Banca e o Estado responsáveis por dois terços do capital de risco
Nos últimos dez anos, foram levantados cerca de 3,4 mil milhões de fundos de capital de risco em Portugal. A banca e o Estado foram responsáveis por mais de dois terços dos fundos levantados.
Uma indústria com elevado potencial e crescimento, elevadas rentabilidades, mas com um problema estrutural ao nível das fontes de financiamento. O setor do capital de risco, que tem sob gestão cerca de 4,2 mil milhões de euros em ativos, é uma solução testada para o financiamento das empresas, mas está atrasado, sofre de uma excessiva concentração na banca e no Estado e beneficiaria de uma maior estabilidade fiscal.
A análise é feita ao ECO por Nuno Gaioso, presidente da Associação Portuguesa de Capital de Risco e Desenvolvimento (APCRI), que esta terça-feira organiza um congresso onde vai ser apresentada a evolução do setor na última década. “No horizonte de uma década duplicaram os fundos e os operadores de capital de risco”, sublinhou o também fundador da Capital Criativo. De acordo com o estudo da Deloitte, que vai apresentar esta terça-feira sobre o estado e a evolução deste setor, “nos últimos dez anos, foram levantados cerca de 3,4 mil milhões de fundos de capital de risco em Portugal”, sendo que “a banca e o Estado foram responsáveis por mais de dois terços dos fundos levantados, ao contrário do que acontece na Europa”, acrescenta a consultora, no documento a que o ECO teve acesso parcial.
Nos últimos dez anos, foram levantados cerca de 3,4 mil milhões de fundos de capital de risco em Portugal. A banca e o Estado foram responsáveis por mais de dois terços dos fundos levantados.
Os dados mais recentes revelam que, no final de 2015, “os operadores nacionais de capital de risco tinham cerca de 4,2 mil milhões de euros em ativos sob gestão”, o que representa um aumento de 5,5% (218,4 milhões) face ao ano anterior. No entanto, este valor, que corresponde a 2,3% do PIB, peca por defeito. Isto porque, segundo Nuno Gaioso, se forem considerados os fundos sediados no exterior — operadores que têm veículos de investimento fora de Portugal e investidores estrangeiros que operam no país — poderá chegar aos seis mil milhões de euros.
O Relatório Anual da Atividade de Capital de Risco de 2015, divulgado em agosto do ano passado, revela ainda que o total de empresas com participações de capital de risco era de 681 e que, neste setor, operavam 34 sociedades gestoras de fundos de investimento, sociedades de capital de risco e bancos (num total de 41 sociedades).
Ultrapassar bloqueios
Apesar de estes dados revelarem uma evolução positiva de uma indústria, que tem pouco mais de duas décadas, como sublinha a Deloitte, há constrangimentos que é necessário ultrapassar.
“O nosso mercado tem tido progressos significativos (em ativos sob gestão e novos operadores), mas ainda é estruturalmente atrasado, o que está muito relacionado com a inexistência de financiadores e com alguns bloqueios na indústria doméstica. Ainda temos um trabalho longo pela frente“, sublinhou Nuno Gaioso.
"O nosso mercado tem tido progressos significativos (em ativos sob gestão e novos operadores), mas ainda é estruturalmente atrasado, o que está muito relacionado com a inexistência de financiadores e com alguns bloqueios na indústria doméstica.”
Bloqueios que passam pelas dificuldades de financiamento da atividade, demasiado concentrada no Estado e na banca. “Um dos maiores investidores do mundo são fundos de pensões. Em Portugal há muito poucos fundos de pensões e os poucos que existem investem muito marginalmente na nossa atividade. E o Fundo de Estabilização da Segurança Social não investe nesta atividade”, exemplifica. “É um constrangimento grande que temos de ultrapassar enquanto setor.”
“O mercado em Portugal é muito reduzido e conservador neste tipo de investimento”, lamenta o presidente da APCRI lembrando que a indústria de capital de risco tem, na Europa, taxas de retorno em torno dos 10%. Mas se a análise se concentrar no quartil em termos de performance, então esse retorno sobe para 20%.
"O mercado em Portugal é muito reduzido e conservador neste tipo de investimento.”
A conjuntura de descapitalização e sobre-endividamento das empresas nacionais é uma oportunidade para “robustecer a indústria que é uma parte da solução da solução da capitalização das PME portuguesas”, defende Nuno Gaioso. “As empresas têm dívida a mais e capital a menos“, diz.
Políticas públicas podiam fazer mais
Questionado sobre se o programa Capitalizar poderia ter feito mais para dinamizar esta indústria, o responsável admite que, “do ponto de vista das políticas públicas, há muito mais que se pode fazer” e que “a oferta disponível em Portugal ainda é muito reduzida”. Nuno Gaioso lembra o peso dos fundos de reestruturação nos 4,2 mil milhões de ativos sob gestão, “fundos importantes, mas que cobrem apenas uma franja do mercado — empresas a precisar de reestruturação financeira”. “Há hoje franjas de mercado que não estão cobertas, franjas muito significativas e para as quais não há fundos com capacidade“, acrescenta.
"Do ponto de vista das políticas públicas, há muito mais que se pode fazer. A oferta disponível em Portugal ainda é muito reduzida.”
A Instituição Financeira de Desenvolvimento, mais conhecida por banco de fomento, assume aqui um papel relevante. Nuno Gaioso lamenta o facto de, até agora, só ter sido aberto um concurso, num montante muito inferior aos 750 milhões de euros que lhe estão inicialmente destinados.
A IFD lançou um concurso para Business Angels que já está no terreno e um outro para capitais de risco, cujos fundos ainda não foram constituídos. Um atraso que Nuno Gaioso lamenta, porque os 750 milhões que a IFD tem para investir resultam dos fundos comunitários que têm de ser investidos até 2020. O responsável defende que o Estado, “dentro da sua capacidade de investimento”, tem de “criar instrumentos que incentivem os investidores privados a coinvestir”. Mas também tem de ser mais rápido a colocar esse capital nas entidades gestoras, acrescenta.
A reprogramação do Portugal 2020 e a possível redução dos montantes reservados para os instrumentos financeiros também é vista pelo gestor com preocupação. E, para aqueles que apontam o dedo à capacidade do mercado absorver estas verbas, Nuno Gaioso apenas diz: “Com a dimensão da subcapitalização e do endividamento que têm as empresas portuguesas, se não há absorção de recursos para investimento é porque há uma segmentação errada ou porque a formatação desses recursos não está bem feita”.
"Com a dimensão da subcapitalização e do endividamento que têm as empresas portuguesas se não há absorção de recursos para investimento é porque há uma segmentação errada ou porque a formatação desses recursos não está bem feita.”
O responsável sublinha a necessidade de “cobrir os vários segmentos” do mercado, isto porque a IFD disponibilizou investimentos com um limite máximo de dez milhões de euros e “há fundos que podem ter uma dimensão de 5, 20 outros 50 outros 100”. “É uma função do Estado utilizar alguns desses recursos para estimular o coinvestimento com o setor privado quer para estimular segmentos diferentes de procura, de mercado”, frisa.
Tratamento fiscal mais vantajoso
Para estimular esta indústria, o Estado poderia ainda agir do ponto de vista fiscal. Nuno Gaioso não só defende uma maior estabilidade, como sugere um tratamento mais benéfico para os operadores de capital de risco.
“Poderia ter muito interesse ter um sistema fiscal mais atrativo. Temos um problema de estabilidade fiscal“, diz o responsável. “Muitos investidores não olham para a nossa jurisdição porque temem a alteração sistemática das regras. E preferem jurisdições menos vantajosas mas com uma maior estabilidade fiscal, isto porque os fundos investem a dez a 12 anos”, justifica.
Por outro lado, haveria vantagens em não ter um regime de tributação das sociedades gestores igual a qualquer ao da generalidade das empresas, como acontece em Portugal. Nuno Gaioso lembra que, noutros países, esse regime é mais atrativo.
O que é o Capital de Risco?
O Capital de Risco é uma forma de investimento, que visa financiar empresas, apoiando o seu desenvolvimento e crescimento constituindo uma das principais fontes de financiamento para jovens empresas, ‘startups’ e investimentos de risco com elevado potencial de rentabilização, dado que proporciona às empresas meios financeiros estáveis para a gestão dos seus planos de desenvolvimento.
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