Comércio local a “reboque” da Black Friday com otimismo moderado

É com um otimismo moderado e com a expectativa de um impulso de vendas que o comércio local do bairro de Campo de Ourique vive a Black Friday. Descontos chegam aos 50% e estendem-se por vários dias.

Nasceu nos Estado Unidos, mas “aterrou” em Portugal há cerca de uma década e já não se cinge apenas aos grandes espaços. O comércio local vai a “reboque” da Black Friday, tendo em vista satisfazer a “vontade” dos clientes e competir com as campanhas agressivas das grandes superfícies. Os descontos chegam aos 50% e prolongam-se maioritariamente por vários dias. Ainda assim, as expectativas dos comerciantes são moderadas, dado que o contexto atual leva os clientes a fazerem compras mais ponderadas e há quem já se ressinta nas vendas.

Ao longo do percurso feito pelo ECO no bairro de Campo de Ourique a grande maioria das montras das lojas têm afixado cartazes relativos à Black Friday, ainda que a afluência de clientes durante a tarde de quarta-feira tenha sido modesta. As campanhas prolongam-se, regra geral, por uma semana para chegar a mais pessoas e ver se dão um impulso às vendas.

Hugo Amaral/ECO

As vendas não estão nada boas”, admite Ana Figueiredo, sinalizando que o bom tempo registado “nos primeiros 15 dias de outubro” trocou as voltas ao seu negócio. “Acho que não foi falta de dinheiro, mas sim falta de frio”, justifica a dona da loja A Pipoca, que vende artigos para bebé. “Agora veio o frio e as pessoas estão a pensar nas prendas de Natal e se calhar estão a retrair-se ainda um bocadinho“, acrescenta.

Ainda assim, Ana Figueiredo adianta ao ECO que a campanha relativa a Black Friday, que arrancou “segunda-feira e vai até dia 27 de novembro”, com descontos de 20% em todos os artigos veio trazer um novo fôlego. “Esta semana tem estado mais ou menos”, mas não é como no ano em que abriu a loja, recorda, que coincidiu com o fim o confinamento e em que “as pessoas estavam sedentas de lojas”, ressalva.

A par das vendas, a responsável admite que há uma “pressão” para aderir à Black Friday, dado que as grandes marcas estão com grandes descontos. E a posição é corroborada por Joana Ferreira. “Acho que nós, comércio de bairro, não queríamos ir atrás [das grandes superfícies], mas o cliente cria um pouco a situação. Fazemos Black Friday porque sentimos que não temos uma adesão tão grande nesta altura se não o fizermos. É quase uma imposição por parte do cliente, claro que podíamos ter optado por não fazer“, justifica.

Joana Ferreira tem 30 anos e abriu há “cerca de três semanas” a sua própria loja.Hugo Amaral/ECO

Com descontos “de 20% em todas as peças de roupa” até domingo, a Rosa Bossa abriu “há três semanas”, pelo que vê esta oportunidade como um meio para “dar um miminho” aos clientes e também para tentar angariar novos. “Temos muitos clientes que moram aqui no bairro, mas só conseguem vir ao fim de semana” e “depois temos outros que só vêm uma vez por semana”, por isso é ” que decidimos fazer mais dias para conseguir abranger mais pessoas”, justifica a jovem empresária de 30 anos. Para já, a adesão “tem sido boa”.

Também Marta Vieira, funcionária da Uma Cantik, admite que há “alguma pressão” para que aderiram à Black Friday, mas ressalva que esta iniciativa acaba por ser “um bom incentivo” para os consumidores. “As pessoas estão à procura de presentes de Natal, não têm tanto poder de compra então aproveitam para comprar“, sinaliza. Por outro lado, assinala que “é uma boa altura de vendas”, ainda que note que face ao contexto atual os clientes estejam a “comprar menos e especialmente artigos mais baratos”. Nesta loja os descontos chegam aos 50% e a campanha decorre até dia 27 de novembro.

Na Uma Cantik, os descontos chegam aos 50% e a campanha da Black Friday decorre até segunda-feira.Hugo Amaral/ECO

E nem as lojas de roupa em segunda mão escapam. “Como é uma loja de roupa em segunda mão costumamos chamar-lhe ‘Green Friday’, ou seja, não meter aquele apelo exacerbado ao consumismo, mas como uma atenção nossa aos clientes”, conta ao ECO, a dona da loja “Baú”, que tem descontos até 20% “durante 15 dias”. No entanto, as expectativas são baixas, considerando que as vendas “mantêm-se” apesar dos descontos.

A opinião é partilhada por Carla Brasiel, funcionária da sapataria Ilhabel, que também até 27 de novembro tem descontos “em artigos selecionados” e que chegam aos 20%. “As pessoas não procuram muito a Black Friday, mas convém sempre ter. Há sempre aquelas pessoas que perguntam e por isso temos”, realça.

Por outro lado, Pedro Fonte opta por não aderir à Black Friday. “O tempo em saldos já é demasiado para ser comercialmente rentável“, sublinha o dono da sapataria Skarpa, que detém duas lojas em Campo de Ourique e outra na Avenida da Igreja. Por outro lado, o responsável não concorda com as políticas agressivas das grandes marcas e com o facto de os descontos serem estendidos por vários dias. “Se fosse um dia e controlado ainda poderia ponderar”, admite, sinalizando que tinham de ser “um dia bem controlado e que fosse efetivamente rigoroso”.

Pedro Fonte, dono da sapataria Skarpa, nota que perante o aumento do custo de vida, os clientes fazem compras mais ponderadas.Hugo Amaral/ECO

Além disso, Pedro Fonte realça que para o público-alvo da sua sapataria era indiferente ter ou não ter Black Friday, dado que o tipo de cliente da Skarpa é “um cliente mais clássico”, que “procura nichos de mercado” e que “não vai só pelo preço”.

Aumento do custo de vida leva a compras mais ponderadas

Numa altura em que o orçamento familiar está mais restrito devido ao aumento o do custo de vida e dos encargos com a prestação da casa, os comerciantes recetem-se nas vendas e notam que os clientes fazem compras mais ponderadas. “O nosso Natal há muitos anos que não é bom, isso já acabou”, mas “notamos mais mais dificuldade nos clientes“, afirma Pedro Fonte, em declarações ao ECO. “O cliente que nos procura não vai só pela questão do preço, procura qualidade. Mas se estiver indeciso, claro que vai para o mais barato”, atira.

A opinião é partilhada pela funcionária da saparia Ilhabel, que nota que os clientes “estão com medo” e fazem “compras mais ponderadas”. “Pensam mais se vão comprar, se não vão comprar…”, afiança. Por outro lado, Marta Vieira realça que na Uma Cantik as vendas mantêm-se estáveis, mas ” valor médio da compra é menor”.

Hugo Amaral/ECO

Já a funcionária da loja de roupa em segunda mão Baú sinaliza que o facto de ter havido “uma pandemia, duas guerras e agora a situação da queda do Governo” tem influência. “Reflete-se tudo” no negócio, diz. Por outro lado, os clientes estão também preocupados com o facto “de para o ano deixar de haver travão às rendas”, apesar de existir um apoio às rendas para as famílias vulneráveis. “Há uma redução à vontade de uns 20% a 30% nas vendas face ao ano passado“, diz ao ECO.

O bairro de Campo de Ourique é descrito cada vez mais como um “poiso” de famílias estrangeiras, onde o consumo responsável é visto como uma prioridade. “É um bairro de franceses, italianos, ingleses e gostam muito de roupa em segunda mão. Normalizam mais do que os portugueses”, conta Ana Figueiredo. Ao mesmo tempo, há também famílias numerosas “em que a roupa vai passando de uns para os outros”.

Comércio local diz ser penalizado face às grandes superfícies

Ainda assim, os comerciantes ouvidos pelo ECO admitem que a Black Friday acaba por apelar ao consumismo, mas há quem veja vantagens. “É visto sempre como um apelo ao consumismo, mas também temos que ver o outro lado. Há alguns produtos que noutra altura do ano as pessoas não conseguem comprar e agora com desconto têm essa possibilidade“, adianta Marta Viera.

Além disso, alguns comerciantes apontam que o comércio local acaba por ser ainda mais penalizado por não conseguir competir com os fortes descontos das grandes superfícies. Mas não só. Quando há este tipo de campanhas, “quase que não se consegue respirar” nos centros comerciais” e isso acabar por penalizar o comércio local, que não consegue ter descontos tão elevados por uma questão de rentabilidade do negócio e para adensar o problema há falta de estacionamento.

Ana Figueiredo é dona da loja A Pipoca, que abriu em plena pandemia, e aproveita a Black Friday para tentar puxar pelas vendas.Hugo Amaral/ECO

“Alguns clientes são daqui do bairro vêm durante a semana, mas ao sábado vêm muitos clientes da linha, da margem sul. E depois queixam-se de que não têm onde estacionar e então vão para as grandes superfícies“, sublinha Ana Figueiredo.

A Black Friday acaba por “incentivar um bocadinho à compra desenfreada porque as pessoas nem têm, às vezes, tempo para refletir. É uma pré-epoca de saldos“, afirma a funcionária da loja Baú, alertando que este tipo de campanhas “fomenta o consumismo e pode potenciar o endividamento”. Por outro lado, relembra também que o pequeno comércio está penalizado pelo facto de os centros comerciais continuarem abertos aos domingos e feriados. “É ridículo comprar roupa às 23h, não há necessidade”, atira.

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