Michael Considine, que representa o Departamento de Energia no poderoso Comité de Investimento Estrangeiro, sublinhou ao ECO a importância de a EDP escolher um 'chairman' de perfil empresarial.
Quando Michael Considine esteve em Lisboa em outubro de 2019, a OPA da China Three Gorges à EDP acabara de fracassar. O vice-secretário Adjunto do Departamento de Energia, representante desse ministério no CFIUS (sigla em inglês para o Comité de Investimento Estrangeiro nos EUA) aproveitou nessa altura para sublinhar que aquele insucesso não era motivo para os EUA deixarem de monitorizar o investimento chinês na energética portuguesa, que é uma das líderes nas renováveis no outro lado do Atlântico.
De regresso a Portugal na semana passada, explicou em entrevista exclusiva ao ECO que os EUA continuam a olhar para o assunto, mas agora com enfoque nas mudanças que vêm aí no Conselho Geral e de Supervisão (CGS), especialmente com a substituição de João Talone, que optou por não avançar para um segundo mandato como chairman.
Considine vincou que é importante a EDP atrair o tipo certo de pessoas, “com o perfil adequado de experiência económica e empresarial”, por “oposição ao perfil político ou para algo que teria outro objetivo“. Nesse sentido, os EUA veem como positiva a contratação de uma consultora externa pelos acionistas para assessoria na escolha dos membros do CGS, pois ajudará a “permitir transparência e garantir que se mantém a experiência profissional centrada no negócio”.
A visita incluiu também reuniões com a Galp Energia, para a qual Considine identifica “enormes oportunidades” nos EUA, especialmente na área do hidrogénio, no qual o país está a dar os primeiros passos.
Qual é o objetivo da sua visita a Portugal neste momento, que objetivos tem, qual tem sido a agenda e os resultados até agora?
Semelhante à última vez que cá estive. O meu papel no Departmento de Energia [equivalente a um Ministério da Energia] centra-se principalmente na avaliação do investimento estrangeiro. Tenho passado a maior parte do meu tempo, nos últimos 4 ou 5 anos, a trabalhar com parceiros e aliados na Europa e a falar sobre o valor do controlo do investimento estrangeiro, o que este traz a um governo em termos de valor acrescentado como ferramenta de regulação. É esse o meu principal objetivo aqui. Obviamente, no meu portfólio, isso é ter essas conversas no contexto de questões que surgem sobre o investimento direto estrangeiro no setor da energia. Por isso, essa é sempre uma parte importante da conversa.
Com quem é que se reuniu?
Em todas as minhas viagens e na minha viagem aqui agora, em Lisboa, é obviamente uma combinação de reuniões com pessoas do setor governamental. Em particular, pessoas do setor do ambiente e da transição energética. Mas também passo a mesma quantidade de tempo, se possível, a falar com o setor privado. Falo com algumas das grandes empresas portuguesas e com as empresas que conhecemos bem nos Estados Unidos. São importantes para nós em termos de investimento no setor da energia nos EUA.
Quais foram algumas das conclusões? Qual foi a sensação que retirou daqui?
Esta foi uma altura importante para poder regressar a Portugal. Tenho passado muito tempo na Europa, sobretudo nos últimos dois anos, e tenho visto a tendência que se está a verificar na Europa em termos de diferentes países que estão a criar regimes de screening, ou avaliação, do investimento estrangeiro. Penso que era importante regressar a Portugal e continuar a transmitir essa mensagem. É obviamente uma altura importante em que Portugal está prestes a fazer a ter umas eleições importantes. Esta não será a minha última visita. É provavelmente a sétima vez que venho a Portugal ao longo dos anos e vejo que isso vai continuar no futuro. Sempre tivemos uma ótima relação de trabalho sobre estes temas em Portugal, tanto com o Governo como com o setor privado.
Para o Governo, como referiu, é uma altura complicada porque o primeiro-ministro teve de se demitir devido a um caso ligado a suspeitas de irregularidades, incluindo no setor da energia. Além disso, há outras questões, como um grande centro de dados que tem envolvimento americano. Isso afetou de alguma forma as suas reuniões?
Na verdade, diria que não, no sentido de isso ser um tema de conversa. Falar sobre a importância de promover a análise do investimento direto estrangeiro, porque consideramos que é uma ferramenta regulamentar útil, essa tem sido uma conversa constante e temos tido a possibilidade de manter esse diálogo aqui em Portugal ao longo dos anos. Por isso não vejo que haja qualquer tipo de interrupção. Continuamos a poder dialogar nesta viagem e espero que possamos continuar esse diálogo com o novo governo.
Reuniu-se com outras partes envolvidas nas eleições, para além do governo?
Normalmente não me envolvo em reuniões a nível de partidos políticos, sobretudo sendo eu um funcionário público e não tendo um papel político.
Mas olhando para o futuro, vai haver outro governo.
Pode haver, mas é exatamente isso que vou fazer, vou esperar para ver o que acontece e esperar para ver qual é a formação do novo governo. E depois é com esse governo que iremos interagir.
Em 2019, aquando da sua última visita, disse que os EUA ainda estavam a monitorizar a influência chinesa no setor da energia, nomeadamente na EDP, que foi o maior caso na altura, porque houve uma oferta pública de aquisição da China Three Gorges, que acabou por não resultar. Os chineses ainda têm uma participação de 20,86% na EDP, que é uma empresa que está a crescer e a crescer nos EUA durante esta administração Biden. Continua a acompanhar a situação? Falou com a EDP sobre o assunto? Ou com o Governo?
Sim, a EDP é sempre um assunto. A EDP é um dos investidores mais significativos, é certamente um dos principais investidores portugueses nos EUA, e um investidor significativo no setor das energias renováveis nos EUA. Temos uma relação de trabalho muito, muito boa com a EDP, especialmente com a EDP North America Renewables. Isso continua até agora. E obviamente que essa boa relação de trabalho que temos com eles é no contexto de continuarmos a monitorizar qual é a presença da China Three Gorges na EDP, e isso obviamente sempre foi uma preocupação nossa. Isso continua a ser algo que observamos e monitorizamos. Sabe, particularmente neste momento eu olho para isso no contexto de a EDP estar a olhar para algumas potenciais mudanças de governance no board. Portanto, é algo que obviamente vamos analisar, como algo a continuar a monitorizar. Estou muito satisfeito por ver que a EDP contratou uma consultora externa que vai ajudar no processo de garantir que quaisquer alterações ao governance da EDP vão atrair o tipo certo de pessoas, que teriam o tipo adequado de experiência económica e empresarial, que seria uma boa escolha para garantir que se mantém a transparência e o nível certo de direção no conselho de administração.
Estamos a falar do posição de chairman da EDP, que está aberta neste momento. O atual presidente do Conselho Geral e de Supervisão não vai continuar e foram avançados alguns nomes como potenciais substitutos. Mas a perceção que temos aqui em Portugal é que o presidente da EDP é normalmente nomeado ou recomendado pela China Three Gorges.
Penso que é exatamente por isso que a EDP contratou uma entidade externa independente para ajudar na procura de executivos, para encontrar a liderança certa. Ao fazê-lo, penso que isso vai permitir este nível de transparência para garantir que se mantém a experiência profissional centrada no negócio.
Por oposição ao perfil geopolítico?
Exatamente. Político ou para algo que seria para outro objetivo.
Relativamente à evolução geral da EDP nos Estados Unidos, como é que o governo americano a vê? Tem estado a crescer significativamente. Que oportunidades vê para este setor?
Estamos a observar a EDP nos Estados Unidos a continuar a expandir a sua carteira em todos os diferentes setores das energias renováveis. Continuam a fazer novos projetos no setor solar, novos projetos no setor eólico, envolvendo-se agora no setor eólico offshore, que é provavelmente uma das áreas de crescimento mais rápido nos EUA, certamente uma das áreas em que a EDP desempenha um papel realmente significativo. E nós temos muito menos experiência, francamente, nos Estados Unidos em matéria de energia eólica offshore. Por isso, atrair a EDP, ter a EDP como uma espécie de investidor estratégico nos EUA, particularmente nessa área, é muito importante para nós.
Para empresas como a Galp, vejo uma enorme oportunidade nos EUA.
Que outras empresas visitou? O antigo CEO da Galp, Andy Brown, disse há dois ou três anos que o mercado dos EUA era interessante. É uma empresa petrolífera que está em transição. Conversou com a Galp?
Sim. Tive conversas com a Galp aqui e penso que há oportunidades significativas. A Galp está obviamente a expandir o seu portfólio em termos do tipo de coisas em que está interessada. Começaram a procurar áreas na cadeia de valor das baterias. Têm um interesse no mercado do hidrogénio. O hidrogénio é um tema quente aqui na Europa, o hidrogénio é um tema importante nos Estados Unidos, faz parte da solução da transição energética. Por isso, considero que esta é uma área onde existem potenciais oportunidades. Penso que estamos numa fase inicial, estamos a analisar muito nos EUA neste momento em termos de como vamos construir a infraestrutura do hidrogénio. E do ponto de vista do Departamento de Energia, ainda estamos a despender muitos esforços, analisando quais as tecnologias que serão mais importantes na cadeia de valor do hidrogénio. Por isso, também fazemos muito no domínio da investigação e desenvolvimento. Mas sim, para empresas como a Galp, vejo uma enorme oportunidade nos EUA.
Como é que se processaria a vossa avaliação da Galp, uma vez que a empresa é detida em cerca de um terço por um grupo empresarial português, mas que também tem o envolvimento da Sonangol, uma empresa petrolífera angolana. É este o tipo de filtro que deve ser analisado antes da aprovação dos projetos?
Hipoteticamente, qualquer investimento que entre nos Estados Unidos, se atingir o limiar de jurisdição em que o Comité de Investimento Estrangeiro teria de o analisar, nós analisamos cada transação caso a caso. Portanto, analisamos as coisas com base nos méritos da transação que foi apresentada à comissão. E isso é feito num processo aberto e transparente. É muito baseado em regras. Terá muitos fatores em consideração. Quando olhamos para qualquer tipo de investimento que entra nos EUA e que é apresentado ao Comité de Investimento Estrangeiro, o foco é muito restrito. Por isso, as únicas questões que preocupariam a comissão seriam se houvesse algo que se elevasse ao nível de um interesse de segurança nacional. Não somos uma autoridade de concorrência. Não analisamos os postos de trabalho. Não analisamos outros aspectos. Não se trata de uma determinação de interesse nacional. É simplesmente uma questão de segurança nacional. Trata-se, portanto, de um objetivo restrito.
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“EUA estão a monitorizar potenciais mudanças no ‘board’ da EDP”
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