“Temos de refletir sobre o reskilling para os trabalhadores encontrarem emprego na IA”

Num ano, o hub de Lisboa da PagerDuty cresceu para mais de 100 colaboradores e de Lisboa saem alguns dos primeiros produtos de IA generativa, adianta Jennifer Tejada, a CEO da tecnológica americana.

Jennifer Tejada não podia estar mais satisfeita com o hub de Lisboa da PagerDuty. Praticamente num ano, a tecnológica viu crescer de zero a mais de 100 o número de colaboradores. Além disso, de Lisboa já saem alguns dos primeiros produtos de IA generativa para apoiar a gestão de operações de digitais de empresas como a Cisco, Electronic Arts, Shopify, Zoom ou as unicórnios de ADN português Farfetch ou Outsystems.

“Estamos muito felizes com a qualidade do talento que conseguimos contratar em Lisboa”, garante a CEO da tecnológica norte-americana em conversa com o Trabalho by ECO, aquando da sua vinda a Portugal, antes de carimbar o passaporte rumo a Tóquio, o próximo destino das visitas de Jennifer Tejada aos escritórios da PagerDuty pelo mundo.

“Num ano crescemos para mais de 100 trabalhadores e lançamos os nossos primeiros produtos globais liderados pela equipa de Lisboa. Tivemos tanta sorte com a liderança na área de tecnologia que esta lidera alguns de nossos programas de IA generativa. O João Freitas — diretor geral e engineering site lead da PagerDuty Portugal –, o nosso líder local, faz parte da equipa de direção que lidera o tema da IA generativa em toda a empresa”, destaca.

Num momento em que surfar a onda da Inteligência Artificial (IA) generativa é a palavra de ordem no mundo das tecnológicas — mas não só –, Jennifer Tejada olha de forma positiva para esta tecnologia, para o potencial que pode desbloquear e na aceleração que, acredita, pode imprimir ao ritmo de inovação. Mas deixa dois alertas.

Primeiro, era bom que houvesse padrões globais de regulamentação. “Estou no negócio B2B e muitos dos meus clientes são empresas globais, portanto lidam com a mesma complexidade. Esta é uma área em que a simplicidade, o bom senso e a eficiência podem prevalecer”, diz.

Segundo, há que não esquecer as pessoas. “Precisamos de refletir sobre o reskilling e a formação necessárias para que os trabalhadores encontrem oportunidades nos novos empregos que a IA generativa cria”, defende.

No início do ano, a empresa anunciou um corte de 7% na sua força de trabalho global. “Assumo total responsabilidade por ter de reduzir em 7% a nossa força de trabalho em janeiro, mas aproveitamos esse exercício como uma oportunidade para reestruturar o negócio”, garante. “Estamos agora numa posição forte e isso deve-se em grande parte ao excelente trabalho dos nossos trabalhadores.”

PagerDuty está a “recrutar de forma intencional em Lisboa”. Na prática no que é que isso se traduz? Quais são os planos para o hub?

Lisboa é um hub global para o PagerDuty. É uma localização que escolhemos depois de olharmos para mais de 100 cidades em todo o mundo, e estamos realmente impressionados com a base de talento em Lisboa. É um local desejável para pessoas de toda a Europa e, francamente, cada vez mais em todo o mundo. Tivemos muita sorte e estamos muito felizes com a qualidade do talento que conseguimos contratar em Lisboa e em Portugal, de tal modo que expandimos a nossa equipa de uma puramente de produto e desenvolvimento de produto para incluir a contratação de pessoas para apoiar a nossa organização na área financeira, marketing e costumer success a nível global. E vamos continuar. Estamos a contratar para várias funções globais. Temos tido muito sucesso na contratação de gestores, líderes e colaboradores, não apenas para servir as oportunidades locais, mas também para assumir funções globais que beneficiam todos os nossos clientes. É um dos resultados realmente empolgantes de estar aqui e uma das razões pelas quais pretendemos continuar a investir no mercado.

Refere que Portugal tem tido um grande impacto ao nível dos produtos que têm lançado no mercado global. O que tem sido desenvolvido em Lisboa que está ajudar a fazer crescer o negócio?

Num ano crescemos para mais de 100 trabalhadores e lançamos os nossos primeiros produtos globais liderados pela equipa de Lisboa. Tivemos tanta sorte com a liderança na área tecnológica que esta lidera alguns dos nossos programas de IA generativa. O João Freitas — diretor geral e engineering site lead da PagerDuty Portugal –, o nosso líder local, faz parte da equipa de direção que lidera o tema da IA generativa em toda a empresa.

Lançamos recentemente um novo produto, parte da nossa solução de operações de atendimento ao cliente, o “Status Updates”, criado pela equipa local. É uma das primeiras áreas de investimento em que usamos IA generativa para redigir atualizações de status, algo muito importante na resposta a incidentes tecnológicos com impacto no negócio. É um produto muito importante. É uma prova para a equipa local conseguirmos lançar tão rapidamente o hub, contratar o talento e ser capaz de, não só integrar esse talento, como produzir produtos rapidamente. É um resultado fabuloso.

Olha para a IA como uma ferramenta para fornecer soluções aos clientes ou também como uma ferramenta para melhorar e acelerar o vosso próprio negócio?

Pessoalmente, acredito que a IA generativa será uma das grandes transformações tecnológicas do nosso tempo. Pode gerar eficiências significativas e ajudar as pessoas a usar o tempo no trabalho em coisas mais criativas, perspicazes, mais gratificantes e tirar um pouco do trabalho ‘mais braçal’ das nossas secretárias: pode dar-nos um arranque mais rápido na criação de conteúdo, ajudar-nos a consolidar a pesquisa, a ver algo mais rapidamente e, finalmente, acho que resultará em mais produção de software em todo o mundo, representando uma oportunidade de expansão de mercado para a PagerDuty. Portanto, acho que os dois. Pode ajudar-nos a ser mais produtivos e eficientes por meio da automatização, mas também a fornecer alguns serviços transformacionais para os nossos clientes. E os nossos clientes estão realmente entusiasmados com isso.

Há um grande receio de que a IA tenha um feito destruidor do emprego. Partilha dessa visão ou, pelo contrário, considera que pode ajudar a responder à escassez de talento tech, um grande problema na indústria?

Acredito que tenha um impacto mais positivo do que negativo para a sociedade como um todo, para a economia e para empregadores e trabalhadores. Está provado que o ser humano gosta de automatização, de conveniência, de fazer mais e de participar em atividades de maior qualidade, gostamos de ser mais produtivos. A IA generativa oferece isso.

Agora, precisamos de refletir sobre o reskilling e a formação necessárias para que os trabalhadores encontrem oportunidades nos novos empregos que a IA generativa cria. Há uma década não havia data scientists, engenheiros de machine learning, categorias como data management ou cibersegurança. Estas categorias criaram novos empregos, novas oportunidades e vocações para as pessoas e a IA generativa vai fazer o mesmo. Vai libertar os developers para serem mais criativos e inovadores. Sabemos de inovações tecnológicas anteriores que geraram mais automatização e eficiência aos developers, estes não foram substituídos, na verdade criaram mais software, mais inovador e inovaram mais rapidamente.

Precisamos de refletir sobre o reskilling e a formação necessárias para que os trabalhadores encontrem oportunidades nos novos empregos que a IA generativa cria. Há uma década não havia data scientists, engenheiros de machine learning, categorias como data management ou cibersegurança. Estas categorias criaram novos empregos, novas oportunidades e vocações para as pessoas e a IA generativa vai fazer o mesmo. Vai libertar os developers para serem mais criativos e inovadores.

Penso que será bom para todos, mas precisamos agir com propósito sobre como preparar as nossas pessoas. A Academia precisa de responder na forma como ensina os alunos a usar IA generativa em diferentes vocações, e haverá novas vocações resultantes da IA ​​generativa. Mas os modelos ainda não pensam por si mesmo, ainda há a necessidade de fornecer uma análise humana e ter um especialista em cima do que o modelo está a produzir.

Na Europa, prepara-se uma lei para regular a IA. Diz preferir padrões globais a regulamentos regionais. Os EUA e a Europa conseguiriam fazer isso, ter uma base comum neste tema?

Adoraria ver mais colaboração. O que vivi com o tema da privacidade e da segurança de dados pessoais é que a maioria dos governos está a tentar alcançar o mesmo, de maneiras diferentes. Diferenças entre jurisdições cria muito trabalho e custo sem valor agregado para os fornecedores globais e, francamente, para os nossos clientes. Se pudéssemos acomodar ou colaborar num conjunto de padrões globais, estaríamos em melhor posição para investir em inovação, em criar empregos e na construção da economia, em vez de apenas cumprir com uma miríade de regulamentos semelhantes, mas não os mesmos.

A IA generativa, como a maioria das tecnologias, precisa de alguma regulamentação. Queremos manter a sociedade segura, as pessoas seguras, ter a certeza de que protegemos os dados das pessoas e a sua privacidade. A regulamentação é importante, mas a maneira como se faz isso pode ser mais eficiente.

Dada a divisão entre os EUA e a Europa, com muitas das grandes tecnológicas americanas sob o escrutínio no continente europeu, haverá forma de conseguir esses padrões globais, alguma uniformidade entre esses dois blocos?

Vimos países unirem-se em torno das práticas da Covid e das aprovações de medicamentos para fornecer terapias e vacinas durante a pandemia. Portanto, vimos exemplos de onde funciona e onde não funciona. Não presumo perceber tudo sobre geopolítica, mas alguns padrões globais poderiam servir de forma mais eficaz a comunidade como um todo do que ter diferenças marginais apenas para que cada região tenha o seu próprio conjunto de regras e leis. Há muitas empresas globais que servem mais de 140 países. Ao sobrepor diferentes regulamentações a todas essas entidades, está a criar-se muitos custos e ineficiências que não trazem, necessariamente, um benefício para o cliente final. Estou no negócio B2B e muitos dos meus clientes são empresas globais, portanto lidam com a mesma complexidade. Esta é uma área em que a simplicidade, o bom senso e a eficiência podem prevalecer.

Confio nos nossos trabalhadores para identificar formas de trabalhar com mais eficiência. E vemos alguns dos benefícios do trabalho híbrido. O nosso ritmo de inovação acelerou nos últimos três anos. Produzimos mais produtos e serviços novos do que no período anterior (à pandemia).

Adotaram um modelo híbrido, enquanto muitas tecnológicas ordenaram o regresso mandatório ao escritório. Mantiveram este modelo porque os trabalhadores podem não reagir positivamente à mudança ou sente que há benefícios reais?

Definitivamente vemos benefícios em ser híbrido. Ouvimos os nossos trabalhadores e tentamos entender quais as suas prioridades. E a flexibilidade é uma prioridade. Todos tivemos mais flexibilidade durante o confinamento imposto pela pandemia e aprendemos que poderíamos ser produtivos e eficientes, mesmo não necessariamente a trabalhar no mesmo local o tempo todo. Vários dos nossos trabalhadores descobriram que trabalham melhor num ambiente flexível, onde têm mais controlo sobre como e onde trabalham. Confio nos nossos trabalhadores para identificar formas de trabalhar com mais eficiência. E vemos alguns dos benefícios do trabalho híbrido. O nosso ritmo de inovação acelerou nos últimos três anos. Produzimos mais produtos e serviços novos do que no período anterior [à pandemia].

A inovação foi uma das coisas que a Microsoft disse ter sido afetada com as pessoas a trabalhar em casa, em “silos”.

Não há uma maneira perfeita de trabalhar, nem uma forma padrão adequada para todas as funções ou níveis. Pensamos nisto como um conjunto de experiências onde podemos aprender. Acredito que passar um tempo a colaborar presencialmente não só é bom para construir relação, desenvolver cultura e resolver problemas com rapidez e eficácia, é também mais gratificante para muitas pessoas ter relacionamentos com os seus colegas, retirar benefícios de ver e ouvir como os seus clientes se sentem em colaborar presencialmente.

Estamos a criar oportunidades para os nossos trabalhadores fazerem isso através de eventos sociais, reuniões no escritório, workshops e outras coisas. Mas não estamos a exigir que venham ao escritório em determinadas datas e horários. A nossa força de trabalho está distribuída de tal forma que não seria prático. O que dizemos é: ‘trabalhem a partir de onde se sentem mais confortáveis, trabalhem com vossos gestores para determinar quando precisam de estar junto com a equipa e quando podem trabalhar de forma independente.’

Acreditamos que nossos colaboradores sabem quando precisam fazer um tipo de trabalho em que pode ser mais adequado estar em casa, num ambiente tranquilo, ou quando estão a fazer um trabalho estratégico que requer o apoio de outras pessoas, em que pode ser uma melhor escolha fazê-lo presencialmente, mas não necessariamente num escritório. Pode ser num coworking, num café, num banco de um parque. Não importa, desde que estejam a trabalhar com segurança, estejam alinhados com a nossa missão, valores e propósito, e entendam onde as suas responsabilidades se encaixam na nossa estratégia global.

Temos feito muito trabalho para tentar tornar (esta abordagem) visível e clara. Não penso que exista uma resposta perfeita ou certa para todas as empresas. Cada uma tem uma cultura diferente e um conjunto distinto de circunstâncias. Faço parte do board of directors da Estée Lauder, eles têm fábricas, há pessoas que precisam de estar em um laboratório para fazer pesquisas, projetar protótipos para embalagens. Trabalhar em casa não é uma opção. Acho que se deve olhar para cada tipo de trabalho, para o trabalho que as pessoas fazem, para a natureza da equipa e tentar otimizar como seremos capaz de produzir os melhores resultados e construir a melhor cultura. É essa a nossa abordagem.

Como líder, qual tem sido para si o maior desafio?

Adoro estar com minha equipa, e um dos grandes desafios foi termos contratado muitos colaboradores que não conheci durante dois anos, que não me conheciam, que não viram uma manifestação física da nossa marca em nenhum dos nossos hubs, que talvez não sentissem a mesma ligação com a sua liderança e com a empresa. Essa foi para mim uma grande frustração durante o confinamento. Assim, enquanto líder, decidi fazer um esforço significativo para ir ter com as nossas comunidades e ir aos nossos escritórios.

Assumo total responsabilidade por ter de reduzir em 7% a nossa força de trabalho em janeiro, mas aproveitamos esse exercício como uma oportunidade para reestruturar o negócio de tal forma que acreditamos poder sustentar os nossos lucros, continuar a melhorar o nosso desempenho enquanto empresa em crescimento, e a oferecer grandes oportunidades para as pessoas.

Com as minhas equipas, trabalhamos para criar eventos como o que vivemos aqui em Lisboa, em que as pessoas do hub tiveram oportunidade de se conhecer melhor, de fazer-me perguntas e eu a possibilidade de aprender com elas sobre o que estão a trabalhar, os seus interesses e o que é importante para eles. Não posso fazer isto todos os dias, mas gosto de estar pessoalmente com os colaboradores e clientes. Depois, quando já estabelecemos esses relacionamentos, podes ser superprodutivo a trabalhar por telefone ou pelo Zoom. Com a minha equipa de reporte direto, muitas vezes opto por telefonar e fazemos uma reunião enquanto caminhamos — não preciso de vê-los no Zoom, trabalho com eles há anos — e, às vezes, algo em que estamos a trabalhar pode exigir uma conversa presencial.

Tento não ter reuniões às sextas-feiras, e é nesses dias que escrevo muito, leio, pesquiso, faço muitos check-ins não agendados com clientes e trabalhadores, envio-lhes mensagens ou ligo-lhes apenas para saber como estão. Depois há dias, como o de hoje, em que estarei em reuniões consecutivas.

Desde o ano passado tem havido grandes mudanças no setor tecnológico. Muitos lay-offs. A PagerDuty anunciou no arranque do ano o corte de 7% da força de trabalho global. Toda a reestruturação está feita?

Passamos os dois últimos anos a promover uma série de iniciativas estratégicas para levar a empresa aos lucros, para demonstrar que podemos continuar a melhorar a eficiência e as margens operacionais. Temos falado sobre isso todos os trimestres na apresentação de contas. A macroeconomia continua incerta, mas acho que estamos agora melhor preparados para essa volatilidade do que quando fomos atingidos pela pandemia ou durante a “Grande Demissão”. Houve uma série de micro crises, resultantes da crise macro, às quais todas as empresas tiveram de se adaptar. Acho que nos adaptamos bem.

Assumo total responsabilidade por ter que reduzir em 7% a nossa força de trabalho em janeiro, mas aproveitamos esse exercício como uma oportunidade para reestruturar o negócio de tal forma que acreditamos poder sustentar os nossos lucros, continuar a melhorar o nosso desempenho enquanto empresa em crescimento, e a oferecer grandes oportunidades para as pessoas. Estamos agora numa posição forte e isso deve-se em grande parte ao excelente trabalho dos nossos trabalhadores.

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