China, BCE e energia. Economia alemã tropeça e recuperação não depende só do país
Os sinais não são animadores para a Alemanha, onde a indústria que era a "galinha dos ovos de ouro" se vê a braços com a escassez de chips e o arrefecimento da economia.
De motor da economia a “doente” da Europa? Muita tinta tem corrido sobre a economia da Alemanha, que depois de vários anos a ser vista como o foco de poder na Europa tem mostrado sinais de enfraquecimento da economia, desde a produção industrial aos serviços. Os economistas ouvidos pelo ECO notam que ainda existe muita incerteza quanto à evolução da economia e da inflação, mas muito vai depender da eficácia da política monetária e também da recuperação na China.
A economia alemã entrou em recessão técnica no início do ano (com dois trimestres consecutivos de contração do PIB) mas conseguiu escapar no 2º trimestre, ainda que tenha estagnado. O seu estado pode agora ser descrito como uma “slowsession“, entre abrandamento e recessão, como diz Carsten Brzeski, analista no banco ING.
É o que chamam a twilight zone, sem subir nem cair, ficando atrás da média da Zona Euro e também dos EUA, onde o banco central começou a atuar mais cedo. Os olhos estão agora postos no terceiro trimestre, sendo ainda incerto qual será a dinâmica da política monetária e o impacto nas economias europeias.
O que tem motivado este comportamento da economia alemã, cujo crescimento trimestral tem ficado abaixo da Zona Euro e dos EUA? Desde problemas na pandemia, escassez de materiais como os chips, à guerra na Ucrânia e subida dos preços da energia, passando ainda pelo abrandamento da China e dos EUA, grandes clientes, a Alemanha tem enfrentado vários obstáculos.
A produção industrial é o grande impulsionador da economia alemã e tem-se ressentido por vários fatores, deixando assim nas mãos do setor dos serviços a tarefa de manter a atividade à tona. Este indicador recuou 1,3% em junho, depois de já ter caído 0,2% em maio, enquanto as exportações estagnaram.
“Para a indústria, o último ano foi muito difícil”, nota Niclas Pointiers, investigador do instituto Bruegel, ao ECO. As empresas tiveram de lidar com a “reverberação da crise da energia”, sendo que o país e também muitos setores são dependentes do gás natural, nomeadamente da Rússia.
Após o choque na energia, os preços começaram a estabilizar mas “os clientes fazem investimentos bastante baixos, nomeadamente com a política monetária, que avançou com um grande aumento nas taxas de juros para controlar a inflação e baixar a temperatura da economia”, sinaliza o economista. “Isto significa que há menos procura e também menor disposição das empresas em investir”, acrescenta.
Além disso, o ambiente internacional também foi um fator a pesar na economia alemã, nomeadamente a “desaceleração do crescimento na China, o que tem implicações importantes para as empresas na Alemanha que exportam para a China”. “Todas estas coisas juntas significam que a economia alemã não está num estado particularmente bom neste momento e experimenta um abrandamento da atividade económica”, diz.
Choque temporário ou estrutural?
Ora se este abrandamento é temporário ou não, é incerto, mas os dados mais recentes não são animadores. O índice dos gestores de compras (PMI, no original em inglês) composto da Alemanha caiu para 44,7 em agosto, uma queda mais acentuada do que o esperado e que foi a maior desde o rescaldo da pandemia, em maio de 2020. Ainda que a manufatura tenha subido ligeiramente, continua abaixo dos 50 pontos, ou seja, em contração.
Já os serviços sofreram uma queda, sendo que era este setor que estava a apoiar a indústria, ressentida após os problemas na cadeia de fornecimentos e a guerra na Ucrânia.
Para João Lampreia, estrategista chefe do Banco BiG, “a Alemanha já está em recessão, há muitos países no limite da recessão e os PMI mostram a tendência macro a deteriorar-se”, nota, ao ECO. “O comboio está a deslizar para fora do carril“, vaticina, sendo que para o BCE, setembro será “a última hipótese para subir taxas de juro”, porque depois o “quadro macro sombrio já vai ser dominante”.
As únicas economias “que não estão em recessão são as que estão ligadas ao turismo”, nota, ainda que os números nem sempre mostrem a realidade dentro do país. Em Portugal, por exemplo, os portugueses “são dos mais afetados ao nível desta crise”, nomeadamente devido ao elevado número de créditos à habitação com taxa variável.
Na Alemanha, as “indústrias dos automóveis, químicos e fornecimentos industriais, tudo o que é manufatura está muito penalizado“, nota. E agora, observa-se um “catch up dos serviços em relação à manufatura, que já está em recessão há um ano”. Assim, as economias mais ligadas à manufatura, como é o caso da alemã, “estão em recessão há mais tempo”.
Além disso, o país sente também o impacto da situação económica da China, onde a “deflação está a materializar-se e as exportações estão em colapso”. As exportações da Alemanha para a China foram de 113,38 mil milhões de dólares durante 2022, de acordo com a base de dados das Nações Unidas.
Quanto aos timings deste abrandamento, João Lampreia aponta que “quanto mais tempo demorar a entrar na recessão pior é”. Na perspetiva dos ativos de risco, existe ainda alguma “negação”, diz, apontando que “quanto mais rapidamente as pessoas aceitarem mais facilmente podemos sair da crise”.
O analista da Allianz Stefan Hofrichter também defende que, apesar dos efeitos negativos, “uma recessão pode ser inevitável – e necessária – para ajudar as principais economias a reiniciarem-se após as repercussões persistentes da pandemia de Covid-19 e da guerra na Ucrânia”. Isto já que “pode oferecer potenciais pontos de entrada para os investidores à medida que as avaliações dos mercados acionistas se ajustam e as economias começam a recuperar”.
Por outro lado, Niclas Pointiers defende que “há ainda muita incerteza e os fundamentais da Alemanha são fortes”. Vai depender muito de questões como o que acontece na economia chinesa e como evoluem as guerras comerciais, bem como “quão rápido se consegue controlar a inflação e o banco central parar a política restritiva”.
“A médio prazo, se olharmos para as previsões, a meio desta década as coisas podem melhorar”, aponta, afirmando-se ligeiramente otimista porque a inflação já “baixou bastante”. Mas a evolução é sempre incerta, até por eventos extraordinários como foi a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Alemanha pesa na Europa mas pode aproveitar investimentos do PRR para reformas
Os resultados da Alemanha acabam por penalizar a Europa, enquanto antes impulsionavam a economia do bloco. “A pressão descendente sobre a economia da zona euro em agosto provém principalmente do setor dos serviços alemães, que passaram do crescimento para a contração a um ritmo invulgar. No setor industrial, as empresas alemãs estão a reduzir a sua produção a um ritmo muito mais rápido que os franceses”, defende Cyrus de la Rubia, economista-chefe do Hamburg Commercial Bank, numa nota em reação ao PMI. “Isto apenas alimentará a discussão de que a Alemanha é o homem doente da Europa”, acrescenta.
Niclas Pointiers também salienta que “a Alemanha é uma parte bastante focal da Europa, especialmente do cenário industrial, sendo que muitas empresas na economia europeia estão bastante integradas com a grande indústria industria alemã”. “E o que vemos na Alemanha é basicamente também indicativo do que veremos noutros países, em menor grau”, admite, até porque “se a economia alemã estiver pior isso significa menor procura por parte de empresas alemãs que compravam a outras”.
Apesar do impacto, que existe, o especialista do Bruegel sinaliza que “alguns dos problemas da Alemanha são particularmente ‘alemães’, como a exportação para fora da UE, sendo das economias com mais exposição à China”. Além disso, “era mais dependente de gás natural” do que outros países europeus, pelo que a crise de energia foi “maior do que seria em França ou Espanha”.
Exportações de bens estagnam após volatilidade
Para combater estes problemas, há muitos que apelam para que se façam reformas estruturais, à semelhança da última vez que a Alemanha foi apelidada o “doente” da Europa, no entanto a coligação de três partidos não é o cenário ideal de consenso. Existe também um debate sobre se o Governo “devia subsidiar eletricidade e a indústria”, sendo que através da política orçamental pode querer estimular economia. No entanto, não se pode esquecer que “o objetivo da política monetária é arrefecer a economia”, pelo que deve existir um equilíbrio, argumenta o economista.
Pointiers não se diz apologista de subsídios, defendendo ao invés que “há investimentos que a Alemanha podia estar a aplicar, em melhores infraestruturas e também para ajudar as indústrias a entrar num caminho mais verde”. Estes investimentos verdes estão também a ser impulsionados pelo Plano de Recuperação e Resiliência, através da bazuca europeia. Apesar da Alemanha poder pagar os investimentos ela própria, acaba por ser uma forma de facilitar a direção e foco nestes objetivos, aponta.
Certo é que medidas para serem executadas a longo prazo já não vão a tempo de “salvar” o ano, sendo que a maioria das previsões são pessimistas, apontando ou para uma contração ligeira ou para estagnação na economia alemã. O FMI perspetiva, na análise de julho, uma contração de 0,3% em 2023 e crescimento de 1,3% em 2024. Já a OCDE estima uma estagnação, segundo as previsões do Economic Outlook de junho, e uma recuperação em 2024, ao crescer 1,3%.
A Comissão Europeia ainda previa um crescimento da economia alemã de 0,2% este ano, mas as estimativas foram divulgadas ainda em maio. Deverão ser atualizadas em setembro. Já o Bundesbank prevê uma contração de 0,3% este ano, segundo as projeções de junho, enquanto o instituto Ifo é o mais pessimista e estima uma queda de 0,4%. A CFO do Commerzbank também já disse que espera uma “recessão leve”, em declarações à CNBC.
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