A medida desenhada pelo Governo para baixar a prestação da casa durante dois anos não é livre de encargos. Tem um preço que, no caso das famílias mais vulneráveis, torna-se impossível de contornar.
A moratória do crédito à habitação está quase a chegar. A partir da próxima semana (2 de novembro) e até 31 de março do próximo ano, as famílias com crédito à habitação podem solicitar junto do seu banco a adesão a este apoio proposto pelo Governo para baixar e estabilizar a prestação da casa durante dois anos. No entanto, esta benesse não é oferecida a troco de nada. Tem custos associados.
A nova moratória do crédito à habitação permite fixar a prestação da casa durante 24 meses num montante equivalente a 70% a Euribor a 6 meses. Num empréstimo de 200 mil euros a 30 anos, indexado à Euribor a 6 meses e com um spread de 1%, isso significa passar de uma prestação de 1.086,8 euros para 940,5 euros, segundo a última cotação da taxa Euribor a 6 meses (4,11%).
Neste caso, a moratória é uma espécie de “balão de oxigénio” de 146,3 euros (1.086,8 euros menos 940,5 euros) que se enche todos os meses durante dois anos. Porém, este montante não se traduz numa poupança para as famílias, porque não está em causa um perdão da dívida por parte do banco nem tão pouco uma oferta do Estado. A almofada financeira gerada pela moratória nos dois primeiros anos trata-se apenas do adiamento do pagamento dessa dívida para mais tarde, com uma agravante para a carteira das famílias.
A moratória traduz bem o princípio de que “não há almoços grátis”. Isto acontece porque a moratória não é uma medida de apoio a “fundo perdido”, mas uma medida atuarialmente neutra para bancos e famílias.
Segundo o diploma da moratória, que foi publicado a 11 de outubro, o montante do capital diferido do empréstimo da casa terá de ser pago no futuro acrescido de juros. Desta forma, o capital que fica por pagar nos dois primeiros anos da moratória será adicionado ao montante em dívida do empréstimo no quarto ano após o término da fixação da prestação, capitalizado à taxa de juro aplicada ao contrato, caso o mutuário não tivesse aderido à moratória. É o custo para garantir alguma liquidez no presente.
Isto significa que, ao aderir à moratória, além de ter de devolver no futuro o dinheiro que deixou de pagar no presente (nos dois primeiros anos), terá ainda de pagar os juros associados ao diferimento desse capital.
Tomando como referência as características do crédito à habitação do nosso exemplo, e assumindo que a taxa Euribor a 6 meses se mantém inalterada ao longo dos seis anos da moratória, significa que o capital que será adicionado ao montante em dívida do contrato no quarto ano após o término da fixação da prestação não será de 3.511 euros (146,3 euros vezes 24 meses), mas 4.541,7 euros. Cerca de 29,4% mais. Mas as contas não se esgotam aqui.
Se, por um lado, a moratória terá um acréscimo de 4.541,7 euros de amortização de capital, por outro, também haverá um aumento da fatura dos juros em quase 7 mil euros porque, durante os dois primeiros anos da moratória, amortizará menos capital caso tivesse mantido as condições iniciais contratuais. Tudo somado, e assumindo também que a taxa de juro se mantém inalterada nos 4,11% ao longo de toda a vida do empréstimo, significa que, ao fim dos 30 anos do contrato do crédito à habitação, a adesão à moratória custará mais 11.521 euros (cerca de 2,94%) face à opção de nada fazer, de acordo com cálculos do ECO.
A moratória tem assim um preço a pagar, que será tanto maior (face à não adesão à moratória) quanto mais prenunciada for a queda da taxa de juro no futuro. Por exemplo, se nos próximos dois anos a taxa Euribor a 6 meses tiver um comportamento semelhante ao projetado pelo mercado através dos contratos forward rate agreements, passando dos atuais 4,11% para se aproximar dos 3% e depois mantiver esse nível até ao final do contrato, o custo da moratória será de 11.381 euros (mais 3,28%).
A adesão à moratória traduz bem o princípio de que “não há almoços grátis”. Isto acontece porque a moratória não é um apoio a “fundo perdido”, mas uma medida atuarialmente neutra para bancos e famílias. Ou seja: nem os bancos vão perdoar qualquer parte da dívida, nem as famílias pagarão menos pelo crédito à habitação aderindo à moratória.
No entanto, as famílias que não enfrentem problemas de liquidez financeira, poderão encontrar na adesão à moratória uma solução para reduzirem o capital em dívida ao banco. Mas, para isso, necessitam de aliar a moratória a uma estratégia de investimento planeada e nivelada, preferencialmente de baixo risco.
Baixar o capital em dívida com a ajuda do Estado
Tal como o ministro das Finanças anunciou a 21 de setembro, a moratória é amplamente democrática porque pode ser requerida por qualquer agregado familiar com crédito à habitação, desde que o contrato cumpra cinco requisitos:
- Tenha sido celebrado até 15 de março;
- Esteja indexado à taxa variável ou à taxa mista — desde que esteja atualmente no período de taxa variável;
- Apresente um prazo de vencimento de cinco ou mais anos;
- Não esteja em mora ou em incumprimento de prestações pecuniárias;
- E os mutuários não se encontrem numa situação de insolvência.
Para as famílias mais vulneráveis, que hoje enfrentam uma séria dificuldade em pagar a prestação da casa por conta da galopante subida das taxas de juro nos últimos 18 meses, a moratória deve ser encarada como uma solução capaz de resolver a asfixia do orçamento familiar no presente — mesmo que isso signifique um custo no futuro.
Já para as famílias mais folgadas financeiramente, que apesar de terem sentido uma subida significativa do peso da mensalidade do crédito à habitação no seu orçamento, a prestação da casa ainda consome menos de um terço do rendimento disponível do agregado familiar, a moratória pode ser uma solução interessante para baixar a dívida do crédito.
As famílias que não estando numa situação de aflição financeira no presente podem aliar a adesão à moratória com um investimento em Certificados de Aforro, para conseguirem baixar o empréstimo da casa.
Há um mês, quando as linhas gerais desta medida foram apresentadas, a solução mais imediata para baixar a dívida com o crédito à habitação através da moratória seria utilizar o diferencial da prestação atual do empréstimo e a prestação com base em 70% da Euribor a 6 meses nos dois primeiros anos para amortizar o capital. Porém, o diploma publicado a 11 de outubro introduz uma alínea que elimina essa possibilidade, indicando que “o reembolso parcial do crédito é imputado, em primeiro lugar, à amortização do montante diferido a que se refere o artigo anterior.”
Apesar desse revés, as famílias que não estando numa situação de aflição financeira no presente podem aliar a adesão à moratória com um investimento em Certificados de Aforro, para conseguirem baixar o empréstimo da casa.
Para esse efeito, basta aplicarem a “poupança” gerada mensalmente nos dois primeiros anos da moratória na compra de Certificados de Aforro e manterem o investimento nos títulos de dívida do Estado durante os seis anos de vigência da moratória. No final desse período, resgatam os Certificados de Aforro e amortizam o capital diferido, usufruindo também da vantagem de essa operação não acarretar quaisquer custos.
É certo que, com base nas atuais taxas de juro e na taxa de rendibilidade dos Certificados de Aforro, o investimento gerado com os títulos de dívida do Estado não é suficiente para pagar a totalidade do capital diferido da moratória. Porém, cobre uma parte significativa desse montante. Esse “empurrão”, aliado ao efeito da queda dos juros nos primeiros dois anos da moratória, que gera uma maior amortização do capital em dívida, permite uma redução do valor em dívida do crédito à habitação.
Com esta estratégia, e assumindo, por exemplo, um cenário de manutenção da taxa Euribor a 6 meses no nível atual ao longo da vigência do contrato, um empréstimo de 200 mil euros a 30 anos, indexado à Euribor a 6 meses e com um spread e 1%, terá um custo total de 389.936 euros. Trata-se de um valor 0,33% inferior ao custo total de 391.234 euros do mesmo crédito sem adesão à moratória.
No entanto, num cenário de queda de taxas de juro, como antecipa o mercado, este ganho é totalmente eliminado.
Para as famílias com maior margem financeira, a moratória pode até ser vista como uma solução para minguar o montante em dívida da compra da casa, quando aliada com uma estratégia de investimento. Porém, exige alguma disciplina e responsabilidade na escolha e gestão do investimento em questão.
Para os agregados familiares mais vulneráveis, a adesão ou não à moratória não se coloca. É uma situação de último recurso que, mesmo considerando um custo pela sua adesão, é a diferença entre ter margem financeira para pagar as contas do mês ou não.
(Valores atualizados a 2 de outubro com base nos esclarecimentos do Banco de Portugal.)
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