Relação decide Operação Marquês: Sócrates vai ser julgado por corrupção ou não?
Relação decide recurso da decisão instrutória de Ivo Rosa, conhecida em abril de 2021. Dos 189 crimes que constavam da acusação, apenas 17 crimes constaram do despacho de pronúncia.
O recurso do Ministério Público (MP) contra a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa – que não validou grande parte da acusação da Operação Marquês – será decidido esta quinta-feira pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Em causa neste recurso está o arquivamento na decisão instrutória de 172 dos 189 crimes que constavam da acusação original, restando apenas 17 crimes, e com a acusação mais grave, de corrupção, a cair com a decisão do juiz Ivo Rosa.
O juiz decidiu pela não pronúncia de José Sócrates no que toca aos crimes de corrupção de que estava acusado. José Sócrates, Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro, Carlos Santos Silva, Zeinal Bava, Armando Vara — e mais 20 arguidos — conheceram em abril de 2021 a decisão do debate instrutório.
No recurso, os procuradores pedem à Relação de Lisboa que reponha a acusação original da Operação Marquês, de outubro de 2017, e pedem o julgamento de José Sócrates três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, 13 crimes de branqueamento de capitais e três crimes de fraude fiscal. Os seis crimes de falsificação de documento imputados na acusação que estarão sob perigo de prescrição.
Do total de 31 crimes de que estava acusado, o ex-primeiro ministro socialista iria apenas a julgamento por seis: três de lavagem de dinheiro e três de falsificação de documento. Mas o MP não ficou contente com esta decisão do juiz de instrução e acabou por interpôr um recurso, cuja decisão será conhecida esta quinta-feira.
Em dezembro, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) tinha estendido a exclusividade das juízas da Relação de Lisboa que vão decidir o recurso do Ministério Público relativo à não pronúncia de José Sócrates e outros arguidos na Operação Marquês. A decisão está a cargo das desembargadoras Raquel Lima, Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira.
Ivo Rosa – num decisão de mais de seis mil páginas e mais de um milhão de palavras de quase três anos- explicou que esta é “uma decisão imparcial, não é a favor nem contra ninguém e dentro das regras do processo penal e da Constituição da República Portuguesa”. Todo o discurso inicial do juiz de instrução já fazia prever o desfecho. Apenas cinco dos 28 arguidos foram pronunciados — Sócrates, Ricardo Salgado Carlos Santos Silva, Armando Vara e João Perna — mas apenas por 17 crimes dos mais de 100 que estavam na acusação.
José Sócrates e a corrupção
Sobre os negócios de construção de 50 mil casas na Venezuela, Ivo Rosa referiu que José Sócrates não é referenciado por qualquer outro arguido e que não existe prova que sustente que o antigo PM tenha tido conhecimento dos termos do acordo de cooperação assinado entre Portugal e Venezuela.
Sobre as obras da Parque Escolar, Ivo Rosa considerou que não existe qualquer subjetividade na escolha da proposta vencedora. “Foi analisado o procedimento pré-contratual”, sublinha.
Já relativamente ao TGV, o juiz relembrou todos os testemunhos que não corroboram também que José Sócrates tenha interferido no procedimento concursal do troço do Poceirão e que não existem provas que ligue Joaquim Barroca, Carlos Silva e José Sócrates.
Ivo Rosa considerou ainda que existem indícios insuficientes e ausência de prova de que Ricardo Salgado pagou a José Sócrates (os 12 milhões falados na acusação). Para o juiz existe uma divergência neste assunto entre Salgado e Sócrates. “A acusação mostra uma total incoerência e uma fantasia”, sublinha. Ou por prescrição ou por falta de indícios, Sócrates acaba por não ir a julgamento por nenhum crime de corrupção passiva de que estava acusado.
Lista dos crimes pelos quais estavam acusados os principais arguidos e os que restaram
José Sócrates – Ex-Primeiro ministro
- Acusado de 31 crimes;
- Pronunciado por três crimes de falsificação e por três de branqueamento de capitais;
- Estava acusado de: Corrupção passiva de titular de cargo político (3), Branqueamento de capitais (16), Falsificação de documento (3), Fraude fiscal qualificada (3)
Ricardo Salgado – Ex-presidente do Grupo Espírito Santo
- Acusado de 21 crimes: Corrupção ativa de titular de cargo político (1), Corrupção ativa (2), Branqueamento de capitais (9), Abuso de confiança (3), Falsificação de documento (3), Fraude fiscal qualificada (3).
- Pronunciado por três crimes de abuso de confiança;
- Condenado, em março de 2022, a uma pena de seis anos por esses três crimes que saíram da Operação Marquês.
Carlos Santos Silva – Empresário e amigo de José Sócrates
- Estava acusado de 33 crimes: Corrupção passiva (1), Corrupção ativa de titular de cargo político (1), Branqueamento de capitais (17), Falsificação de documento (10), Fraude fiscal (1), Fraude fiscal qualificada (3)
- Pronunciado por três de branqueamento de capitais e três de falsificação de documento;
Joaquim Barroca – Ex-administrador do Grupo Lena
- Estava acusado 14 crimes: Corrupção ativa de cargo político (1); Corrupção ativa (1), branqueamento de capitais (7), Falsificação de documento (3) eFraude fiscal qualificada (2);
- Não pronunciado: não vai a julgamento;
Zeinal Bava – Ex-administrador da PT
- Estava acusado de cinco crimes; Corrupção passiva (1), Branqueamento de capitais (1), Falsificação de documento (1), Fraude fiscal qualificada (2)
- Não pronunciado: não vai a julgamento;
Henrique Granadeiro- Ex-administrador da PT
- Estava acuado der oito crimes: corrupção passiva (um), branqueamento de capitais (dois), peculato (um), abuso de confiança (um) e fraude fiscal qualificada (três);
- Não pronunciado.
Armando Vara- Ex-administrador da Caixa e ex-ministro
- Acusado de cinco crimes:
- Pronunciado por um crime de branqueamento de capitais e condenado, em julho de 2021, a uma pena de dois anos de prisão por branqueamento de capitais no processo Operação Marquês
- Não pronunciado nos restantes;
Hélder Bataglia- Ex-presidente da ESCOM
- Acusado de 10 crimes: cinco por branqueamento de capitais, dois por falsificação de documentos, dois por fraude fiscal qualificada e um por abuso de confiança;
- Não pronunciado;
Sofia Fava- Ex-mulher de José Sócrates
- Acusada por dois crimes: branqueamento de capitais e falsificação de documentos;
- Não pronunciada.
Foi no ano de 2013 que a investigação começou com a abertura de inquérito. O processo Operação Marquês teve origem numa outra investigação iniciada em 2011 e que visava o amigo de José Sócrates, Carlos Santos Silva. Foi também enviada ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal e à Unidade de Informação Financeira da PJ uma informação da Caixa Geral de Depósitos relativa a avultadas transferências bancárias.
O despacho de Ivo Rosa – que conseguiu ultrapassar o volume da acusação- prima pela diferença, desde logo, porque pela primeira vez na história da nossa Justiça, uma decisão judicial foi lida e transmitida em direto pelas televisões. Apesar disso, Ivo Rosa não deixou de estar mais de três horas a ler a súmula que tinha preparado, numa sala em que, dos arguidos, apenas estavam José Sócrates, Rui Mão de Ferro e Gonçalo Trindade Ferreira com uma audiência repleta de jornalistas.
O magistrado não poupou críticas à tese do Ministério Público, mesmo com Rosário Teixeira sentado ao lado. Apelidou a mesma de “delirante”, uma “fantasia” e com “pouco rigor e consistência” ao proferir a decisão de enviar para julgamento cinco dos 28 arguidos.
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