Reduzir dívida ou impostos? São “escolhas políticas”, mas é preciso incentivar crescimento económico
Governo vai ter excedente este ano e no próximo e opiniões sobre onde aplicar "folga" dividem-se. Rácio da dívida pública está a reduzir-se e para continuar trajetória é preciso crescimento económico.
O ano vai terminar com um excedente orçamental e o Governo decidiu avançar com uma redução do IRS de 1.300 milhões de euros, enquanto também anuncia que a dívida pública vai ficar abaixo de 100% do PIB em 2024. Mas há quem argumente que havia espaço para mais consolidação tendo em conta o nível de dívida do país, que em termos absolutos já supera os 280 mil milhões de euros. Para reduzir a dívida devem-se incentivar políticas estruturais para o crescimento, sendo que os economistas ouvidos pelo ECO defendem também uma avaliação do Estado para obter ganhos de eficiência.
Segundo a proposta de Orçamento do Estado para 2024, este ano será registado um excedente orçamental de 0,8% do PIB, que recua para 0,2% no próximo. Com este resultado, há partidos que apontam que há margem de manobra para outras políticas, mas nem todos concordam. Mário Centeno, por exemplo, já salientou várias vezes que não entende o conceito de folga orçamental com o nível de dívida que o país tem, mesmo com o rácio a cair.
“É preciso ter alguma cautela quando se usam expressões como folgas e com dar saltos em frente em medidas que nos podemos vir a arrepender“, alertou na apresentação do boletim económico de outubro. “Quando há um choque inflacionista inesperado, quem tem dívida fica sempre a ganhar. É o momento mais fácil de fazer reduzir a dívida em percentagem do PIB – porque vai ter um impacto direto no denominador, o rácio cai”, salientou. Por outro lado, em termos nominais o cenário não é o mesmo.
Redução de impostos ou da dívida? São “escolhas políticas”
O facto é que existiu uma receita extraordinária a entrar nos cofres do Estado, em virtude da inflação e também do dinamismo do mercado de trabalho, colocando-se a questão de como aplicar estes valores. As respostas mais comuns centram-se num corte de impostos e na redução da dívida, mas no fundo, são “escolhas políticas”, como resume Susana Peralta ao ECO.
O executivo “tinha prometido já no ano passado que ia ter trajetória de redução e faz parte do contrato implícito entre o Governo e as pessoas”, nota, sendo que “podíamos sempre imaginar não descer os impostos e reduzir mais a dívida“. Mas o “exercício orçamental é iminentemente político, desde que respeite a sustentabilidade das contas”, destaca.
Neste Orçamento, a sustentabilidade parece assegurada, com a previsão de excedentes para este ano e o próximo, o que para o ex-ministro João Leão é sensato. “No contexto atual de aumento taxas de juro e dos desafios demográficos que nós temos, com a dívida pública tão elevada, apesar de ter baixado bastante, seria desadequado com o mercado de trabalho e a economia ainda numa situação muito positiva passarmos para uma situação claramente deficitária“, diz João Leão em entrevista ao ECO, que será publicada na íntegra esta segunda-feira.
O economista Pedro Brinca também destaca que “é sempre possível ir mais além, a questão é onde se vai buscar o dinheiro”. Como para qualquer movimento nas contas orçamentais, ou se aumentava a receita ou se diminuía a despesa. O professor da Nova SBE salienta ao ECO que a solução poderia passar então pela “racionalização e eficiência do Estado”, defendendo que “era importante perceber se existe duplicação de serviços, ineficiência, concentração de atividades”.
Feito o diagnóstico, poderia ser possível “perceber as margens que existem para libertar recursos”. Uma ideia semelhante é defendida por Susana Peralta, que aponta que podiam existir “ganhos de eficiência com a melhoria de gestão dos serviços públicos”.
Já o ex-ministro Bagão Félix defende que “quando há ganhos anormais do Estado em função sobretudo do aumento da receita fiscal e contributiva, tem que se fazer um mix entre redução fiscal, subsidiação às classes sociais através de apoios sociais – porque 45% das famílias que não pagam IRS e têm de ser beneficiárias – e a desoneração das gerações futuras, através da diminuição da dívida“, no programa Isto é Economia, da RTP. “Esses três pilares devem ser mexidos e considerados”, salienta.
O Governo escolheu como uma das principais bandeiras deste orçamento uma redução do IRS de 1.300 milhões de euros, a par com um reforço do IRS Jovem que custará cerca de 200 milhões de euros. Já a dívida pública chega aos 103% do PIB este ano, enquanto no próximo ano já fica abaixo dos 100%, fixando-se em 98,9%. Ainda que seja um resultado mais positivo que o esperado e a diminuição tenha sido mais pronunciada este ano, a redução do rácio de dívida pública (4,2 pontos percentuais) no próximo ano é mais reduzida do que o previsto no Programa de Estabilidade (4,5 p.p.).
Bagão Félix considera que é positiva esta redução, ainda que note que “a dívida pública em termos nominais aumentou, está perto de 300 mil milhões de euros“. “A inflação favorece os devedores e o Estado é favorecido por um aumento nominal da riqueza criada“, salienta, calculando que “o efeito nos últimos dois anos foi de uma descida de 9% só por efeito do deflator do produto”.
Mesmo assim, a melhora do rácio é positiva também porque “melhora a nossa perceção com os credores e no rating e traduz-se numa venda de dívida por valores melhores em termos de juros”, apontou o ex-ministro.
Segundo o relatório do OE, o Estado vai pagar 7,15 mil milhões de euros só com juros da dívida pública no próximo ano, o que representa um agravamento de 8,6% em relação ao que vai pagar em 2023. Em termos absolutos, trata-se de um aumento de 569 milhões na fatura com o serviço da dívida.
Para continuar a melhorar o rácio, “a solução é crescer e para isso é preciso foco em políticas estruturais que vão ser capazes de aumentar capacidade de portugueses para aumentar valor“, salienta Pedro Brinca. Já outra operação que irá permitir reduzir a dívida é a privatização da TAP, sendo que o encaixe da venda será usado para abater dívida pública.
O Governo decidiu ainda a criação de um fundo de investimentos estruturantes, para o qual o excedente orçamental vai passar a reverter. João Leão diz concordar com esta medida, destacando que “o Governo já indicou que vai investir na própria dívida pública, pelo que não aumenta a dívida pública para efeitos líquidos”.
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