Dos bloqueios nas estradas às campanhas. Afinal, quem financia as ações dos ativistas climáticos?

Só a Climáximo recebeu perto de 30 mil euros em subvenções de uma organização alemã para o financiamento de várias iniciativas, campanhas e ações. Quem são estas ONG?

Os apelos pela ação climática fizeram-se ouvir alto e em bom som, em 2023. Os protestos conduzidos pelos jovens, que começaram por usar as ruas como palco para as manifestações de desagrado, rapidamente escalaram para ações mais disruptivas: desde o encerramento e ocupação de escolas e faculdades de norte a sul, até ao vandalismo de edifícios e arremesso de tintas a dois ministros do Governo. Em todas as ocasiões, o objetivo foi o mesmo: exigir uma economia neutra em carbono até 2030 e o fim dos combustíveis fósseis.

Os jovens são a cara destas intervenções, mas dividem-se em dois grupos: a Greve Climática Estudantil (GCE) – fruto do movimento criado pela sueca e jovem ativista Greta Thunberg, em 2017, altura em que trocou as salas de aula, às sextas-feiras, por greves em frente ao parlamento daquele país – e a Climáximo. Tanto uma como a outra deverão continuar a organizar ações de protesto em 2024. A mais recente ocorreu este mês, com o bloqueio do trânsito na Avenida Engenheiro Duarte Pacheco, em Lisboa, cortando um dos acessos ao túnel no Marquês de Pombal.

Populares tentam retirar os ativistas da Climáximo que bloqueiam o acesso a Lisboa pela A5 durante uma ação de protesto, 14 de dezembro de 2023.MIGUEL A. LOPES/LUSA

Com o escalar dos protestos, escalaram, consequentemente, as punições. Este ano, o número de detenções destes ativistas aumentou, tendo elevado, como resultado, as despesas destas duas organizações. Estas operam com base em doações e angariações de fundos das quais “qualquer pessoa pode contribuir”.

Neste momento nenhuma das nossas ações é financiada por um fundo privado ou partido, nem reportamos a nenhuma entidade externa“, garante fonte oficial do Climáximo. Ao Capital Verde, o grupo de ativistas detalha que os custos de manutenção da associação são cobertos através de uma plataforma de crowdfunding, a OpenCollective, “que permite a angariação transparente de doações para coletivos informais”.

Da mesma forma é concretizado o financiamento da Greve Climática Estudantil. Ao Capital Verde, fonte oficial explica que, através da mesma plataforma, a organização recebe doações, tanto de pessoas singulares como de “fundos internacionais de apoio ao ativismo climático”. No entanto, frisa que “várias ocupações foram ainda quase 100% financiadas por apoiantes”.

“Recebemos donativos através da plataforma, em que qualquer pessoa pode doar. Temos um [fundo] geral para apoio à GCE e por vezes temos outras campanhas de angariação de fundos para objetivos específicos, como para os núcleos de fim ao fóssil ou para multas”, detalha fonte oficial da CGE ao Capital Verde.

Segundo os dados na plataforma, até à redação deste artigo, os ativistas do Climáximo angariaram, desde março 2021, 13.452,06 euros, acumulando um saldo de 2.762,43 euros depois de terem sido desembolsados 10.689,63 euros para o pagamento de despesas correntes, nomeadamente, ações de protesto, transportes, materiais e gestão das páginas web.

Por sua vez, e também por via da OpenCollective, os ativistas da GCE angariaram desde outubro de 2022 428,96 euros, dos quais 249,33 euros foram usados para o pagamento de despesas, as mais recentes referentes a coimas. Atualmente, o saldo da organização na plataforma é de cerca de 180 euros

Mas afinal qual é a origem das doações?

Ao percorrer a lista de donativos de ambas as organizações no OpenCollective, os nomes de vários indivíduos vão compondo a lista de montantes transferidos para os jovens ativistas ao longo dos últimos anos, e que variam consistem em valores mais baixos, na ordem das poucas dezenas de euros. Mas fora da plataforma, as doações assumem outras proporções. E origens.

Guerrila Foundation

Nascida em Berlim, esta associação ativista tem como propósito apoiar aqueles com quem partilha a mesma causa: liderar uma “grande mudança sistémica” em toda a Europa, em conformidade com estratégias que têm o mote de uma transição justa. O apoio, explicam, surge pela via do financiamento.

“Apoiamos movimentos sociais e ações urgentes para tecer uma nova narrativa, passando de uma economia extrativa, trabalho explorador e governação militarista para uma economia viva, com trabalho cooperativo e uma sociedade profundamente democrática que dê prioridade ao bem-estar social e ecológico”, lê-se na página de apresentação da Guerrila Foundation.

Em suma, explicam, concedem apoios para promover o trabalho de movimentos sociais, organizações e ativistas em todo o mundo, desde que estas “mobilizem indivíduos”, procurem concretizar uma “mudança de sistemas” e equilibrar a balança da “justiça social na Europa”. Em sentido contrário, recusam conceder apoios a “organizações religiosas”, “partidos políticos”, “programas governamentais”, “projetos artísticos ou académicos mesmo que estejam relacionados com movimentos sociais” e “projetos sem fins lucrativos com orçamentos anuais superiores a 150 mil euros”.

Relativamente à Greve Climática Estudantil, a Guerrila Foundation concedeu um apoio de 7.500 euros. Este valor, explica a CGE, foi usado para financiar as ocupações de escolas, iniciativa que ocorreu ao longo de 2022 em vários cantos do país.

Por seu turno, a Climáximo recebeu 29 mil euros. O valor terá sido usado para financiar eventos e campanhas organizados pela associação em parceria com outras, como foi o caso do “Acampamento 1.5”. A iniciativa, que decorreu entre 6 e 10 de julho, em Melides, consistiu numa marcha até à refinaria da Galp, em Sines, contando com mais de 140 participantes. Além da marcha, realizaram-se debates e formações. O Acampamento 1.5 teve um custo total de 17.587,32 euros, tendo a Climaximo recebido em donativos 16.502,67 euros. Dos 30 mil euros concedidos pela Guerrila Foundation, 9.000 euros foram usados para financiar a ação, esclarece a Climáximo ao Capital Verde.

Todo o dinheiro recebido não é para a Climáximo como entidade”, vincam os ativistas, detalhando que “o financiamento é para eventos específicos que a ONG organiza com outras organizações ou para campanhas com outras organizações”.

No relatório e contas desta ONG, verifica-se que a Climáximo não foi a única beneficiária do seu apoio. À Associação CASA T, em Lisboa (um abrigo para pessoas trans, migrantes) e a Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso também foram concedidos apoios na ordem dos 8.000 e 9.000 euros, respetivamente.

De acordo com o relatório de contas da associação, em 2022 a Guerrilla Foundation apoiou associações e organizações portuguesas com 53,5 mil euros em subvenções, fazendo de Portugal o quinto país que mais ajudas recebeu naquele ano.

Lush

Em 2007, a marca de cosmética vegan britânica lançou o creme corporal Charity Pot como mecanismo de angariação de fundos para apoiar associações locais e campanhas ativistas nas áreas da proteção animal, direitos humanos e ambiente. Em 2022, a marca assinalou 15 anos desde o nascimento da iniciativa, tendo doado até então 76 milhões de euros a mais de 13.700 projetos em todo o mundo. Em Portugal, o Charity Pot chegou em 2019, e até 2022 tinha distribuído por 24 associações e organizações mais de 30 mil euros.

Através do Charity Pot, a Lush contribuiu com 2.000 euros para o Acampamento 1.5.

Het Actiefond

De origem holandesa, e com mais de 55 anos de atividade, a Het Actiefond (em português, o Fundo de Ação) é uma organização que se diz focada em ajudar “a luta por um mundo sustentável e socialmente justo, no qual as pessoas e o ambiente são mais importantes do que os interesses económicos”. À semelhança das restantes organizações, o apoio assume a forma de subvenções.

Financiamos ações, como manifestações ou greves, e chamamos a atenção para objetivos políticos”, explicam na página web, salientando que o apoio está disponível apenas a grupos com “meios financeiros próprios limitados”. À semelhança da Guerrila Foundation, para as ONG terem acesso às doações é necessário fazer uma candidatura.

Por sua vez, a própria Het Actiefond sobrevive, desde 1968, de doações, rejeitando subvenções de governos e de empresas. “Desta forma, mantemo-nos totalmente independentes”, garantem. No relatório de contas de 2022, a ONG indica que recebeu 364.488 euros em donativos, não indicando com quanto é que apoiou as associações ambientalistas, naquele ano.

No entanto, de acordo com os orçamentos da Climáximo, sabe-se que, em 2021, a organização holandesa contribuiu com 500 euros para o bloqueio da Rotunda do Relógio, em Lisboa, protesto que visava “exigir por menos aviões, uma transição justa e mais ferrovia”. O valor cobriu apenas parte da despesa total da ação. No orçamento publicado pela Climáximo, é revelado que o protesto teve um custo de 5.800 euros. O montante serviu para cobrir os custos dos materiais de bloqueio, transporte, impressões e materiais de proteção individual (máscaras e testes de covid-19), lê-se no site.

Stay Grounded

A Stay Grounded é uma rede global de mais de 160 organizações como membros, as quais promovem alternativas à aviação para enfrentar as alterações climáticas. Fundada em 2016, o trabalho deste grupo está enraizado na promoção do transporte sustentável. No relatório e contas de 2022, a Stay Grounded contou com um orçamento de 573.050 euros, sendo que 73% desse valor teve origem em subvenções.

“O nosso trabalho é financiado principalmente por doações e financiamento de fundações”, dizem, reconhecendo que, embora esse dinheiro tenha origem num “sistema capitalista”, a Stay Grounded pretende usar esses montantes para “fazer avançar as nossas atividades sociais, ecológicas e democráticas”.

”Não aceitamos dinheiro de empresas cujo objetivo principal é contrário aos nossos objetivos (por exemplo empresas de combustíveis fósseis ou associadas a práticas antidemocráticas e práticas racistas)”, dizem.

À semelhança da Het Actiefonds, também a Stay Grounded financiou o bloqueio da Rotunda do Relógio da Climáximo, em 2021, tendo contribuído com 1.300 euros.

Urgent Action Fund

Há mais de 25 anos que a organização norte-americana Urgent Action Fund (UAF) financia ativistas e movimentos feministas que fomentem a justiça, a equidade e a libertação.

Entre 2021 e 2022, de acordo com o orçamento da Climáximo, a UAF contribuiu financeiramente para três ações: 4.000 euros para o bloqueio da Rotunda do Relógio, em 2021; 5.320 euros para uma ação de formação de cinco dias, no mesmo ano — altura em que foi também planeada uma ação contra o gás fóssil, a 31 de julho, que serviu “para denunciar a hipocrisia da empresa EDP, que o promove como um combustível limpo”.

Mais tarde, em 2022, a UAF voltou a brindar a Climáximo com uma subvenção de 5.000 euros para a Caravana pela Justiça Climática, organizada por mais de 30 organizações. Ao todo, esta iniciativa contou com um total de 8.644 euros em doações, sendo que desse total, 3.644 euros teve origem em contribuições e doações, indica a Climáximo.

Liquidação de multas é “da responsabilidade” de cada um

Além de despesas correntes, os montantes angariados servirão também para cobrir parte das multas que resultam das condenações, embora a Climáximo garanta que o pagamento de cada coima seja da “responsabilidade de cada pessoa”.

Por exemplo, os ativistas que bloquearam a rua de São Bento, em Lisboa, em outubro, foram absolvidos do crime de desobediência qualificada, mas foram condenadas a pena de prisão, convertida no pagamento de multa de 600 euros, cada uma, pelo crime de atentado à segurança de transporte rodoviário.

“Dito isto, é uma crença central do ativismo que temos feito não deixar ninguém para trás. Obviamente há solidariedade ativa entre as pessoas que fizeram ações, seja porque umas têm trabalho mais precário, porque são estudantes, ou qualquer outro fator”, esclarece a Climáximo.

Quanto aos jovens da Greve Climática Estudantil, até ao momento, apenas se contabiliza uma multa no valor de 250 euros, à qual acrescem 100 euros em despesas do tribunal. Estes 350 euros deverão ser pagos através dos fundos angariados online e eventos de beneficência.

Segundo a GCE, a multa foi aplicada a uma pessoa que não fazia parte da associação mas que foi detida e condenada por desobediência por se recusar a cumprir “a ordem ilegítima” de parar de filmar uma manifestação pacífica, em que os participantes consentiram a esta gravação. “Iremos provavelmente recorrer desta decisão de condenação completamente antidemocrática“, salienta a jovem ativista.

Tanto a Climáximo como a Greve Climática Estudantil são representados em tribunal por advogados oficiosos escolhidos pelo Estado, uma vez que nenhuma das organizações tem uma equipa legal.

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