Da tecnologia à multidisciplinaridade, estes são os desafios das firmas de advogados

Seis líderes de escritórios de advogados partilharam quais são os três principais desafios do setor. Da IA até à retenção de talento e multidisciplinaridade ,vários são os desafios das firmas.

Todos os anos no setor da advocacia surgem novos desafios. Uns que se superam a curto prazo, dada a sua simplicidade, enquanto outros a longo prazo. Ainda assim, a realidade é que os escritórios de advogados têm de se adaptar ou até reinventar para não ficarem “atrás” dos outros players do mercado.

A Advocatus questionou seis líderes de firmas de advogados sobre quais são os três principais desafios do setor. As respostas vão desde a Inteligência Artificial (IA) e da transformação digital até à retenção de talento e multidisciplinaridade, mas há desafios que são percecionados por vários escritórios.

Atrair e reter talento

A retenção de talento foi o desafio mais apontado pelos escritórios – Andersen, Antas da Cunha Ecija, Cerejeira Namora, Marinho Falcão (CNMF), pbbr e PLMJ. O managing partner da PLMJ, Bruno Ferreira acredita que este é um desafio “transversal” e “estrutural” e que não existe uma “receita milagrosa”.

“O mundo mudou e temos de ser capazes de proporcionar, ao longo da carreira, quase uma proposta de vida que concilie aspirações pessoais e profissionais, inovação na forma de trabalhar, flexibilidade, experiências enriquecedoras, trabalho interessante e, claro, remunerações atrativas. Não existe uma receita milagrosa que garanta que estamos constantemente a acertar em todas estas dimensões, mas é certamente um tema que nos ocupa continuamente e onde procuramos, constantemente, dar as melhores respostas”, disse.

Também Nuno Cerejeira Namora, sócio fundador da CNMF, sublinhou que esta é uma tarefa cada vez “mais complexa”. Segundo o advogado, para além de exigir uma implementação de políticas salariais progressivas, exige também um compromisso “claro” em oferecer outros benefícios. “Esses benefícios podem incluir planos de carreira estruturados, formação contínua, programas de bem-estar e equilíbrio entre vida profissional e pessoal”, acrescentou.

Fernando Antas da Cunha, managing partner da Antas da Cunha Ecija, admite mesmo que em 20 anos nunca foi tão difícil reter talento e apontou quatro razões. A primeira prende-se com a dimensão de mercado que tem vindo a aumentar “substancialmente” na última década. Outra das razões é o aumento da concorrência entre os escritórios nacionais.

“Neste momento a concorrência passou a vir, igualmente, do estrangeiro, ou seja, as sociedades internacionais de advogados, já se encontram a recrutar em Portugal. Naturalmente que o perfil de advogados que procuram assentam, fundamentalmente, nas áreas transacionais, mas passou a ser um novo dado”, apontou como terceiro aspeto.

Por fim, Fernando Antas da Cunha notou a permanente necessidade que os advogados têm de ter uma “maior visibilidade sobre o plano de carreira e o que deles esperamos”.

Pedro Pinto, sócio da pbbr, acredita também que quem puder apresentar-se perante o mercado com pessoas com “talento”, “criatividade” e com o extra dos avanços tecnológicos estará mais bem preparado para um ambiente cada vez mais competitivo.

“Para isso é preciso recrutar talento, mas sobretudo mantê-lo dentro de portas. O que passa certamente por ser competitivo em termos remuneratórios, mas também por criar as condições para as pessoas se identificarem com o escritório. Isso implica cuidado na gestão de pessoas, das suas expectativas, atenção ao exigente equilíbrio entre vida profissional, pessoal e familiar”, disse.

Nuno Cerejeira Namora considera ainda a preservação da identidade corporativa como um desafio, pois defende que é “inegável” que o fosso geracional entre os fundadores e os novos profissionais coloca desafios interessantes.

“Isso ocorre porque há dificuldade em transmitir a mensagem e os princípios que estiveram na base da fundação da organização, de forma a assegurar a sua continuidade. A preservação da identidade corporativa é fundamental para manter a coesão, os valores e a cultura de uma sociedade de advogados ao longo do tempo, sendo trave-mestra comum a todas as entidades no setor dos serviços”, acrescentou.

Da IA à transição tecnológica

Um dos desafios mais apontados também por muitos escritórios foi o da Inteligência Artificial.Acreditamos que a chegada da Inteligência Artificial ao setor terá um enorme impacto que deverá ser devidamente ponderado e acautelado. Deveremos aprender com alguns dos erros cometidos com o crescimento exponencial das redes sociais, conciliando a utilização das novas tecnologias com a ética da profissão, responsabilidade civil profissional, propriedade intelectual e proteção de dados”, explicou José Mota Soares, sócio e líder da Andersen em Portugal.

Também o sócio da pbbr, Pedro Pinto, apontou a incorporação da IA na profissão e na organização das firmas como um desafio “crucial”. Assim, acredita ser essencial que os advogados e os escritórios estejam “totalmente disponíveis” para tudo o que a IA pode “aportar à profissão”.

Ter uma sociedade de advogados com a “última arte” em termos de IA, mas ser péssimo no recrutamento e sobretudo na retenção de talento, é criar instituições sem alma. Procura reter talento sem ter o que de melhor se faz em termos de IA, para a prática da profissão e na gestão da organização, será provavelmente um desafio falhado”, garante Pedro Pinto.

Já Bruno Ferreira sublinhou que acelerar a transformação digital e preparar para o desafio da incorporação da IA na atividade, de forma a “maximizar eficiência e reter valor acrescentado”, são dois grandes temas no radar do setor e da profissão.

Não é um desafio fácil mas é obrigatório endereçá-lo e preparar as equipas, seja os advogados, seja a equipa de gestão para a adoção de tecnologias e ferramentas que nos permitam extrair todo o potencial deste novo paradigma. Na PLMJ, estamos a olhar para o tema com um mix de curiosidade, ansiedade produtiva e procura da melhor forma de incorporarmos a tecnologia, assegurando que ela nos permite aportar ainda maior qualidade ao que entregamos aos nossos clientes”, assegurou o managing partner.

Inês Sequeira Mendes, managing partner da Abreu Advogados, apontou a tecnologia como um desafio e afirmou que a revolução tecnológica que assistimos em curso acelerado “tocará a todos” e “influenciará todas as profissões”.

“A transição digital é uma das principais prioridades políticas europeias e, ainda que assim não fosse, a realidade impor-no-la-ia, temos que estar preparados para ela. A advocacia é feita por pessoas e não pode perder o de vista o seu fim último que é o de servir pessoas e os seus projetos, prestando-lhes os melhores serviços jurídicos possíveis; mas, também por isso, não pode ignorar o mundo em que se insere e não se dotar das ferramentas técnicas de que pode dispor para desempenhar melhor a sua missão”, notou.

A managing partner da Abreu sublinhou ainda que as tecnologias fazem e farão parte do dia-a-dia das firmas de advogados e a rapidez com que se vêm desenvolvendo coloca questões jurídicas e éticas de que “não poderemos alhear-nos”.

Outro dos desafios apontados por Inês Sequeira Mendes prende-se com a cibersegurança e proteção de dados. Segundo a líder da Abreu, a digitalização, o trabalho em rede, a desmaterialização de documentos, de ferramentas e de procedimentos trouxeram consigo o risco da sua apropriação, divulgação e destruição indevidas.

“Como quase tudo o que é obra humana, também estas tecnologias e instrumentos têm uma dupla face e podem ser usados para fins ilegítimos. Hoje as principais barreiras não são físicas e boa parte das lutas travam-se atrás de ecrãs”, considerou.

Da multidisciplinaridade ao ESG

A porta de entrada a outras profissões no setor da advocacia já foi aberta em Portugal, ainda que não se conheça, para já, os moldes em que essa integração vai ser feita. Ainda assim, Nuno Cerejeira Namora apontou a multidisciplinaridade como um dos desafios do setor.

As sociedades de advogados precisam lidar com obstáculos éticos e regulamentares ao atuarem em diversas áreas do direito, além de atenderem às crescentes exigências do mercado nesse sentido. A capacidade de fornecer serviços jurídicos em diversas áreas de especialização é essencial para se manterem competitivas e relevantes no mercado atual”, disse o sócio fundador da CNMF.

Para Nuno Cerejeira Namora, as firmas de advogados devem estar “abertas” à adaptação, inovação e flexibilidade. O sócio considera que é importante que “explorem constantemente melhorias nas suas práticas de gestão”, que “apostem na formação e no desenvolvimento dos seus profissionais”, e que “promovam uma cultura organizacional que valorize a colaboração e a diversidade de conhecimentos e competências”.

“Além disso, é fundamental acompanhar as mudanças legislativas e tecnológicas que impactam o setor jurídico e que podem criar novas oportunidades ou desafios”, acrescentou.

Já Fernando Antas da Cunha apontou a transformação do modelo de negócio como um dos desafios do setor, uma vez que o que os clientes esperam deles torna “particularmente exigente” os anos que se seguem.

Hoje não é suficiente estarmos organizados ao nível de áreas de prática. Hoje temos necessidade de trabalhar com equipas de projetos, com diferentes perfis e com diferentes especializações da qual, têm de fazer parte, não apenas advogados. Os tempos de resposta que nos exigem, agregado à pressão sobre o valor dos honorários, obriga a que tenhamos de implementar ferramentas de ganho de eficiência em várias dimensões”, disse.

O managing partner da Antas da Cunha Ecija assegurou ainda que atualmente os escritórios em geral cada vez mais se organizam como empresas, com departamentos altamente profissionais ao nível da gestão, da tecnologia, dos recursos humanos, da comunicação e marketing, entre outros.

Outro dos desafios apontados por Fernando Antas da Cunha foi a concentração que advém do crescimento do investimento estrangeiro em Portugal e do facto de cada vez mais empresas instalarem-se em Portugal. “Estamos convencidos de que a tendência para o crescimento dos principais escritórios em Portugal manter-se-á”, garantiu.

“O desafio de procurar integrações de equipas, de existirem fusões de escritórios, torna-se quase inevitável. Sem prejuízo, apesar dessa necessidade, não poderão ser descurados valores como, cultura, qualidade, espírito de equipa”, acrescentou o líder.

Já José Mota Soares, sócio da Andersen, acredita que as políticas de ESG (Environmental, Social and Governance) são um desafio.Desenvolver uma cultura ESG, garantido políticas e regras de responsabilidade social, transparência e ética na gestão, e permanente preocupação ambiental”, disse.

ESG

Por fim, Inês Sequeira Mendes destacou como um desafio para o setor a incerteza no panorama geopolítico internacional. A líder da Abreu Advogados recordou que depois de uma pandemia, que fez com que repensassem o próprio contacto humano e a forma de operar enquanto sociedades de advogados e agentes da justiça, deparamo-nos com um conflito militar.

“Sem fim à vista, e com consequências diretas na economia global, esta incerteza permeada de ansiedade não ajuda quem queira criar ou expandir o seu negócio. Esta realidade, de maior cautela e expectativa reflete-se nas prioridades e nas decisões dos clientes e as sociedades têm de estar preparadas para lhes dar resposta. Do resultado da guerra decorrerá uma nova correlação de forças entre as principais potências mundiais e não é garantido que esta traga consigo maior abertura, mais trocas comerciais e maior segurança global”, explicou.

Mudança de estatutos

E será que a alteração dos estatutos e recentes alterações no regime da Ordem dos Advogados vêm alterar estes desafios do setor? À Advocatus, os escritórios consideram que de um modo geral não, ainda assim há exceções.

Bruno Ferreira afirmou que os desafios não se alteram, uma vez que o tipo de atividade que desempenham e a natureza do trabalho que desenvolvem e ainda a exigência do tipo de cliente já os obriga a ter processos internos muito exigentes e uma organização interna robusta.

Por outro lado, Nuno Cerejeira Namora considera que com a mudança dos estatutos, em especial com a introdução das sociedades multidisciplinares, a preservação das garantias basilares no plano ético e deontológico da profissão enfrentará ainda mais desafios.

“De todo o modo, as crescentes exigências do mercado cada vez mais implicam conhecimentos e serviços de diversas áreas de saber, nomeadamente aliando o plano jurídico, à consultoria, à contabilidade e à tecnologia. Mesmo que com justificados receios de compatibilização de garantias deontológicas, o caminho nunca poderá ser o de não enfrentar o desafio. É importante alcançar-se um enquadramento estatutário que permita preservar o papel do advogado e da relação com o cliente, mas que responda igualmente às necessidades do mercado”, referiu.

Sociedades Multidisciplinares

Também José Mota Soares considerou a multidisciplinaridade “inevitável” mas era preciso “debater” o tema. “A introdução das sociedades multidisciplinares na advocacia era inevitável e parece-nos salutar. Devem, naturalmente, ser criados mecanismos de controle que permitam, nomeadamente, acautelar e garantir a relação existente entre os profissionais dessas sociedades, a estrutura de capital e controlo da administração por advogados, a proteção do segredo profissional , a livre escolha do advogado, a prevenção de conflitos de interesses, assegurando sempre o cumprimento das regras deontológicas da profissão”, notou.

Para o sócio da Andersen, as recentes alterações legislativas não foram “suficientemente debatidas”, podendo vir a “descaracterizar” a essência das sociedades de advogados que passa pela sua independência e total compromisso com os clientes.

Também Inês Sequeira Mendes acredita que estas alterações irão acarretar outros riscos e deveriam ter sido objeto de uma “maior ponderação” e “maturação” e, sobretudo, ter-se traduzido em melhorias concretas para o exercício da justiça em Portugal, que tanto carece delas.

“Alguns decisores políticos, à escala portuguesa e europeia, parecem esquecer-se que a advocacia não é apenas mais uma profissão e que, por isso, não pode merecer um tratamento que esqueça essa circunstância. Somos agentes da justiça e merecemos, muito justamente, proteção constitucional. Sem advogados não há Estado de Direito. Não enjeito as mudanças: estas fazem parte da vida em todos os aspetos, mas gostaria que estas fossem justas, adequadas e proporcionais aos valores sociais que estão em causa”, sublinhou.

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