
O euro digital
A pegada digital é um dos maiores produtores de dados pessoais e ninguém aceitaria que o euro digital fosse um meio de vigilância dos cidadãos.
No dia 18 de junho, a Comissão Europeia divulgou a proposta de Regulamento relativo à criação de um euro digital. A fase de investigação do “euro digital” foi lançada pelo BCE em meados de 2021 e caminha a passos largos para o fim, seguindo-se, tudo leva a prever, a fase de realização. Espera-se, assim, para setembro de 2023, uma decisão de emitir o euro digital. Este projeto não é isolado: no plano mundial mais de uma centena de bancos centrais têm planos em matéria de central bank digital currency (CBDC).
Uma CBDC é dinheiro digital emitido pelo banco central, denominado na unidade de conta nacional, e que representa um passivo, uma responsabilidade, do banco central, como sucede com o numerário Uma CBDC é diferente do dinheiro escritural de bancos comerciais, e das operações de pagamento sobre esse dinheiro, como transferências de crédito, débitos diretos, pagamentos com cartão e e-money, que são responsabilidade de instituições privadas.
Na proposta RED, o euro digital é justificado pela necessidade de dar resposta às necessidades de uma economia em rápida digitalização. Moedas e notas não servem para fazer pagamentos online, estando estes dependentes do dinheiro de banco comercial. A aceitabilidade e fungibilidade da moeda de banco comercial depende da convertibilidade paritária em moeda de banco central com curso legal. Esta, assim chamada, “âncora monetária” poderia estar em crise numa economia com cada vez menos espaço para dinheiro e pagamentos “físicos”.
O mundo cripto introduziu no léxico jurídico a expressão smart contracts para referir contratos traduzidos em linguagem informática que permitem a execução automática de pagamentos com criptoativos em face de eventos previamente definidos no código. Esta programação, em especial através da capacidade de combinação entre componentes (composability), permitiu automatizar, funcionalidades que mimetizaram complexos esquemas financeiros pré-existentes – nasceu o conceito de Defi, ou decentralized finance. Programabilidade, composability, e tokenização não são específicos do mundo cripto, e nada impede que possam ser construídos, como uma segunda camada, no topo de CBDCs, rápidos sistemas de pagamentos e arquitetura associada. Esta é uma área em que o euro digital e o papel dos intermediários mais parecem prometer: estão em causa serviços avançados sobre o euro digital que cabe aos prestadores de serviços de pagamentos desenvolver. Nesta matéria é, no entanto, fundamental diferenciar o que é moeda programável do que são pagamentos programáveis conforme se dispõe no artigo 24.º da proposta RED. O euro digital não será programável, mas caberá aos intermediários responsáveis pela sua distribuição oferecer aos utilizadores as soluções de pagamentos programáveis, modelando os casos de uso e a sua complexidade. A infraestrutura de back-end do euro digital deve ser concebida by design para que os intermediários possam complementá-la com soluções de pagamentos condicionais.
Tema sensível é o da privacidade. A pegada digital é um dos maiores produtores de dados pessoais e ninguém aceitaria que o euro digital fosse um meio de vigilância dos cidadãos. O capítulo VIII da proposta RED dedica-se, nesse âmbito, ao tema da privacidade e proteção de dados, estabelecendo as responsabilidades e limitações quanto aos fundamentos, tipos de tratamento e dados admissíveis.
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