“A política de radicalização da bastonária, infelizmente, não deu resultados”, diz líder de Lisboa dos advogados

João Massano, líder da Regional de Lisboa no último triénio e no atual - cujo mandato dura há um ano - critica o que chama de 'radicalização' de Fernanda de Almeida Pinheiro. Leia a entrevista.

João Massano, líder da Regional de Lisboa no último triénio e no atual – cujo mandato dura há um ano – critica o que chama de “radicalização” de Fernanda de Almeida Pinheiro, a bastonária da Ordem dos Advogados e admite que se impõe que seja apresentada aos beneficiários da previdência uma solução de sistema mais equitativa e abrangente que permita um sistema mais assistencialista. Aponta o dedo ainda ao investimento feito para 2024 relativamente ao imóvel de 3,4 milhões de euros para a sede da Ordem. Leia a entrevista.

Como avalia este impasse que se verificou entre a CPAS e o Conselho Geral da Ordem dos Advogados relativamente à decisão do fator de correção?

Este conflito não beneficia ninguém. Numa área tão sensível como a previdência dos advogados, impunha-se que não houvesse estratégias de confronto, mas antes uma estratégia de coordenação para criar o melhor sistema de previdência possível para os advogados ou para preparar da melhor forma o caminho para a integração da proteção social da classe na Segurança Social (SSocial). Como sempre disse, a escolha dos advogados por qualquer que seja o caminho só pode ser feita com acesso claro a toda a informação necessária para tomar uma decisão. Ora a informação que está a ser disponibilizada não é clara.

E os novos seguros anunciados pela CPAS? Protegem efetivamente os advogados?

Penso que representam um esforço sério e honesto da direção da CPAS para procurar melhorar os benefícios dos advogados, mas acho que dada a abrangência do problema da proteção social dos advogados, são apenas um remedeio.

A CPAS melhorou com esta nova direção?

Sim, creio que a atual direção tem tido uma postura dialogante e tem procurado criar um sistema mais justo. No entanto, neste momento, creio que se impõe que seja apresentada aos beneficiários uma solução de sistema mais equitativa e abrangente que permita um sistema mais assistencialista, enquanto não se chega a uma conclusão sobre a integração ou não da CPAS na SSocial.

Advocatus Summit Porto - 22SET20
João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos AdvogadosHugo Amaral/ECO

Qual a sua posição face à integração da CPAS na Segurança Social?

Entendo que deve ser respeitada a posição dos advogados, assumida em referendo, isto é, a liberdade de opção entre a integração na SSocial e a manutenção na CPAS. Contudo, deveriam ser criadas as condições para que essa opção fosse exercida de modo consciente e informado e só depois de todas as opções serem alvo de um estudo financeiro aprofundado, sério e independente. E se salvaguarde a situação de todos, nisso incluindo a proteção da posição dos reformados. Considero, ainda, que terá de ser introduzido o princípio da capacidade contributiva ou, pelo menos, a possibilidade de criar um escalão de refúgio para as situações em que o beneficiário tem dificuldades em pagar as contribuições para a CPAS.

Uma parte dos advogados queixa-se de não haver assistência da CPAS em caso de doença. As baixas não existem, de facto. Como pode um advogado com cancro conseguir apoios?

Como referi anteriormente, essa vertente assistencialista tem de ser aprofundada para que haja uma verdadeira proteção na doença aos beneficiários da CPAS.

Estou muito preocupado com o investimento feito para 2024 relativamente ao imóvel de 3,4 milhões de euros. Tanto que, na Assembleia Geral da Ordem, votei contra as propostas para 2024 de Orçamento do Conselho Geral e de Orçamento Consolidado da Ordem dos Advogados por considerar inadmissível que um encargo de 3,4 milhões de euros possa ser aprovado com base apenas na informação constante da proposta apresentada.

João Massano

Acha que quem defende a CPAS são mais os Advogados dos grandes escritórios com grandes rendimentos?

Recuso-me a fazer afirmações divisionistas que contribuam para uma divisão da classe. Temos assistido a afirmações, nesta matéria, que contribuem para dividir a classe, sem benefício para ninguém. Recuso-me a fazer afirmações populistas e demagógicas com finalidades unicamente eleitorais, como tem vindo a suceder.

A CPAS, neste momento, é a nossa previdência e tem a obrigação de defender todos os advogados. Tem vindo a ser alimentada, por alguns setores, a ideia que no regime da SSocial se “paga pouco” e se tem muito, em matéria de benefícios. No entanto, como sabemos, tal não corresponde à verdade.

Como encara o investimento feito para 2024 relativamente ao imóvel de 3,4 milhões de euros?

Estou muito preocupado com esta decisão. Tanto que, na Assembleia Geral (AG) da Ordem, votei contra as propostas para 2024 de Orçamento do Conselho Geral (CG) e de Orçamento Consolidado da Ordem dos Advogados (OA) por considerar inadmissível que um encargo de 3,4 milhões de euros possa ser aprovado com base apenas na informação constante da proposta apresentada.

Que mais não fosse por uma questão de transparência, um tema desta importância – por se tratar de um elevado encargo para as contas da Ordem, presentes e futuras, é importante sublinhar – deveria ter sido suscitado, não como uma das múltiplas rubricas do orçamento, mas precedido de uma ampla e clara comunicação à Ccasse para que a mesma pudesse participar num voto consciente quanto a um ato que pode pôr em perigo a solvência da Ordem.

Também as razões que parecem suportar esta decisão não colhem.

Primeiro, porque a principal razão apontada é a de que alegadamente o senhorio (que nem sequer é identificado) teria informado o CG da intenção de não renovar o contrato de arrendamento do prédio onde tem sido, desde há décadas, a sede da Ordem, o que a colocaria na iminência de ficar despojada dessas instalações a muito curto prazo. Mas não foi apresentado qualquer documento comprovativo dessa alegada intenção.

Em segundo lugar, de acordo com o orçamento, para assumir este encargo a OA mobilizaria um milhão de euros de fundos próprios, isto quando as receitas correntes do CG, que têm vindo a diminuir, se cifram, atualmente, em pouco mais de 6,7 milhões de euros para despesas correntes de quase 5,9 milhões de euros, o que evidencia o risco financeiro da responsabilidade que se pretende assumir.

E quanto ao empréstimo bancário?

Como se tudo isto não bastasse, para o remanescente do valor, o orçamento prevê um financiamento bancário da ordem dos 2,5 milhões de euros. Que terá uma duração de 15 anos. Ou seja, está-se a comprometer as receitas futuras e todos os advogados com o pagamento de uma fatura durante uma década e meia, num cenário de enorme incerteza.

Importa referir que essa despesa não é vista com bons olhos pelo Conselho Fiscal da OA. No parecer desta proposta, o presidente, Pedro Madeira de Brito, explica que “o Conselho Fiscal manifesta alguma preocupação com o facto do saldo orçamental global ser negativo e estar-se a consumir as reservas de tesouraria acumuladas e bem assim, com a assunção de encargos futuros com a contratualização de financiamento bancário, para além de não ter sido efetuada uma demonstração de custo benefício da opção tomada e do seu efeito no médio prazo”.

Sobre todas estas preocupações, foi solicitada na AG informação para poder tomar uma decisão informada e que foi considerada indispensável ser partilhada com os presentes sobre, designadamente, (i) a existência de alternativa ao encargo da aquisição, (ii) os termos alternativos ao financiamento bancário concreto que estaria a ser negociado e (iii) a projeção adequada da cada vez mais previsível perda de receita corrente que possa tornar desproporcionado o encargo mensal com a amortização do empréstimo.

Não obtive qualquer resposta ou esclarecimento.

Advocatus Summit Porto - 22SET20
João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos AdvogadosHugo Amaral/ECO

Como pode agora a OA combater a aprovação ‘à pressa’ dos Estatutos?

No cenário político criado pela demissão do Governo e com a convocação de Eleições Legislativas antecipadas, está criada uma oportunidade para que algumas alterações possam vir a ter lugar, até porque há partidos com assento parlamentar que já se mostraram disponíveis para o fazer.

Acredito que a Ordem tem espaço para acentuar a necessidade de alterar algumas matérias, das quais dou apenas o exemplo mais flagrante da remuneração do estágio, com o qual concordo, mas que, conhecendo a situação da classe, sei que será impossível de implementar pela maioria dos patronos.

Pelo lado do CRLisboa, continuaremos a dinamizar o debate e o esclarecimento sobre estas matérias, sobretudo junto dos partidos com assento parlamentar com os quais, aliás, temos vindo a discutir intensamente este tema.

Considera que a advocacia mais jovem está protegida com estas novas alterações aos estatutos e ao estágio?

Como pode estar mais protegida quando o número de patronos disponíveis para assegurar um estágio vai reduzir-se substancialmente se o estatuto ficar como está? Eu não vejo como é que estas alterações vão abrir a profissão a mais profissionais e/ou facilitar o acesso à profissão, desígnios anunciados da intenção do Governo quando apresentou estas alterações.

Pelo contrário, acho que se estas medidas forem avante reduzir-se-á o número de potenciais candidatos à profissão que conseguirão um estágio, além de se criar uma enorme discriminação porque, obviamente, serão os que têm acesso às melhores escolas que ficarão à frente.

Há muito que alerto para a necessidade de criar instrumentos que enquadrem os colegas advogados brasileiros (mas também de outros países) no sistema jurídico português e na ‘forma de fazer’ portuguesa. Porque, como é óbvio, falar a mesma língua não chega para exercer advocacia – há demasiados aspetos da prática que diferem entre países. Ora, optar por ‘proibir’ a prática, além de violar um tratado internacional, é para mim ‘meter a cabeça na areia’.

João Massano

A OA, atualmente, é uma mera cobradora de quotas?

Existe muito essa ideia, mas tal não corresponde à verdade. Por exemplo, no caso do CRLisboa prestamos muitos serviços aos advogados, desde ações de formação, produção de publicações, newsletters, podcasts e outros suportes informativos e formativos, disponibilização de plataformas digitais, balcões e outros canais para acelerar e facilitar o trabalho dos Colegas, etc.

No nosso caso específico, temos procurado criar uma rede de apoio aos colegas, particularmente importante para a prática individual, que é quem tem mais necessidade de recursos complementares ao seu trabalho.

Como encara o limite de entrada na nossa OA a Advogados brasileiros?

Há muito que alerto para a necessidade de criar instrumentos que enquadrem os colegas advogados brasileiros (mas também de outros países) no sistema jurídico português e na ‘forma de fazer’ portuguesa. Porque, como é óbvio, falar a mesma língua não chega para exercer advocacia – há demasiados aspetos da prática que diferem entre países.

Ora, optar por ‘proibir’ a prática, além de violar um tratado internacional, é para mim ‘meter a cabeça na areia’. Se os colegas brasileiros precisam de aprender a trabalhar com o sistema português, então, devemos acolhê-los e apresentar-lhes um conjunto de procedimentos justos – designadamente formação simples e assertiva – que devem cumprir antes de começarem a exercer e, inclusivamente, a realização de um exame de acesso ao exercício da profissão em Portugal. Proibir o exercício da profissão não vai resolver nada.

Qual o balanço que faz do ano de mandato da Senhora Bastonária?

Tem sido um mandato com muitos conflitos e acentuando divisões dentro da classe, entre as sociedades e a prática individual / apoio judiciário. A luta terá de ser contra aqueles que são os verdadeiros adversários da advocacia e contra os verdadeiros ataques à profissão, como a LAPP e a alteração aos Estatutos – já para não falar no tema da proteção social dos advogados. E nestes combates só podemos ganhar se estivermos unidos. Ora, sucede que os resultados foram inconsequentes.

A política de radicalização que a Senhora Bastonária protagonizou, infelizmente, não deu resultados. Importa unir a classe, trabalhar para criar melhores condições para o exercício da advocacia e de representatividade da profissão.

Esse trabalho não pode ser feito contra os associados e muito menos contra tudo e todos. Uma ordem não é um sindicato (com todo o respeito pelos sindicatos, pois têm funções distintas) e a Ordem dos Advogados, pela sua especificidade, tem de assumir o perfil que lhe é natural.

Que balanço faz enquanto líder do CRL da OA?

Foi um ano desafiante, em que consolidámos uma série de ferramentas de apoio ao trabalho dos Colegas.

Continuámos a aposta na digitalização e na criação de canais para facilitar processos e procedimentos e levámos o desafio da formação para patamares superiores (por exemplo, com protocolos e parcerias com universidades e serviços públicos).

O Conselho Regional assumiu-se, com os meios de que dispõe, como um prestador de serviços aos Advogados. O trabalho feito está em rede, ao dispor de todos os Advogados e pretende constituir uma rede de apoio para todos os Advogados.

Por outro lado, e na medida das nossas possibilidades de intervenção, batalhámos pela defesa da classe relativamente às grandes questões que afetam a Advocacia, como o impacto da LAPP e da alteração dos Estatutos, incluindo o trabalho profundo de debate e esclarecimento que fomos fazendo com os partidos com assento parlamentar.

Concretizámos iniciativas de diálogo, reflexão e estudo, com participação de todos os que estão na área da justiça e do Direito, em clima de respeito mútuo e de solidariedade institucional.

Tem sido um mandato (da bastonária) com muitos conflitos e acentuando divisões dentro da classe, entre as sociedades e a prática individual / apoio judiciário. A luta terá de ser contra aqueles que são os verdadeiros adversários da advocacia e contra os verdadeiros ataques à profissão, como a LAPP e a alteração aos Estatutos – já para não falar no tema da proteção social dos advogados. E nestes combates só podemos ganhar se estivermos unidos. Ora, sucede que os resultados foram inconsequentes.

João Massano

Pensa candidatar-se a bastonário dos Advogados?

Cada coisa tem o seu tempo. Neste momento, estou concentrado nas minhas funções no CRLisboa, cuja presidência me honra muito e onde sinto que estou a contribuir ativamente para melhorar o trabalho dos meus colegas. Tenho dois anos de mandato pela frente, muitas ideias, desafios e medidas que quero desenvolver. Está comigo uma equipa coesa e dedicada. Quero continuar a desenvolver o meu trabalho como tenho feito desde o primeiro dia, com dedicação e empenho tudo fazendo para dignificar a Advocacia e melhorar as condições de exercício da atividade dos advogados e advogadas.

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