“Eleições foram um grito de mudança”, diz CEO da Sonae. “Por favor, entendam-se”, apela Cláudia Azevedo

Cláudia Azevedo vê eleitores “fartos de politiquices" e pede "políticas de futuro”. Margem de lucro no retalho alimentar volta a cair e preços podem baixar em 2024. Windfall tax contestada na Justiça.

A CEO da Sonae considera que nas eleições de domingo “os portugueses mostraram uma vontade muito grande de que as coisas mudem”. “Pelo número de pessoas que foram votar e pela forma como votaram, há um grito de mudança grande”, sublinhou Cláudia Azevedo.

“É importante, qualquer que seja a solução governativa, que haja estabilidade. É importante que os partidos percebam que as pessoas votaram [assim] porque as políticas aplicadas até hoje não trataram da sua vida. Não há razão para que os partidos não se entendam em causas fundamentais, como a Justiça ou a Educação”, apontou a empresária.

Durante a conferência de apresentação de resultados do grupo em 2023, Cláudia Azevedo interpretou o voto dos portugueses – “as pessoas votaram a dizer isto: estamos fartos de politiquices e queremos políticas de futuro” – e assinalou que, mais do que o cenário de Portugal estar sempre em eleições, preocupa-a “a falta de políticas de futuro para Portugal”.

Cláudia Azevedo, CEO da SonaeRicardo Castelo/ECO

Apontando que “a carga fiscal sobre as pessoas e as empresas é excessiva” em Portugal, particularizou o caso da taxa sobre os lucros extraordinários da distribuição que “ainda faz menos sentido”. A dona do Continente apurou perto de 1,3 milhões de euros a pagar no âmbito da chamada contribuição de solidariedade temporária, mas João Dolores, administrador financeiro, disse que o grupo nortenho “não [reconhece] esse conceito e [vai] naturalmente contestar o pagamento deste montante”.

“Se investimos 600 milhões de euros, é óbvio que vamos ter mais lucros. Taxar o desenvolvimento de empresas portuguesas parece-me que não faz sentido. Pelo contrário. Este ecossistema é muito virtuoso. Devíamos ter mais empresas portuguesas a pagar impostos, um número que é muito baixo. [Esta taxa] não transmite um ambiente saudável porque são as empresas que criam riqueza e emprego. É preciso estabilidade para Portugal crescer e criar riqueza”, resumiu Cláudia Azevedo.

Margem líquida no retalho alimentar voltou a cair

Na ressaca de um ano em que as vendas da Sonae aumentaram 9,2% e o EBITDA cresceu “um bocadinho menos” — 7,2%, para 990 milhões de euros — do que o volume de negócios porque “quase todos os custos aumentaram muito”, Cláudia Azevedo admite que o grupo sentiu “alguma pressão na rentabilidade, mas [tem] orgulho em fazer este crescimento saudável”.

Em 2023, o volume de negócios da Sonae superou os 8,4 mil milhões de euros, impulsionado principalmente pelo “crescimento da MC (dona do Continente) que, perante o “contexto inflacionista desafiante e competitivo”, conseguiu reforçar a sua posição de liderança no mercado português de retalho alimentar.

“O aumento do volume de negócios não vem do nada. Continuámos a investir a níveis altíssimos e fizemos várias aquisições. Se com o crescimento do investimento não aumentássemos o volume de negócios seriamos maus gestores. E não somos”, resumiu Cláudia Azevedo. O investimento progrediu de 634 milhões em 2022 para 665 milhões em 2023, dos quais 515 milhões foram aplicados em Portugal e os restantes 150 milhões nas “novas avenidas de crescimento internacionais”.

João Dolores (CFO), Cláudia Azevedo (CEO) e João Günther Amaral (CDO) durante a apresentação de resultados da Sonae.Ricardo Castelo 13 março, 2024

No caso específico do retalho alimentar, depois de já ter caído de 3% em 2021 para 2,7% em 2022, a margem líquida voltou a baixar para 2,6% no ano passado, adiantou João Dolores, falando numa “contração ligeira” neste indicador e prometendo que a dona do Continente vai continuar a “conter os preços” para manter a liderança na grande distribuição, à frente do Pingo Doce, do Lidl, da Auchan ou da Mercadona.

“O aumento de preços [para os clientes finais] foi menos de metade do aumento de preços que nos chegou dos produtores. Houve um esforço muito grande de contenção de preços, tanto é assim que tivemos uma quebra de rentabilidade no retalho alimentar em 2023. Este é um mercado competitivo, em que tentamos oferecer o melhor preço”, acrescentou o administrador financeiro.

Fazemos um esforço enorme para termos poupanças, mas as coisas chegam-nos mais caras – e o custo da mão-de-obra também aumentou muito. Esperemos que a inflação alimentar baixe em 2024.

Cláudia Azevedo

CEO da Sonae

Questionada pelos jornalistas sobre o nível de preços praticado nos supermercados portugueses, também Cláudia Azevedo ressalvou que “o aumento de custos não é um acréscimo do nosso lucro” e assinalou que o setor do retalho alimentar em Portugal é “altamente competitivo”, não deixando, por isso, “margem para não haver uma proposta de valor muito boa para os clientes”.

“Fazemos um esforço enorme para termos poupanças, mas as coisas chegam-nos mais caras – e o custo da mão-de-obra também aumentou muito. Em 2024 há uma tendência para os preços baixarem e isso ajuda sempre. (…) Esperemos que a inflação alimentar baixe durante este ano. Mas, como vimos nos últimos anos, há sempre novidades a acontecer”, completou a CEO da Sonae.

Por outro lado, instada a comentar os protestos dos agricultores, que têm subido de tom nos últimos meses, a líder da Sonae assinalou que são “todos elos da mesma cadeia” e assegurou que o Continente tem “uma relação boa e muito saudável” com os produtores de bens alimentares. Um relacionamento que disse não ter sido afetado mesmo depois de, há um ano, as retalhistas terem sido “atacadas pelo Governo, que quis por a culpa toda da inflação” nos supermercados.

Finlandesa Musti vai continuar cotada em bolsa

Apenas dois dias depois ter concluído a oferta pública de aquisição (OPA) sobre o finlandesa Musti, com o consórcio liderado pela Sonae a assegurar 80,65% do capital da empresa nórdica de produtos para animais de estimação após o prolongamento da oferta, o administrador financeiro indicou esta quarta-feira que o grupo da Maia está “muito satisfeito” com o que atingiu nessa operação, em que o investimento rondou os 700 milhões de euros.

A Sonae vai continuar compradora para chegar aos 90% na Musti e poder retirar a empresa de bolsa? “O objetivo era ter uma posição de controlo na empresa e estar numa situação em que ela pudesse continuar a crescer e a criar valor. Esse objetivo foi alcançado. A empresa vai manter-se cotada em bolsa. No portefólio temos outras cotadas, somos bastante flexíveis; e desde que tenhamos influência e consigamos desafiar os negócios para atingir os objetivos, estamos satisfeitos”, respondeu João Dolores.

João Dolores, CFO da SonaeRicardo Castelo/ECO

A Musti foi o maior investimento da história da Sonae num único ativo. Mas o grupo controlado pela família Azevedo concretizou no último ano várias operações, como a compra da francesa do alimentar Diorren, a parceria do Universo com o Bankinter para operar no crédito ao consumo, o investimento em oito tecnológicas através da Bright Pixel (braço de venture capital do grupo) ou a compra da restante participação na Sierra (imobiliário), que detém agora a 100%.

Portugal continuará a ser a principal geografia e onde continuaremos a investir. Todos os negócios têm as condições certas para vencer isso é inegociável. Não vamos desinvestir em Portugal para investir noutros países.

João Dolores

CFO da Sonae

Neste momento, a Sonae tem em andamento o fecho do acordo para combinar a Druni e a Arenal, que ainda está a ser analisada pela Autoridade da Concorrência em Espanha e que, juntando também a Wells, vai criar o maior grupo de saúde, bem-estar e beleza na Península Ibérica. Mesmo apostado em expandir os negócios a nível internacional, o grupo garante que “Portugal continuará a ser a principal geografia e onde [continuará] a investir. “Todos os negócios têm as condições certas para vencer isso é inegociável. Não vamos desinvestir em Portugal para investir noutros países”, frisou Dolores.

Se for incluído o valor da Nos, que não consolida por completo nas contas do grupo, a Sonae atingiu 1,1 mil milhões de euros de investimento total durante o ano de 2023. E fê-lo, assinalou o CFO, “sem comprometer a solidez financeira”. A Sonae fechou 2023 com uma dívida de 526 milhões de euros (vs. 540 milhões no final de 2022), “um nível de endividamento historicamente baixo que permite olhar para o futuro com bastante ambição e ir concretizando investimentos importantes para potenciar o crescimento do grupo no futuro”.

Reclamando o estatuto de maior empregador privado do país, com 47 mil empregos diretos e 212 mil “impactados” indiretamente, assinalou que essa é “uma enorme responsabilidade” para o grupo, que no ano passado disse ter aumentado a massa salarial em 13%, “bastante acima da inflação”, com os prémios de desempenho a crescerem 10,5% de 2022 para 2023, num valor total de 85 milhões de euros. “É bom ter empresas a crescer porque pagamos mais ao Estado [impostos], aos trabalhadores e aos acionistas”.

Venda da Altice Portugal sem “grande impacto” na Nos

A CEO da Sonae abordou também o processo de venda em curso da Altice Portugal, principal concorrente da Nos, garantindo que não se espera “grande impacto” na operadora de que é acionista. “A Nos tem feito o seu caminho, um caminho bom, com subida de quota de mercado e rentabilidade”, notou.

“A Altice já era um grande player internacional. Estamos habituados, quer no Continente, quer na Worten, a concorrer com grandes players internacionais. Temos um caminho traçado e a venda da Altice não mudará isso”, notou a gestora. Em 2023, o lucro da Nos caiu quase 20%, para 181 milhões, com o dividendo a subir para 35 cêntimos.

O dono da Altice, Patrick Drahi, está a explorar a possível venda à Saudi Telecom, ao grupo Iliad ou a um consórcio de private equity composto pela Warburg Pincus e Zeno Partners, com o envolvimento do ex-banqueiro português António Horta Osório.

Das telecomunicações para o negócio de media, em que o grupo Sonae detém o Público através da Sonaecom, João Günther Amaral, Chief Development Officer (CDO), abordou a greve geral de jornalistas marcada para esta quinta-feira – a primeira em 40 anos -, dizendo que a empresa respeita “totalmente o direito à greve”.

“Por outro lado, entendemos que reflete o enorme desafio que os órgãos de Comunicação Social enfrentam, que é o da reinvenção. Tudo o que está a acontecer ao nível das plataformas digitais e da canibalização dos meios que eram investidos nos jornais e que estão a ser canalizados para os outros lados”, rematou o responsável da empresa.

(Notícia atualizada às 12h49 com mais informação)

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