Lei da Restauração da Natureza aprovada no Parlamento Europeu em votação renhida
Os eurodeputados aprovaram uma proposta de lei para a recuperação dos ecossistemas naturais que levantou muita discussão no plenário do Parlamento Europeu. A vitória foi renhida.
A Lei da Restauração da Natureza, que prevê a recuperação de 20% dos ecossistemas até 2030 — desde rios e florestas a terrenos agrícolas –, foi a votos esta quarta-feira no Parlamento Europeu, e foi aprovada.
O resultado da votação foi recebido com aplausos de pé do lado esquerdo da bancada, e exclamações de contentamento. O relator, Carlos Luena, tomou a palavra para fazer o balanço de que esta lei “é boa até para aqueles que votaram contra” e agradeceu aos cientistas e jovens. “Porque foram eles que demonstraram e convenceram que devemos ter esta lei. E vamos ter esta lei”, conclui.
Esta foi uma das votações mais imprevisíveis – e renhidas – de uma semana repleta de dossiês ambientais. Houve uma declarada oposição de grande parte do hemiciclo — essencialmente os partidos conservadores, encabeçados pelo Partido Popular Europeu (PPE). Já a fatia mais à esquerda defendia esta lei como essencial e inadiável. O diploma chegou ao plenário com um empate de 44 votos a favor e 44 votos contra, o que ditou a discussão esta terça-feira incidisse sobre a sua rejeição (ou não). A rejeição foi negada numa votação inicial, pelo que se seguiu a votação das emendas.
Em cima da mesa estiveram mais de 100 emendas à proposta original – ora para tornar a lei mais ambiciosa, no caso das propostas dos apoiantes, ora para a enfraquecer, no caso dos opositores. A aprovação do documento final foi firmada com um total de 336 votos a favor, 300 votos contra e 12 abstenções.
Apesar desta primeira vitória do lado dos apoiantes, ainda há várias etapas do percurso legislativo que terão de ser percorridas. Agora vai ser negociado um acordo entre o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu e a Comissão Europeia, sendo que esta última terá o papel de mediadora. Depois, esse acordo provisório será votado no seio do Comité para o Ambiente, Saúde Pública e Segurança Alimentar (ENVI). Só de seguida é que volta a plenário para a votação final.
Agricultura “semeou” discórdia
Apesar de a lei abranger vários tipos de ecossistema, os que mais geraram controvérsia foram os agrícolas. Na véspera das votações, duas manifestações tiveram lugar à porta do Parlamento Europeu: de um lado, grupos de jovens ativistas – entre os quais Greta Thunberg –, do outro, associações de agricultores.
Chloe Mikolasczhk, 30 anos, veio do seu país natal, a Bélgica, para apoiar a causa. O mote era “sem natureza, não há futuro”. “Tão simples quanto isso”, atirou Mikolasczhk, abordada pelo ECO/Capital Verde, para depois explicar que considera a lei urgente e incontornável e que os jovens presentes, representantes de grupos ambientalistas de seis países, defendiam não só a sua aprovação num todo como também a das emendas mais ambiciosas.
Do outro lado, separados dos jovens pelas forças policiais, os agricultores reuniam-se em torno de um palco e repetiam que a lei destruiria o seu futuro. O secretário-geral da associação do setor COPA-COGECA, Pekka Pesonen, reconheceu a importância da restauração para a atividade, mas discorda da formulação da lei. Queixou-se da incerteza quanto aos apoios que os agricultores teriam para cumprir as metas propostas, que considera “irrealistas”, e também do peso burocrático.
Isto não é não porque gostamos de dizer não. É porque pensamos que podemos fazer melhor. Queremos uma nova proposta.
O Partido Popular Europeu, que se opôs sonoramente à proposta aprovada, deu um briefing também na terça-feira, no qual explicou as suas principais reservas. A eurodeputada Esther de Lange acusou que o balanço dos impactos levado a cabo pela Comissão Europeia “é muito limitado”, numa altura em que os alimentos têm pesado na inflação e pressionado os cidadãos. Afirmou também que a Lei da Restauração peca por não se conciliar facilmente com outras peças legislativas, que já são “muitas”, resultando numa “sobrecarga administrativa”.
Ao lado de de Lange, o colega de bancada Manfred Weber apontou que falta ainda resposta sobre qual será a fonte de financiamento deste plano. “Está basicamente a dizer aos agricultores que eles é que terão de tomar medidas, o que significa menos rendimentos, mais custos. (…) Consideramos isto injusto”.
Para o PPE, o que faria mais sentido seria implementar as obrigações internacionais, como o Acordo de Montreal, transpondo-as para a Europa. “A Comissão Europeia foi além das suas obrigações internacionais, e consideramos que essa não é uma forma inteligente de começar”, criticou Weber. Os mesmos eurodeputados sublinharam que, das 32 propostas votadas no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, o PPE opôs-se a apenas duas, esta e outra relacionada com o fim dos motores a combustão. Neste sentido, “isto não é não porque gostamos de dizer não. É porque pensamos que podemos fazer melhor. Queremos uma nova proposta”, disse Weber.
A ciência é clara: as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade são as maiores ameaças à segurança alimentar, e só através da restauração da natureza poderemos assegurar a segurança alimentar na Europa.
Do outro lado da barricada, Carlos Luena, o relator da proposta, defende que “a lei define uma direção clara para a restauração, mas dá aos Estados membros a flexibilidade necessária para estabelecer os detalhes”, afere, em declarações ao ECO/Capital Verde.
Carlos Luena destaca como principais benefícios desta lei o facto de acautelar a produção de alimentos, ao garantir a reversão da perda de biodiversidade e o aumento da qualidade dos solos. Desta forma, conta que os agricultores beneficiem, a longo prazo, no que diz respeito aos seus rendimentos.
“A ciência é clara: as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade são as maiores ameaças à segurança alimentar, e só através da restauração da natureza poderemos assegurar a segurança alimentar na Europa”, defende, ao mesmo tempo que relembra que as florestas, como sumidouros naturais de carbono, são “cruciais” para a Europa atingir os respetivos objetivos climáticos.
Em relação ao financiamento necessário para cumprir com a nova lei, Luena indica que está dependente dos Estados-membros, que deverão integrar a lei nos seus planos nacionais. Para já, a União Europeia prevê dedicar parte do seu orçamento anual – 7,5% em 2024 e 10% em 2026 e 2027 – aos objetivos de biodiversidade, que incluem a restauração da natureza.
No entanto, para reforçar as verbas disponíveis, numa das emendas, propõe-se que a Comissão analise o hiato entre o financiamento existente e aquele necessário para a implementação desta lei. “Pedimos à Comissão que analise este hiato, incluindo a opção de criar um fundo para a restauração da natureza”, acrescenta Luena. A Comissão Europeia calcula que cada euro investido na natureza traduz-me em 8 a 38 euros de retorno.
O objetivo seria que os Estados membros apresentassem os respetivos planos até 24 meses após a entrada em vigor da lei, de acordo com a proposta da Comissão Europeia e do Conselho, mas a comissão ENVI reduziu o limite para 18 meses.
(A jornalista viajou a Estrasburgo a convite do Parlamento Europeu)
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