteiro. Essas frotas não existem. Têm de ser chamadas e há muita concorrência, há muitos países com [leilões] semelhantes“, considera Marco Alves.
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