Papa provoca “onda” de perdão de crimes a reclusos. Mas afinal do que se trata?
A vinda do Papa Francisco a Portugal, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude, vai levar ao perdão de penas e amnistia de crimes e infrações praticadas por jovens entre os 16 e 30 anos.
Está a chegar a Portugal a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que decorre entre 1 e 6 de agosto, e com ela uma “onda” de perdão de crimes e multas. Isto, porque é “tradição” sempre que o Papa visita um país, neste caso a visita do Papa Francisco, ser dada clemência.
Assim, o Governo já aprovou um proposta de lei onde é tipificado quem pode ou não ser “perdoado” e em que moldes. Em comunicado, o executivo justifica esta medida “no quadro” da realização da JMJ, que contará com a presença do Papa Francisco, “cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal”.
Apesar de esta proposta já ter sido aprovada em Conselho de Ministros, tem agora de passar pela Assembleia da República, pelo que ainda não é certo quantas pessoas serão abrangidas por esta proposta de lei.
Mas afinal quem vai ficar abrangido por esta lei?
Foi em junho que o Governo aprovou um diploma que estabelece o perdão de penas e amnistia de crimes e infrações praticadas por jovens entre os 16 e 30 anos até ao dia 19 de junho de 2023. Mas este diploma ainda tem de ser analisado pela Assembleia da República.
A proposta de lei em causa estabelece um perdão de um ano para todas as penas até oito anos de prisão, sendo adicionalmente fixado um regime de amnistia que compreende as contraordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda 1.000 euros e as infrações penais cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de pena de multa.
Mas existem ainda outras exceções ao perdão e amnistia. Não fica abrangido quem tiver praticado crimes de homicídio, de infanticídio, de violência doméstica, de maus-tratos, de ofensa grave à integridade física, de mutilação genital feminina, de ofensa à integridade física qualificada, de casamento forçado, de sequestro, contra a liberdade e autodeterminação sexual, de extorsão, de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, de tráfico de influência, de branqueamento ou de corrupção. Ou seja, crimes mais graves.
Face a este diploma, o Automóvel Clube de Portugal (ACP) apelou à Assembleia da República para que vote contra a decisão do Governo de indultar jovens até aos 30 anos que tenham cometido crimes rodoviários, como a condução com álcool.
O ACP sublinhou que os “números são claros” e relembrou que 1.500.000 de multas foi registado em 2022, destacando-se o aumento da condução sob efeito do álcool. “As estatísticas mantêm Portugal na cauda da União Europeia no que toca a segurança rodoviária e não é com um apagão que se resolve o problema“, disse.
Logo de seguida, o Ministério da Justiça esclareceu que há um conjunto de infrações, como os crimes rodoviários, que não estão abrangidos pelo perdão de penas e amnistia aos jovens entre os 16 e 30 anos.
O Ministério da justiça referiu que a proposta de lei do Governo “contém limites substantivos da sua aplicação”, existindo um conjunto de exceções que não estão abrangidas “nem pelo perdão nem pela amnistia”.
Segundo o Ministério da Justiça, não beneficiam do perdão e da amnistia os condenados por crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, nem, no âmbito das contraordenações, as que forem praticadas sob influência de álcool ou de drogas.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ainda não se pronunciou e admitiu que iria esperar para ver os “contornos finais” da lei.
Todos os anos Marcelo perdoa condenados
O perdão de crime não é novidade, pelo menos em Portugal. Todos os anos o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, concede indultos a reclusos na altura do natal.
O indulto é uma competência exclusiva do Presidente da República, prevista na Constituição, não estando sujeita a qualquer condição, para além da audição prévia do Governo, representado pela ministra da Justiça. Com o indulto pode haver um perdão total ou parcial da pena, bem como a revogação de penas acessórias de expulsão do país aplicadas a reclusos estrangeiros. Também pode existir uma substituição da pena por outra menos grave. Ou seja, em termos práticos, o indulto é o mesmo que uma absolvição ou perdão de uma pena concedido pelo chefe de Estado.
Segundo o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, o pedido de indulto pode ser feito pelo condenado, pelo representante legal, pelo cônjuge ou por pessoa com quem o condenado mantenha uma relação análoga à dos cônjuges, ou por familiar. Também o diretor do estabelecimento prisional em que está o recluso pode pedir a libertação.
O indulto tem de ser pedido até ao dia 30 de junho de cada ano e tem de estar acompanhado do processo do Tribunal de Execução das Penas. Posteriormente passa por vários pareceres, pela posição do ministro da Justiça e, no final, pela decisão do Presidente da República.
A instrução do processo deve estar concluída no prazo de 90 dias a contar da data de autuação no Tribunal de Execução das Penas. Sendo que este prazo pode, excecionalmente, ser prorrogado até ao limite de 120 dias se o juiz assim o decidir fundamentadamente. Após a instrução, o Ministério Público (MP) emite parecer no prazo de cinco dias. “Emitido o parecer, o juiz pronuncia-se no prazo de oito dias e ordena a remessa dos autos ao ministro da Justiça, que os leva à decisão do Presidente da República”, lê-se na lei.
O chefe de Estado decide a partir de uma lista que lhe é apresentada pela ministra da Justiça e a 22 de dezembro anuncia quantos pedidos de indulto foram concedidos, sendo de imediato comunicada a decisão ao condenado, ao requerente e aos tribunais. Quando a concessão do indulto implica a imediata libertação do indultado, o decreto presidencial é logo comunicado, pelo Ministério da Justiça, ao tribunal de execução das penas com vista à emissão do correspondente mandado.
Ainda assim, os indultos podem ser revogados até ao momento em que ocorreria o termo da pena, sempre que se revelem falsos os factos que levaram à sua concessão ou quando não sejam respeitadas as condições nele incluídas.
Em 10 anos de mandato, o ex-Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, concedeu 71 indultos e em sete anos Marcelo Rebelo de Sousa já concedeu 47, sendo que 14 deles foi devido à Covid-19, no âmbito de um regime excecional. Ainda assim, foi Jorge Sampaio o presidente que, entre os três, mais perdoou. Entre as principais razões dadas pelos chefes de Estado para a concessão de indultos estão as razões humanitárias e de ressocialização.
Desde reclusos que fazem esforços para recuperarem da toxicodependência, aqueles que se dedicam aos estudos, até aos que se sujeitam à condição de tratar do seu problema de alcoolismo, vários são os casos que chegam às “mãos” dos chefes de Estado e que têm carimbo verde.
Um indulto polémico já “assombrou” o mandato de Marcelo Rebelo de Sousa. Em 2018, o chefe de Estado concedeu indulto a um padre que tinha sido condenado no ano anterior a dois anos e nove meses por maus tratos contra crianças e idosos com doenças físicas e mentais na Casa do Gaiato de Beire, em Paredes. Tratava-se de uma pena suspensa, mas com o indulto caiu a pena acessória decretada pelo Tribunal de proibição de regresso à instituição.
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