Advogados alertam para dificuldades em fiscalizar compensação do teletrabalho

O Governo ditou que compensação do teletrabalho só está isenta de descontos no caso dos dias passados completamente no regime remoto, mas há advogados que alertam que fiscalização será desafiante.

O Governo decidiu que só nos dias passados completamente em teletrabalho a compensação paga pelas empresas aos trabalhadores está isenta de descontos, mas os advogados alertam que o cumprimento desse requisito pode ser difícil de fiscalizar. Ainda assim, avisam que, se os inspetores do Fisco e da Segurança Social conseguirem detetar situações em que estejam a ser pagos valores sem que esteja a ser cumprido esse ponto, o empregador e o trabalhador terão não só de pagar os impostos e contribuições em falta, como juros.

Desde janeiro de 2022 que a lei do trabalho já prevê que os empregadores devem compensar os seus trabalhadores pelas despesas associadas ao teletrabalho, mas a operacionalização dessa norma estava a ser desafiante, uma vez que se baseava na comparação entre faturas.

Daí que o Parlamento tenha aprovado na primavera deste ano uma alteração ao Código do Trabalho que prevê que o valor dessa compensação pode ser acordado entre as partes, sem que seja preciso apresentar faturas.

Já no final de setembro, o Governo publicou uma portaria que dita que essa compensação está isenta de IRS e de contribuições para a Segurança Social até aos 22 euros mensais (cerca de um euro por dia).

Mas, atenção, para o cálculo dessa compensação livre de descontos só contam “os dias completos de teletrabalho“, isto é, os períodos “não inferiores a um sexto das horas de trabalho semanal” em que o trabalhador tenha exercido as suas funções à distância com recurso a tecnologia de informação e comunicação.

“A verdade é que o cumprimento desses requisitos fica ao critério de boa-fé e do bom senso das partes, pois não será possível fiscalizar ou garantir os mesmos“, avisa, em reação, Maria Luís Guedes de Carvalho, associada sénior da área de laboral da CCA Law, em declarações ao ECO.

No entender desta advogada, haverá mesmo “muitos empregadores” que pagarão os tais 22 euros como compensação das despesas decorrentes do teletrabalho, independentemente de os dias de trabalho remoto serem ou não completos.

No mesmo sentido, Ana Baptista Borges, advogada de Direito do Trabalho da Gómez-Acebo & Pombo, admite ao ECO que a norma que dita que a compensação isenta de descontos só abrange os dias completos de trabalho “é uma das que suscitam dúvidas”. “Este requisito poderá, efetivamente, afigurar-se de difícil execução e fiscalização“, salienta.

E avisa, por outro lado, que a portaria deixa de fora situações em que o trabalhador presta a sua atividade em regime de trabalho híbrido, num esquema de meios dias. “Embora estas situações se possam afigurar mais raras do que as situações em que o trabalhador presta teletrabalho em dias completos, entendo que a portaria deveria ter previsto e destrinçado as duas situações, sob pena de se alcançarem resultados desiguais“, realça.

A advogada dá um exemplo: no caso de um trabalhador que presta teletrabalho dois dias completos por semana e de outro trabalhador que presta teletrabalho quatro manhãs por semana, os limites previstos na portaria serão aplicáveis ao primeiro caso, mas já não ao segundo, “o que não me parece ter justificação”, observa.

Por isso, Ana Baptista Borges, atira: “Se é verdade que parecem ficar de fora da aplicação dos limites estabelecidos na portaria as despesas resultantes de dias não completos de teletrabalho, não será menos verdade que esse escrutínio e fiscalização pode ser complexo“.

No que diz respeito à “duração” dos dias completos previstos na portaria assinada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e pelo secretário de Estado da Segurança Social, Pedro da Quitéria Faria, sócio da Antas da Cunha ECIJA, assinala que existir esse “critério mínimo” da equivalência a um sexto da carga semanal é “relativamente equitativo e justo”, uma vez que, de outra forma, um trabalhador podia estar em teletrabalho durante 30 minutos por dia e pedir uma compensação ao empregador.

“Se um trabalhador recebesse compensação por uma hora de teletrabalho, seguramente não alcançaria qualquer custo a ser compensado ou, se alcançasse, seria muito inferior ao custo do colega que teletrabalha seis horas por dia, por exemplo”, defende. No caso do subsídio de refeição, frisa Pedro da Quitéria Faria, já é aplicada uma lógica semelhante: o pagamento não é devido, quando o período normal de trabalho diário é inferior a cinco horas.

Dificuldades de fiscalização à parte, Nuno Ferreira Morgado, sócio coordenador da área de laboral da PLMJ, faz questão de notar que, se a Autoridade Tributária e a Segurança Social conseguirem mesmo detetar situações em que tenha sido paga uma compensação sem que tenha havido prestação de teletrabalho, as empresas e os trabalhadores “serão obrigados a entregar os impostos e a segurança social devida, acrescidos dos respetivos juros“.

Num outro ponto, em declarações ao ECO, o departamento laboral da RSN Advogados alerta que a lei “continua a não considerar um conjunto importante de custos para o trabalhador, que vão da componente psicossocial à sobrecarga familiar, passando pelo acréscimo de várias despesas, que vão muito além das que a lei considera”.

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