Dos cabazes às ações, como são tributados os prémios que as empresas dão no Natal?

Presentes, em espécie ou dinheiro, deverão estar isentos de impostos até um determinado valor. Já os prémios, em numerário ou vales, pagam IRS e podem ter de descontar para a Segurança Social.

Já é uma tradição em muitas empresas portuguesas: todos os anos, na quadra festiva, os empregadores decidem deixar um presente no sapatinho dos trabalhadores, seja na forma de um cabaz com os alimentos necessários para a mesa da consoada, seja na forma de um bónus salarial em dinheiro ou até através da distribuição de lucros pelos trabalhadores. Vários destes prémios são sujeitos a tributação, mas há nuances a ter atenção.

Comecemos pelos conhecidos cabazes de natal. São várias as empresas que aproveitam o final do ano para oferecerem aos seus trabalhadores cabazes com, por exemplo, alguns dos alimentos tradicionais da mesa natalícia. Mas como devem ser tributadas estas ofertas?

Entre os fiscalistas ouvidos pelo ECO, esta não é uma questão consensual. Mas a prática tem sido a da não tributação (pelo menos, na esfera do trabalhador).

Por um lado, Luís Leon, da ILYA, e João Espanha, da Espanha & Associados, defendem que os cabazes não devem ser considerados rendimentos do trabalho, entendendo que não têm de constar no recibo de vencimento, nem pagar imposto, pelo menos até um determinado montante.

“As prendas de Natal são valores que, de acordo com os usos sociais, estão fora do domínio dos impostos”, indica Luís Leon, alertando, contudo, que “não há valores definidos na lei, no código do IRS”, pelo que “existem apenas regras de bom senso”. E exemplifica: “Oferecer um relógio de 50 euros não é o mesmo que oferecer um de 5.000 euros”. Ou seja, valores de elevado montante, como 5.000 euros, devem constar na folha de vencimento, serem sujeitos a retenção na fonte e contar para o apuramento da taxa de IRS.

João Espanha partilha da mesma opinião, sublinhando que “a interpretação dependerá sempre a da Autoridade Tributária”. O fiscalista tem, no entanto, seguido uma regra que deriva do código do IVA, segundo o qual, “as empresas podem deduzir o imposto para ofertas em espécie ou numerário de valor igual ou inferior a 50 euros”.

“A empresa perderia o direito a deduzir o IVA em que incorreu na aquisição de determinados bens se forem oferecidos aos trabalhadores”, aponta o perito em Direito Fiscal. “Todavia, o próprio Código do IVA trata como transmissões onerosas, logo, permitindo a dedução do IVA, ‘as ofertas de valor unitário igual ou inferior a 50 euros e cujo valor global anual não exceda cinco por mil do volume de negócios do sujeito passivo no ano civil anterior, em conformidade com os usos comerciais”, esclarece João Espanha.

É certo que esta regra visa as ofertas a clientes e não a trabalhadores, “mas seguramente que podemos recorrer a esta norma como baliza legal do bom senso para as ofertas em espécie ou numerário isentas de impostos”.

Porém, José Pedroso de Melo, da Telles, sublinha que, mesmo sendo em espécie, estes cabazes devem “qualificar-se como remunerações acessórias” do trabalhador e, como tal, estão sujeitas a IRS.

Devido à sua natureza, estes cabazes estão dispensados de fazer retenção na fonte de IRS, admite o fiscalista, mas realça que devem estar indicados nos recibos de remuneração dos trabalhadores. E ser incluídos na declaração de rendimentos que o trabalhador entrega ao Fisco, na primavera do ano seguinte.

“Para as empresas, os encargos com estas prendas, sendo rendimentos da categoria A em IRS e contribuindo para a obtenção de rendimentos, são dedutíveis em IRC”, acrescenta Sandra Alves Amorim, da Legal Partners.

O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Rogério Fernandes Ferreira também concorda as leituras de José Pedroso de Melo e de Sandra Alves e detalha que, em sede de IRC, verificados determinados requisitos, “estas ofertas poderão ser consideradas como gastos fiscais, dedutíveis ao lucro tributável“. “Por outro lado, caso os encargos incorridos com estas ofertas não se encontrem devidamente documentados poderão ser assumidos como despesas não documentadas e isso implicar a sua tributação à taxa autónoma de 50% ou 60%, caso existam prejuízos fiscais”, realça.

Apesar de, no sentido estrito, ser isso que decorre da lei, Bárbara Miragaia, da MFA Legal, admite que a prática relativamente a estas ofertas tem sido a de não as sujeitar a tributação na esfera do trabalhador. “Consequentemente, dependendo do enquadramento dado na esfera da empresa, este tipo de ofertas poderá gerar tributação autónoma na esfera do empregador”, sublinha.

Há empresas que dão prémios em dinheiro e em cartão

Por outro lado, há empregadores que decidem recompensar os seus trabalhadores diretamente com dinheiro. Neste caso, considera-se que está em causa rendimento de trabalho dependente, o que significa que o montante transferido está sujeito a IRS.

E convém notar que é preciso fazer retenção na fonte, alerta Bárbara Miragaia, ainda que seja feita separadamente do salário, tal como acontece com os subsídios de férias e de Natal, ressalvar João Espanha.

“Se a oferta for em dinheiro, deve o montante em causa ser incluído no recibo do mês para efeitos de determinação da taxa de retenção”, confirma Sandra Alves Amorim, que sublinha, contudo, que, tratando-se de um prémio sem caráter de regularidade, não deve ser sujeito a descontos para a Segurança Social. Já se tiver, por exemplo, periodicidade mensal, trimestral ou anual, deve pagar contribuições sociais.

Luís Leon especifica que se, “no prazo de cinco anos, o mesmo prémio for atribuído mais do que uma vez tem de descontar para a Segurança Social”. O trabalhador paga 11% sobre esse valor e a entidade empregadora 23,75%.

Já na esfera do empregador, isto é, em sede de IRC, estes prémios em dinheiro poderão ser também considerados como gastos fiscais e ao lucro tributável, verificados determinados requisitos”, explica Rogério Fernandes Ferreira.

Mas há empresas que, escolhendo dar o prémio em dinheiro, não o transferem diretamente para a conta bancária do trabalhador. Por exemplo, ainda esta semana o Continente anunciou que vai dar 500 euros aos seus 38 mil trabalhadores, mas em cartão para gastar nas lojas da insígnia.

“Em teoria, a circunstância de a vantagem económica se traduzir na possibilidade de adquirir determinados produtos mediante utilização de um cartão, voucher ou cheque-prenda não lhe retira, segundo entendo, a natureza de um rendimento do trabalho”, salienta José Pedroso de Melo.

Quer isto dizer que, mesmo no caso de o bónus ser dado em cartão ou em vale, há que figurar no recibo de vencimento e pagar IRS. A única diferença face a um prémio em dinheiro que seja transferido diretamente para o beneficiário, é que, em cartão, em princípio, não há retenção na fonte. Ainda assim, na primavera, no acerto de contas anual com o Fisco, o valor terá de ser incluído e, nesse âmbito, pagará imposto.

Importa ressalvar, contudo, que os vales em dinheiro até aos 50 euros são equiparados a prendas e não estão sujeitos a essas regras, isto é, não precisam de pagar IRS, segundo João Espanha.

Luís Leon acrescenta que “o entendimento da Autoridade Tributária tem sido o de considerar os vales ou cartões como uma atribuição em dinheiro, sendo equiparados aos prémios, independentemente do valor”. Ou seja, em princípio, estas ofertas também deveriam pagar IRS, “mas a maior parte das empresas assume estes vouchers como prendas e não prémios”, não os detalhando na folha de vencimento.

Distribuição de lucros estará isenta até ao valor de um salário base com um limite de 4.100 euros

Outro prémio praticado por alguns empregadores portugueses é a distribuição de lucros ou de ações pelos trabalhadores.

“Os lucros (gratificações de balanço) pagos aos trabalhadores são sujeitos a IRS e dedutíveis em sede de IRC”, esclarece o fiscalista João Espanha. Contudo, o Orçamento do Estado (OE) para 2024 estabelece que, se as entidades empregadoras subirem os ordenados em pelo menos 5%, no próximo ano, poderão pagar, a título de distribuição de lucros, um salário base, até ao limite de cinco salários mínimos ou 4.100 euros, que estará isento de IRS e de TSU.

Contudo, a aplicação desta isenção não será pacífica. A norma que consta do OE para 2024, e que foi introduzida pelo grupo parlamentar do PS, não esclarece se é obrigatório aumentar todos os trabalhadores em pelo menos 5% para que patrões e colaboradores possam beneficiar da medida.

A redação dos socialistas em vez de exigir apenas um aumento médio dos salários de pelo menos 5%, como estava na proposta do Governo, determina que o aumento salarial deve ser aplicado ao “universo dos trabalhadores”.

Ou seja, com esta alteração, o PS abre a porta a futuras clarificações em sede de concertação social sobre o conceito de “universo de trabalhadores” caso a Autoridade Tributária suscite dúvidas. Até porque, sabe o ECO, o entendimento não é consensual dentro do maior grupo parlamentar.

Assim, a expressão aprovada no OE não significa que todos os funcionários de uma empresa tenham de beneficiar de um aumento de 5%. Isto é, a interpretação até pode ir ao encontro da proposta do Governo de apenas obrigar um crescimento médio da massa salarial, não sendo necessário que todos os trabalhadores beneficiem do tal aumento.

O objetivo foi apenas transpor para o diploma orçamental o texto acordado entre Governo, patrões e sindicatos, que foi assinado a 7 de outubro, explicou, na altura, fonte do PS ao ECO.

Distribuição de ações com regime mais favorável para startups e PME

Já a “atribuição de ações constitui um rendimento em espécie assim como os ganhos obtidos com o exercício de stock-options, sendo ainda tributado o valor da mais-valia eventualmente realizada com a alienação dos títulos”, sublinha João Espanha.

O fiscalista realça que “a Lei 21/2023 criou um regime particular para planos de stock-options constituídos por empresas que sejam startup, scaleup, micro, pequena, média empresa ou empresa de pequena e média capitalização ou, ainda, que desenvolvam atividade no âmbito da inovação”.

Nestes casos, adianta João Espanha, “o rendimento é tributado a uma taxa fixa de 14% e a tributação do rendimento é diferida para o momento em que o trabalhador aliene o título ou o direito à sua aquisição ou deixe de ser residente em Portugal, sendo que esta última condição nos parece violadora do Direito Comunitário”, explica o perito fiscal. Ou seja, nestas situações, o trabalhador só paga uma taxa de IRS de 14% quando vender o ativo ou a ação que a empresa lhe ofereceu.

“O OE 2024 contém ainda uma regra que prevê que os rendimentos destas stock-options fiquem parcialmente isentos de IRS até 20 vezes o valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS)”, isto é, até 10.185,2 euros, tendo em conta que o IAS vai subir para 509,26 euros no próximo ano, recorda Espanha.

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