Raio-x mostra Luz Saúde atrativa no regresso à Bolsa de Lisboa

As perspectivas de abrandamento económico e desempenho bolsista positivo do setor podem reforçar a atratividade das ações da Luz Saúde, que deverá dispersar capital na bolsa nacional depois de março.

Depois dos acionistas da Luz Saúde terem aprovado, no final de 2023, os planos para avançar com a oferta pública inicial (IPO) da empresa, a operação que deverá acontecer no segundo trimestre beneficia de diversos desenvolvimentos favoráveis para que seja vista como atrativa pelo mercado.

Embora seja ainda necessário conhecer os contornos mais importantes do IPO para fazer uma avaliação global, desde logo o preço de venda das ações, política de dividendos e os planos de expansão, são vários os argumentos que a Luz Saúde tem para avançar com a operação e convencer os investidores a participar.

A reabertura do mercado de IPO, o desempenho positivo das ações das cotadas do setor neste arranque de ano, perspetiva de abrandamento económico e descida das taxas de juro são fatores que podem jogar a favor. Tal como o efeito novidade na bolsa portuguesa, onde a Luz Saúde tem condições para ganhar visibilidade num mercado que assistiu a apenas um IPO no espaço de dez anos (Greenvolt em 2021).

A escassez de cotadas comparáveis com Luz Saúde no mercado europeu também pode jogar a favor do interesse na operação. Bem como o facto de a companhia desenvolver uma atividade com perspetivas de crescimento sustentado no longo prazo, devido a um conjunto de fatores como o envelhecimento da população a nível global e a pressão crescente sobre o Serviço Nacional de Saúde em Portugal.

Também existem ventos contrários e ameaças, como o forte aumento de custos no setor, escassez de trabalhadores especializados, transformação tecnológica e evolução das necessidades dos pacientes. Num estudo com as perspetivas para 2024, a Deloitte assinala que o “setor global dos cuidados de saúde está a passar por um período de transformação sem precedentes, impulsionado pelos avanços tecnológicos, alterações demográficas e evolução das necessidades dos pacientes”.

A consultora acredita que várias destas tendências “deverão moldar o futuro da prestação dos cuidados de saúde”, sendo que os “efeitos persistentes da covid-19 continuam a contribuir para a escassez generalizada de mão-de-obra”. A “adoção da inteligência artificial apresenta possíveis soluções”, com um “papel fundamental na racionalização dos processos”, prometendo “precisão e eficiência desde a administração, às operações, à cadeia de abastecimento e ao atendimento aos pacientes”.

O que definirá o sucesso ou insucesso da colocação será o preço a que os atuais acionistas pretendem fazer a venda da participação. Um preço excessivamente elevado poderá fazer com que uma operação que tem tudo para correr bem, seja penalizada e tenha maiores dificuldade.

Pedro Barata, gestor do fundo NB Portugal Ações

Ação defensiva é vantagem em 2024

“O possível IPO da Luz Saúde em 2024 é uma boa notícia para o mercado acionista português, onde escasseiam oportunidades de investimento”, refere Pedro Barata, gestor do fundo NB Portugal Ações, assinalando que a “colocação de parte do capital da Luz Saúde em bolsa tem de ser vista como positiva”.

A acrescentar a isso, o facto da Luz Saúde se inserir num setor de atividade que não está representado no mercado português poderá tornar esta operação potencialmente mais atrativa”, acrescenta o gestor da GNB Fundos Mobiliários (Novobanco).

A maior parte dos investidores portugueses têm uma grande aversão ao risco, pelo que investimentos neste tipo de empresas pode fazer sentido e assim, a Luz Saúde poderá beneficiar destas condições”, refere Henrique Tomé, analista da XTB.

Apesar de integrar um setor que não está representado na bolsa portuguesa, a dona do Hospital da Luz será mais uma cotada considerada defensiva, que já abundam no PSI. Uma característica que deve jogar a favor da companhia no atual contexto de perspetiva de abrandamento económico em 2024, em Portugal e na Zona Euro.

O setor dos cuidados de saúde (health care) foi eleito por vários analistas como um dos preferidos para este ano, devido ao facto destas empresas serem mais imunes ao ciclo económico. É o caso do Bank of America na Europa e o Wells Fargo Investment Institute nos Estados Unidos. A Fidelity também recomenda o investimento em empresas do setor ao qual a Luz Saúde pertence.

As ações das empresas de cuidados de saúde tendem a ser vistas como defensivas, tendo em conta que as pessoas vão ao médico e tomam medicamentos independentemente do que se passa na economia”, refere Eddie Yoon. O gestor de carteiras setoriais da Fidelity destaca que esta “reputação foi uma desvantagem em 2023”, ano em que os investidores favoreceram as grandes empresas tecnológicas em detrimento das ações defensivas.

Henrique Tomé considera que o setor da saúde “parece ter alguma vantagem neste contexto económico”, pois “os setores defensivos podem tornar-se mais interessantes para os investidores que procuram mitigar parte dos riscos relacionados com as incertezas económicas e também geopolíticas”. A Luz Saúde “poderá beneficiar desta procura por investimentos mais ‘seguros’” e “desta rotação” de cotadas de crescimento para empresas de valor, que são mais imunes à evolução negativa da economia.

Tendo em conta o atual contexto macroeconómico, os setores defensivos podem tornar-se mais interessantes para os investidores que procuram mitigar parte dos riscos relacionados com as incertezas económicas e também geopolíticas, portanto, setores como o da saúde poderão beneficiar dessa rotação.

Henrique Tomé, analista da XTB

Saúde forte no arranque de ano

Esta perspetiva favorável para as ações defensivas em 2024 está a ter impacto no arranque do ano, marcado por uma correção das cotadas que mais valorizaram no ano passado e desempenho positivo das que ficaram para trás em 2023. O setor da saúde foi marcado o ano passado pelo progresso nos medicamentos contra a obesidade, o que impulsionou fortemente várias cotadas, com destaque para a Novo Nordisk, mas também castigou de forma acentuada as empresas penalizadas por este desenvolvimento.

O Stoxx600 Health Care, índice que agrupa as maiores empresas europeias de cuidados de saúde, valorizou 6,4% em 2003, metade do ganho registado pelo índice generalista (+12,7%). Nos Estados Unidos, o S&P500 Health Care ficou estável no ano passado, enquanto o S&P500 valorizou 24%.

No arranque de 2024 a tendência inverteu-se, com os dois índices setoriais a marcarem ganhos em torno de 4% desde o início do ano, período em que as bolsas globais marcam variações negativas. Desde os mínimos de outubro, o Stoxx600 Health Care já valoriza mais de 10%. Na análise a longo prazo o setor da saúde também leva vantagem, com o índice europeu a registar um retorno médio anual de 11,4% nos últimos cinco anos, o que compara com 10,7% do Stoxx600.

Depois do mau desempenho em 2023, Eddie Yoon considera que o setor está a negociar com “avaliações atrativas”, apresenta “oportunidades interessantes” e “potencial de longo prazo”. “O desempenho das ações dos cuidados de saúde pode ser fortemente influenciado pela evolução da economia em geral e pelas avaliações. Embora não possa ter a certeza da direção que a economia está a tomar, o baixo ponto de partida das avaliações pode ser positivo para o setor”, assinala o gestor da Fidelity.

O Stoxx600 Health Care está a transacionar em bolsa a 16,8 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, bem abaixo da média histórica de 28,8x. O índice Stoxx600 negoceia com um PER inferior (12,9x), mas bem mais próximo da média histórica (13,9x).

O desempenho das ações dos cuidados de saúde pode ser fortemente influenciado pela evolução da economia em geral e pelas avaliações. Embora não possa ter a certeza da direção que a economia está a tomar, o baixo ponto de partida das avaliações pode ser positivo para o setor.

Eddie Yoon, gestor de carteiras setoriais da Fidelity

O preço será a chave

Independentemente dos ventos favoráveis ou contrários, será o preço de venda das ações a determinar a atratividade da operação para os investidores e o sucesso da operação de entrada em bolsa para os acionistas. Pedro Barata lembra que o mercado de IPO “esteve menos ativo do que seria de esperar” em 2023, devido ao “desencontro entre o valor desejado por quem vendia e o valor que os compradores estavam dispostos a pagar pelo que lhes era oferecido”, sendo natural que os investidores exijam um prémio de risco superior “num cenário de maior incerteza e com taxas de juro mais elevadas”.

“O que definirá o sucesso ou insucesso da colocação será o preço a que os atuais acionistas pretendem fazer a venda da participação. Um preço excessivamente elevado poderá fazer com que uma operação que tem tudo para correr bem, seja penalizada e tenha maiores dificuldades”, alerta o gestor da GNB Fundos Mobiliários.

A Fidelidade, que controla 99,85% do capital da Luz Saúde, aprovou em dezembro a admissão da totalidade das ações da dona do Hospital da Luz à negociação no mercado regulamentado gerido pela Euronext Lisbon. O objetivo passa por alienar entre 30% a 45% do capital e atingir um valor de mercado acima de mil milhões de euros para um grupo que tem 28 unidades hospitalares e clínicas e perto de 14 mil funcionários em Portugal.

Efetuar a avaliação da Luz Saúde não é uma tarefa fácil, tendo em conta que não existem cotadas europeias comparáveis no segmento de serviços hospitalares. Além disso, os últimos resultados conhecidos são de 2022. Factos que dificultam a comparação dos múltiplos da Luz Saúde.

A dona do Hospital da Luz fechou 2022 com receitas de quase 600 milhões (+10,6%), lucros de 26,9 milhões de euros (+63,8%) e um EBITDA de 82 milhões de euros (+26,9%). Tendo em conta estes números, o objetivo de avaliação de mil milhões de euros representa 37 vezes os lucros e 12 vezes o EBITDA, múltiplos acima da média do setor.

Quando ingressou na bolsa portuguesa, em 2014, a Luz Saúde apresentava um valor de mercado de 306 milhões de euros. Posteriormente, a Fidelidade pagou 480 milhões de euros para comprar a companhia e, em 2018, a seguradora controlada pelos chineses da Fosun vendeu 49% da Luz Saúde aos seus acionistas num negócio que avaliou a empresa em 545 milhões de euros.

Faltam ainda mais passos para que se concretize o IPO, nomeadamente a decisão final da Fidelidade, mas o objetivo passa por dispersar capital depois das eleições legislativas de 10 de março e da companhia apresentar as contas de 2023, um evento que deverá ser aproveitado pela companhia para reforçar o interesse dos investidores.

Segundo Henrique Tomé, “estas eleições não deverão ter grande impacto neste IPO, nem no mercado de capitais, assumindo que não existe uma mudança drástica governativa”. Quanto aos resultados, “claramente terão impacto, tal como acontece nas outras empresas cotadas em bolsa”, pois “vão ser as métricas financeiras que vão definir se a empresa é valiosa ou não”.

Assumindo os múltiplos atuais a que transaciona o setor dos cuidados de saúde na Europa, a Luz Saúde terá de registar lucros anuais de 60 milhões de euros para justificar uma avaliação de mil milhões de euros. Números que mais do que duplicam o registado em 2022. Muitos outros fatores vão influenciar a avaliação da Luz Saúde, como as perspetivas da empresa para a evolução do seu negócio e os planos de expansão, mas para isso será necessário esperar pela informação que será disponibilizada pela companhia no pré-IPO.

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