Construção é o único setor que ainda não recuperou da troika
Os serviços, a agricultura e a indústria conseguiram recuperar a riqueza que produziam em 2011. O setor da construção ainda não e os economistas preveem que isso não aconteça.
O setor da construção está a recuperar. Mas ainda está longe de chegar aos níveis atingidos durante a década passada, período em que as obras públicas ajudaram o setor. Mesmo com o PIB a crescer 2,8% — a taxa de variação mais elevada desde 2007 — e com o investimento na construção a recuperar, a construção não é a mesma. O peso que tem no PIB está abaixo do verificado em 2011 e, em comparação com os outros setores detalhados pelo INE no destaque das Contas Nacionais Trimestrais divulgadas esta quarta-feira, é o único que ainda não recuperou os valores de 2011.
Com a passagem do milénio, o setor da construção passou a produzir riqueza na economia portuguesa no valor de 2.000 milhões de euros. Em 2000, o peso da construção no PIB, na ótica da produção, estava nos 7,7%. Até ao quarto trimestre de 2007 — o pico de valor acrescentado bruto da construção — o setor continuou a crescer até aos 2.685 milhões de euros. Contudo, já nesse máximo o peso no PIB é menor, fixando-se nos 6,9% em 2008.
A partir desse ano, o setor da construção começou a contrair-se. Foi em 2012, do primeiro trimestre para o segundo trimestre, que o setor deixou a fasquia dos 2.000 milhões de euros. A crise e a intervenção da Troika acentuaram a queda, levando a riqueza produzida pelas construtoras para níveis do século passado.
Depois de alguns solavancos entre 2014 e 2016, o final do ano passado foi decisivo para a recuperação do setor. Os economistas contactados pelo ECO referem a reabilitação urbana, a pressão do turismo na construção civil e o aumento dos preços do imobiliário como os motores dessa recuperação, face a um passado que foi feito essencialmente de grandes obras públicas e estradas.
Em termos de peso do PIB, vai ser difícil de atingir o peso de antigamente.
Chegados ao presentes, os números são claras: o peso da construção no PIB está agora nos 4,2%, valores aquém do que se verificava em 2011, ano em que o peso era de 5,6%. “Em termos de peso do PIB, vai ser difícil de atingir o peso de antigamente”, prevê Filipe Garcia, economista do IMF, ao ECO. Porquê? “Não se pode comparar com antigamente porque não anda ninguém a construir autoestradas ou viadutos“, responde.
A compensar a recuperação lenta da construção estão os outros setores. Segundo a página 10 do destaque do INE, em que este analisa o PIB a preços de mercado na ótica de produção, eis os pesos dos outros setores: serviços (75%); indústria, energia, água e saneamento (18,6%); agricultura, silvicultura e pesca (2,2%). Em termos de valor, todos estes três setores aumentaram face ao primeiro trimestre de 2011.
Os casos mais expressivos são os dos serviços e da indústria, energia, água e saneamento: estes dois setores ultrapassaram a crise, recuperaram o que perderam e conseguiram aumentar praticamente mil milhões de euros em riqueza produzida. O setor da agricultura, silvicultura e pesca recuperou, mas de forma mais tímida, tendo perdido parte dessa recuperação nos últimos trimestres.
Ainda assim, o setor da construção está a recuperar e as variações positivas são expressivas. Contudo, têm de ser levadas com cautela: as taxas de variação verificadas atualmente no setor — o VAB do ramo da Construção também acelerou, passando de um crescimento de 1,6% no 4º trimestre de 2016 para 7,4% no 1º trimestre — beneficiam de uma base de comparação baixa, dada a queda acentuada que se verificou no início de 2016.
Parte da recuperação poderá vir a partir do atenuar do corte no investimento público, nomeadamente com o aeroporto do Montijo, com a expansão do metro de Lisboa e — de forma mais imediata — com as eleições autárquicas deste ano, apontam os mesmos economistas. O próprio presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, Reis Campos, explica ao ECO que, “nas obras de engenharia, ou obras públicas, é onde se nota, nos três primeiros meses do ano, que houve uma melhoria”. Ao mesmo tempo, alerta: “Não acho que haja motivos para euforia”.
Já o presidente da Associação de Empresas de Construção e Obras Publicas e Serviços refere ao ECO que o “setor está melhor no seu todo, mais baseado na questão das perspetivas do que numa realidade muito consolidada“. Ricardo Gomes diz existirem duas realidades: “Uma ao nível da construção civil com empresas mais pequenas em que se nota uma dinâmica real e forte” e outra “ao nível das infraestruturas, onde a dinâmica é ainda fraca”.
Não acho que haja motivos para euforia.
Ainda assim, no geral, para o economista Filipe Garcia “é evidente que se começa a notar uma alteração dramática” face ao período de crise. Isto verifica-se não só pela dinâmica do próprio setor imobiliário, mas também pela “maior vontade” que se começa a verificar no setor bancário para, dentro da sua disponibilidade, emprestar mais dinheiro a projetos de construção, assinala Filipe Garcia.
Essa tendência verificou-se realmente do lado do investimento no primeiro trimestre deste ano: “A FBCF em Construção foi a componente que mais contribuiu para o crescimento da FBCF no 1º trimestre, registando um aumento homólogo de 8,5% em termos reais (1,5% no trimestre anterior)”, explica o INE nas Contas Nacionais Trimestrais divulgadas esta quarta-feira.
Em parte, este valor pode também ser explicado pelo aumento de 25% do investimento público no primeiro trimestre de 2017, um ano marcado por eleições autárquicas a 1 de outubro. As taxas de variação do investimento público têm sido mais expressivas na administração regional e local, traduzindo-se assim em maior despesa das autarquias num ano em que vão a votos, segundos os dados de execução orçamental divulgados pela Direção-Geral do Orçamento.
De ressalvar que, caso a comparação seja feita com um nível de desagregação maior, separando a ‘indústria’ da ‘energia, água e saneamento’ ou os vários tipos de serviços, é possível chegar a conclusões semelhantes à do setor da construção relativas à evolução do valor acrescentado bruto desde o período de crise.
(Atualizado às 19h45 com a ressalva de que os números utilizados são os que o INE agrega, no destaque, em quatro setores: ‘agricultura, silvicultura e pesca’; ‘indústria, energia, água e saneamento’; ‘construção’; ‘serviços’)
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