Insatisfeitos, pouco politizados, jovens e mulheres. Indecisos de hoje são diferentes das últimas eleições
Partidos lutam pelo voto de um eleitorado que se mostra mais maleável e só decidirá o sentido de voto na véspera. Hoje são quase 20%. Em 2022, maioria deste eleitorado votou PS.
A poucos dias das eleições legislativas, já é possível traçar um retrato dos indecisos. São jovens, tendencialmente mulheres, sem filiação partidária, e insatisfeitos com a democracia e as instituições em Portugal.
Embora os dados sobre estes eleitores ainda sejam escassos – informações mais concretas tendem a surgir apenas após as eleições – esta realidade diverge da vivida em 2022 e apurada depois da ida às urnas. Naquela altura, os jovens entre 25 e 44 demoraram mais tempo a decidir em quem iam votar, eram tendencialmente homens e inclinados mais à direita no espetro ideológico. Hoje não existem muitas diferenças entre o nível de habilitações dos indecisos, mas nas últimas eleições quem decidiu mais tarde o sentido de voto tinha um maior grau académico. E a nível de rendimentos, não há diferenças significativas entre quem tem um nível de dificuldade maior ou menor em relação ao rendimento que dispõe.
O retrato é traçado por Hugo Ferrinho Lopes, investigador de doutoramento em Política Comparada no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa ao ECO, no qual ressalva que nesta fase os dados são preliminares, dificultando a comparação entre estes dois eleitores. Mas já é possível juntar algumas peças.
Na sondagem do ICS/ISCTE para o Expresso e a SIC, divulgada a 1 fevereiro, o retrato apurado pelo estudo de campo não fugia muito à descrição do politólogo. Atualmente, a maioria dos indecisos são mulheres, entre os 35 e os 64 anos, com menor escolaridade e com dificuldades em sobreviver com os atuais rendimentos.
Outra informação relevante, é que a taxa de indecisos hoje parece não fugir muito à obtida em 2022. Numa sondagem da Universidade Católica para o Público, RTP 1 e Antena 1, divulgada a 13 de janeiro de 2022, antes das últimas eleições legislativas, os indecisos representavam 19% dos inquiridos.
Mas independentemente dos valores, estes indecisos voltam a representar uma oportunidade para os partidos, tanto os que lutam por uma maioria absoluta, como por uma maioria à esquerda ou à direita, ou pela sobrevivência do partido no Parlamento.
“A grande maioria do eleitorado indeciso em 2022 acabou por votar no Partido Socialista”, aponta o Hugo Ferrinho Lopes ao ECO.
Nesse ano, nenhuma das sondagens indicava que o partido liderado na altura por António Costa venceria as eleições com maioria absoluta (41,6%). Nesse ano, face a 2019 (5 milhões), votaram mais 300 mil pessoas (5,3 milhões). Mas segundo o investigador, “o facto de as eleições serem percecionadas pelos eleitores como muito competitivas” – ou seja, com um vencedor imprevisível entre os dois maiores partidos – “levou a um efeito de mobilização às urnas e de voto estratégico, do qual o PS foi o principal beneficiário”.
Este ano, as intenções de voto apuradas através das sondagens também não vislumbram um futuro claro, ainda que segundo o politólogo, os debates tenham tendência a esclarecer os eleitores. Ao todo foram 30 frente-a-frente – 28 opondo dois líderes partidários e dois com todos os partidos, um na televisão e outro na rádio.
Segundo Hugo Ferrinho Lopes existem investigações que comprovam “que a exposição a debates entre candidatos têm um impacto no comportamento eleitoral”, e em alguns casos, os debates podem mesmo “mobilizar os indecisos para as urnas, em particular, aqueles que não se identificam particularmente com nenhum partido político”.
Ainda assim estas eleições “aparecem também com um resultado incerto, uma vez que os dois principais partidos têm resultados dentro de uma margem de erro coincidente, pelo que pode haver incentivos para uma repetição do mesmo fenómeno”, aponta.
A última pesquisa de campo realizada pela Universidade Católica para a RTP 1, Antena 1 e Público, divulgada a 29 de fevereiro, indicava que 25% da população inquirida admite que marcaria um X na coligação Aliança Democrática (AD) no boletim de voto a 10 de março — menos dois pontos percentuais face ao último inquérito. O PS surgiu em segundo lugar, com 20% de intenções de voto. O Chega aparece como terceira força política com 14%, seguindo-se a IL, BE, Livre, CDU e PAN. Nesta sondagem, 20% dos eleitores ainda estavam indecisos sobre em quem votariam.
Por seu turno, a sondagem realizado pelo ICS/ISCTE para o Expresso e SIC faz o mesmo retrato das intenções de voto: AD recolhe 21% das intenções de voto estando o PS com um ponto percentual de diferença (20%). O partido de André Ventura volta a aparecer como terceira força política com 12%, seguindo-se a IL, BE, CDU, Livre e PAN. Neste inquérito, a taxa de indecisos é de 18%, com a maioria (73%) a garantir que vai votar no dia 10 de março.
Mas há dois dados adicionais que resultam desta última sondagem que contribuem para a elevada imprevisibilidade desta eleição. O primeiro: um em cada quatro (24%) dos inquiridos não deu a “certeza de ir votar”, e 22% dos eleitores que já escolheram o seu voto admitem que a sua escolha não é ainda “definitiva”.
Convertendo as intenções de voto da primeira sondagem em estimativas de resultados eleitorais, estas percentagens traduzir-se-iam numa vitória da AD com 33% dos votos, com PS a recolher 27% dos votos. Na segunda sondagem, o panorama é o mesmo: 31% para a AD e 30% para o PS.
Tanto Luís Montenegro, líder da coligação da Aliança Democrática, como Pedro Nuno Santos, líder do PS, encararam esta quinta-feira os resultados com “humildade democrática“, desvalorizando a sua importância face a resultados eleitorais anteriores. Mas para Ferrinho Lopes “é expectável que uma parte muito substancial do eleitorado indeciso acabe por optar por um dos dois principais partidos”.
Mas os resultados após esta conversão conferem pouca confiança, de acordo com os politólogos ouvidos pelo ECO. Não só porque ainda vamos a meio da campanha eleitoral, mas também porque o próprio perfil dos indecisos divide-se em, pelo menos, duas categorias: os que recolhem informação até ao último instante para decidir em quem votar, e os voláteis que não votam em função de um partido ou força política, mas em função da conjuntura. Ou seja, até ao último dia de campanha, os partidos “vão jogar no tabuleiro dos indecisos”, retrata Paula Espírito Santo, cientista política e investigadora no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP).
“Isto aumenta o jogo e a fasquia, os partidos têm que se esforçar mais. E têm que ser também muito mais competitivos e corretos na relação com o eleitorado sob pena ou deles fugirem para a abstenção ou para outro partido”, conclui Paula Espírito Santo.
Em todos os casos, garante a especialista, “estes indecisos votam sempre”, não contribuindo para a abstenção. Num estudo pós-eleitoral do ICS e do ISCTE para o Expresso, revela que 14% dos inquiridos decidiram o seu voto só no dia das eleições, 9% duas semanas antes das eleições, quando arrancou a campanha eleitoral, e 7% um mês antes das eleições.
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