Partidos respondem à crise na habitação mas apenas a curto prazo
Promotores, inquilinos, proprietários e mediadores imobiliários apontam que entre o leque de propostas nos programas eleitorais há falta de medidas estruturais para a crise na Habitação.
- O ECO vai divulgar 5 séries semanais de trabalhos sobre temas cruciais para o país, no período que antecede as eleições legislativas de 10 de março. Os rendimentos das famílias, o crescimento económico, a crise da habitação, o investimento em infraestruturas e os problemas da Justiça vão estar em foco. O ECO vai fazer o ponto da situação destes temas, sintetizar as propostas dos principais partidos e ouvir a avaliação dos especialistas.
Os seis programas eleitorais dos principais partidos que estão na corrida às urnas para as legislativas apontam algumas soluções para a crise na habitação, mas apenas a curto prazo e estão longe de captarem uma mudança estrutural para resolver a falta de casas a preços acessíveis no mercado.
Esta é a conclusão que as várias estruturas do setor — promotores, proprietários, inquilinos e imobiliárias — apontam ao ECO, após analisarem as propostas dos partidos, numa altura em que os líderes estão na reta final dos debates televisivos e já se sentem as turbinas da campanha a trabalhar.
Se, por um lado, os promotores, os proprietários e as imobiliárias se revêm mais nas propostas dos partidos da direita, sobretudo na Aliança Democrática (coligação composta pelo PSD/CDS/PPM) e no Iniciativa Liberal, os inquilinos consideram que são as medidas da esquerda — PS, BE e CDU — que dão uma resposta mais “estrutural” para a crise na habitação.
Mas há uma linha comum a todo o setor. Nenhum partido apresentou medidas “robustas” que a longo prazo resolvam a falta de casas no mercado a preços acessíveis.
“Dentro das várias propostas dos partidos há medidas que são a solução de um problema, mas não digo que sejam a resposta. Sozinhas não resolvem o problema. É preciso um conjunto de soluções para resolver o problema do acesso e trazer quem está fora do mercado, aumentar a oferta e a confiança a quem pode investir no mercado de arrendamento”, salienta ao ECO Hugo Santos-Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII).
Para haver casas acessíveis para os portugueses é preciso retirarmos a bruta carga fiscal que incide sobre a construção de uma casa.
O representante dos promotores vinca que “é preciso coragem política”, esquecer a “demagogia” e “ideologia” sobre a habitação para avançar com um “pacto de regime a dez anos entre os partidos do arco da governação” e com um “choque fiscal” onde cabem o alívio do IVA para 6% na construção, a isenção do IMT e do imposto de selo para os jovens ou o fim do AIMI (adicional ao IMI) que é “uma aberração fiscal”, sublinha Hugo Santos-Ferreira, que garante que sem estas medidas “não haverá casas que os portugueses possam pagar” — medidas elencadas nos programas da AD e do Iniciativa Liberal.
Isto porque, acrescenta ainda o presidente da APPII, o que “encarece uma casa é a carga fiscal, o atraso nos licenciamentos e os terrenos que chegam hoje ao mercado que são caros”. Por isso, “para haver casas acessíveis para os portugueses é preciso retirarmos a bruta carga fiscal que incide sobre a construção de uma casa”, defente Hugo Santos-Ferreira.
Também os proprietários consideram que “a generalidade das propostas demonstra que os partidos não conhecem a realidade do setor” e Luís Menezes Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), defende que a crise na habitação resulta da “falta de oferta para a procura existente”.
Medidas como a garantia do Estado no crédito à habitação (prevista pelo PS e pela AD) ou os subsídios para os inquilinos só fazem aumentar a procura de imóveis e não a oferta, colocando assim ainda mais pressão sobre os preços do arrendamento e venda da habitação.
Para o representante dos proprietários este é um problema que “só se resolve aumentando a oferta” dos proprietários privados “que representam 98% da habitação no país”. Menezes Leitão considera, inclusive, que, mesmo que a oferta pública suba 150% com os “enormes custos que isso representa, continuaria a deixar 95% da oferta nas mãos dos proprietários privados, pelo que não resolve nada e muito menos aqueles que são os problemas urgentes de quem não tem uma casa para habitar”.
Além disso, avisa o presidente da ALP, medidas como a garantia do Estado no crédito à habitação (prevista pelo PS e pela AD) ou os subsídios para os inquilinos só “fazem aumentar a procura de imóveis” e “não a oferta”, colocando assim “ainda mais pressão sobre os preços do arrendamento e venda da habitação”.
Num cenário de escassez habitacional é manifestamente absurdo a aplicação de tetos às rendas porque são políticas que tendem a deteriorar o parque habitacional, promovem a economia paralela e desencorajam a alocação de casas ao mercado do arrendamento.
Do lado dos inquilinos, Luís Mendes, dirigente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), vê como “favoráveis” todas as propostas, mas considera que são as dos partidos da esquerda que são “mais exequíveis” e que resolvem o problema de forma estrutural, destacando a medida do PS e da CDU que “apela ao alargamento da oferta pública de habitação” assim como “a posse administrativa das casas devolutas”, sobretudo as do Estado.
Já as medidas inscritas nos programas dos partidos de direita, o dirigente da AIL reconhece uma “linha conjuntural interessante” mas acredita que “são insuficientes” e não conseguem “resolver o problema”.
“Todas as medidas da direita são subsídios para o arrendamento, de eliminação de algum tipo de encargo fiscal ou de parcerias público privadas”, que são “interessantes mas não atacam o problema na raiz”. Sem uma regulação do mercado, a subsidiação das rendas a longo prazo é “impraticável” porque os preços “continuam a subir e continua-se a distribuir subsídios”.
Os sinais vermelhos nas propostas
O tom crítico às propostas partidárias é também referido por Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), desde logo por conta da ausência de medidas que apontem para as “isenções fiscais para novas habitações destinadas ao mercado a preços controlados”.
Ao ECO, o representante dos mediadores imobiliários diz ainda que vê com preocupação as propostas dos partidos da esquerda sobre tetos à atualização das rendas. Num cenário de “escassez habitacional” é “manifestamente absurdo” porque são políticas que “tendem a deteriorar o parque habitacional, promovem a economia paralela e desencorajam a alocação de casas ao mercado do arrendamento”.
O mercado de arrendamento é uma das poucas atividades económicas do país sem qualquer tipo de entidade regulatória. Mas há uma coisa que falta na medida do PS, que é criar um registo nacional do arrendamento.
E o mesmo dizem os proprietários que apontam que “todas as propostas de travão às rendas são preocupantes”, com Menezes Leitão a destacar a “absurda” intenção do PS de “ligar a evolução das rendas aos salários”, avisando, desde já, que se a medida avançar, “grande parte dos proprietários retiraria as suas casas do mercado” o que iria fazer com que o valor das rendas crescesse “exponencialmente”.
Apontando para a falta de uma medida que resulte na “abolição” do AIMI e da redução do IRS para todos os contratos de arrendamento, não apenas para os de longa duração, Menezes Leitão considera como positiva a intenção da AD e da IL em revogar as medidas do “Mais Habitação”, defendendo até que se deveria ir “mais longe” e revogar “todas as leis aprovadas desde 2016” no setor da habitação para adotar “leis liberalizantes no mercado de arrendamento”, acabando, por exemplo, “com os prazos mínimos de vigência dos contratos”.
Já os promotores veem com preocupação as propostas da esquerda que insiste em avançar com um “regime da expropriação à força”, lembrando que no ano passado estas intenções geraram “pânico”. “A tónica tem de ser ao contrário, tem de se convencer os proprietários a trazer os seus imóveis para o mercado” e os portugueses “têm de questionar” porque há, segundo o Censos, 350 mil fogos devolutos prontos a entrar no mercado com os proprietários a preferir ter a sua casa “abandonada sem gerar rendimento”, atira Hugo Santos-Ferreira, para quem a resposta “é simples”: “Ninguém acredita no mercado de arrendamento. As pessoas têm medo”, remata.
Por fim, os inquilinos consideram como incompleta a proposta do PS que prevê a criação de uma entidade fiscalizadora das rendas. “O mercado de arrendamento é uma das poucas atividades económicas do país sem qualquer tipo de entidade regulatória. Mas há uma coisa que falta na medida do PS, que é criar um registo nacional do arrendamento”, ou seja, uma plataforma aberta ao cidadão “onde estão elencadas todas as casas no mercado de arrendamento, quer em oferta disponível quer já contratualizadas”, que totalizam cerca de 900 mil, para tornar o mercado “mais transparente”, refere Luís Mendes, dirigente da AIL.
Sobre as propostas que fazem tocar os sinais de alerta para os inquilinos, Luís Mendes salienta a medida defendida pelo Chega que tem como intenção “abolir” totalmente o pagamento de IMT e de IMI ou de taxar os lucros extraordinários da banca para financiar programas de apoio à habitação através de uma “contribuição solidária temporária”.
“A banca não serve para esse fim, serve para gerar lucro e investimento na economia produtiva”, frisa o dirigente da AIL, lembrando que é ao Governo que cabe o papel de decidir que verba alocar, através do Orçamento do Estado, para a habitação.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Partidos respondem à crise na habitação mas apenas a curto prazo
{{ noCommentsLabel }}