Índices de corrupção são influenciados por casos mediáticos. Combate à “histeria” é essencial

Portugal desceu um ponto no Índice de Perceção da Corrupção. Para os advogados, os recentes casos judiciais, como a Operação Influencer, foram um dos principais fatores da descida.

Portugal desceu uma posição no Índice de Perceção da Corrupção (CPI) 2023, da organização Transparência Internacional (TI). Numa escala de 0 a 100, em que 100 é percecionado como muito transparente e 0 como muito corrupto, Portugal ficou posicionado com 61 pontos, abaixo da média da União Europeia, que se situa nos 64.

Apesar de descer apenas um ponto, os advogados consideram que os recentes casos judiciais, como a Operação Influencer que levou à demissão de António Costa e à queda do Governo, foram um dos principais fatores da descida.

“Tratando-se de um índice de perceção, não tenho dúvidas que a descida se fica a dever, em grande medida, aos efeitos que a Operação Influencer e a utilização do tema da corrupção como arma de arremesso político teve nos inquéritos que constituem a base de cálculo usada para a atribuição da pontuação a cada país”, começou por explicar João Medeiros, sócio da MFA Legal.

Fonte: Transparency International

Paulo Saragoça da Matta, sócio da DLA Piper ABBC, considera que os índices de perceção de corrupção são apenas índices que “medem” os incrementos ou decréscimos do que é a perceção pela comunidade de comportamentos muito variados e que no “imaginário coletivo” integram um conceito criminológico de corrupção.

“Os aumentos e descidas dos níveis dessa perceção variam consoante as experiências individuais e as representações coletivas de tais fenómenos. Considerando que desde 2022 os alegados casos de comportamentos criminais de políticos se sucederam a uma velocidade vertiginosa, com o Ministério Público (MP) a divulgar suspeitas sobre vários titulares de cargos políticos de órgãos diversos da administração pública e de grandes empresas, é mais do que natural que a opinião comum sobre tais comportamentos corruptivos tenha crescido”, referiu.

Por outro lado, Rui Patrício, sócio da Morais Leitão, acredita que a “histeria” pública sobre o tema da corrupção baseada “apenas” e “só” numa dúzia de processos e de “clichés” para a qual organizações como a TI nem sempre dão um contributo isento de crítica. “E esses processos e clichés alimentam, por um lado, as necessidades da comunicação social de encher espaço e tempo com poucos custos e, também, os interesses de vários comentadores que fazem vida e carreira disso e alguns que usam isso para uma imagem de marca de um suposto ativismo cívico, e, por outro lado, alimentam a luta e a discussão políticas, mais preocupadas (por interesse ou por impreparação) com o casinho e a chicana do que com os grandes temas sociais e de Estado”, disse.

Assim, defende que são estes fatores que contribuem para o aumento da perceção da corrupção, influenciando a atividade legislativa, governativa, judiciária e judicial. “Não tenho dúvidas de que é um dos fatores que nos está a conduzir para terrenos muito perigosos no que respeita aos valores do Estado de Direito Liberal e Democrático”, acrescentou o advogado.

“Evidentemente que há corrupção e que tem de ser combatida, e, aliás, progredimos muito nas últimas décadas; os pontos não são esses. O ponto é a enorme diferença que existe entre a realidade e a perceção da realidade, e os efeitos que esta perceção tem e pode ter”, sublinhou.

O relatório da TI dá a Operação Influencer como um exemplo de como os “escândalos de integridade política persistem”, defendendo que é preciso que sejam reforçadas as regras relativas aos conflitos de interesses, às normas éticas e à transparência no exercício de funções públicas e nas atividades de lobbying.

Ferramentas para combater corrupção

Melhorias na prevenção e do papel do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), combate à “histeria” ou até uma alteração da atuação do MP são alguns dos aspetos que os advogados consideram que podem levar a um melhor desempenho de Portugal no índice.

Para Paulo Saragoça da Matta uma melhoria existiria se os casos divulgados acabarem com a confirmação judicial das suspeitas levantadas pelo MP.

Isto porque uma vez enlameada com a suspeita de uma área de negócio ou da vida social, a nódoa só sai com uma punição exemplar. Isto porque uma absolvição dos suspeitos pela máquina judiciária, por força da ainda e sempre existente perceção da existência de classes sociais, será entendida como um encobrimento ou lavagem pelos “poderosos” suspeitos através da própria máquina judiciária”, disse.


Mas mais importante que melhorar a pontuação no índice, João Medeiros considera que é preciso melhorar os mecanismos preventivos dos fenómenos corruptivos. “Importante para que Portugal melhore na prevenção do fenómeno da corrupção, é o papel de fiscalização que o MENAC esteja e venha a fazer do cumprimento normativo das obrigações decorrentes da lei que são obrigatórias para as organizações. E que essa fiscalização venha a ser feita não apenas nas empresas privadas, mas também nas empresas públicas ou de capitais públicos e no próprio Estado”, sublinha.

Ainda assim deixa a nota: “a circunstância de uma descida de um ponto percentual no índice não significa, necessariamente, um aumento do fenómeno corruptivo”.

Mas para Rui Patrício é preciso “atacar as causas da histeria”, mas sem perder de vista o tema da corrupção, mantendo ou melhorando o que existe em termos de políticas e de combate.

“E se em matéria de corrupção, ela mesma, estamos, penso eu, muito melhor do que há 30 anos, por exemplo, já em matéria de perceção estamos muitíssimo pior. E também estamos muitíssimo pior porque existem razões sociais e económicas que geraram e geram ressentimento significativo e isso projeta-se e adensa este caldo cultural que gera a perceção sobre a corrupção, como se esta fosse a explicação para todo o mal que aconteceu naqueles campos económico e social e como se o dito combate à corrupção (de preferência rápido, sonoro e violento) fosse uma espécie de remédio e de alívio para os males sócioeconómicos e para o ressentimento que os mesmos geram”, acrescentou.

Com o novo Governo no horizonte, os advogados consideram que o novo executivo deve implementar a legislação existente, “dar tempo ao tempo” e apostar na desburocratização e simplificação de forma a combater a corrupção.

Paulo Saragoça da Matta e Rui Patrício defendem que não se deve mexer novamente nas leis e apenas implementar a legislação já existente.De diplomas e diplomas, que se acrescentam, contradizem, complexificam, está o espetro normativo cheio. Se continuar a entender-se que as pontes aparecem feitas por Decreto, ou que os comportamentos mudam por existirem normas, ficará tudo na mesma”, referiu o sócio da DLA Piper.

Rui Patrício acredita também que continuar o caminho da desburocratização e da simplificação pode ser uma saída.

Por outro lado, João Medeiros defende que a corrupção se combate por via preventiva e não repressiva.Isto não significa que não considere importante que se desencadeiem investigações e se punam os infratores. Mas, considerando o todo, a perseguição penal da corrupção será sempre a ponta do iceberg. Tem valor enquanto mensagem de sensibilização e exemplo para os putativos infratores, mas será sempre curta enquanto arma de luta contra a corrupção”, referiu.

Advogados aprovam Estratégia de Combate à Corrupção

Através de um grupo de trabalho criado na dependência da Ministra da Justiça, o antigo Governo identificou um conjunto de sete grandes prioridades para diminuir o fenómeno da corrupção em Portugal, a chamada Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC).

Defendo que são precisas ferramentas de execução e acima de tudo tempo, Rui Patrício alerta que não podemos querer tudo “muito depressa” e “fácil” e de estar sempre a “repensar” e “rever tudo”. Assim, considera que ainda é cedo para avaliações ou para repensar a estratégia.

Trata-se de um bom programa, em minha opinião, embora já tenha sido amputado de algumas coisas importantes quando foi concretizado em lei. Mas há que esperar, há que dar tempo ao tempo, há que monitorizar, até porque muitos dos pontos da Estratégia, nomeadamente os que se prendem com as vertentes formativa e preventiva, precisam de tempo para atuar e produzir efeitos, e esses pontos são tão ou mais importantes do que as questões repressivas e sancionatórias”, explicou.

O sócio da Morais Leitão notou ainda que nos países onde a perceção de corrupção é menor esse resultados não advêm de leis mais duras nem de penas mais severas e processos mais “musculados”. “Esse é um dado que merecia estudo e atenção. Mas, claro está, é um dado que não dá alimento à novela apelativa e barata que todos os dias entretém muitos e dá emprego e rendimento a alguns sobre a “enormíssima” corrupção que esmaga Portugal e explica todos os males do universo e contra a qual é preciso convocar todos os canhões e marchar, marchar”, afirmou.

Também o sócio da MFA Legal acredita que a ENCC está globalmente “bem pensada” e tem muitas medidas positivas de implementação obrigatória para as organizações.

Ainda assim, alerta que o desempenho vai estar muito ligado ao papel que o MENAC venha a desempenhar. “E não me refiro apenas a uma fiscalização apertada e à aplicação de coimas decorrentes de eventuais incumprimentos. Isso é, na minha opinião, o menos importante. O importante é o papel necessariamente didático e de mudança de mentalidades que o Mecanismo Nacional Anticorrupção venha a desempenhar”, revela.

João Medeiros considera que mais importante que ter a “mão pesada” a castigar, é criar mecanismos de apoio às organizações, principalmente às que têm menos meios, que as ajudem a implementar os seus mecanismos anticorrupção. “Esses mecanismos têm de ser efetivos, especificamente desenhados para aquela organização em concreto, atendendo às suas características específicas (dimensão, ramo, mercado onde atuam, zona geográfica onde operam, etc.)”, acrescentou.

O advogado destacou ainda a necessidade de dar uma formação efetiva aos trabalhadores e criar confiança relativamente aos canais de denúncia existentes. “Só trabalhadores informados e sem medo de represálias podem ser efetivos agentes de prevenção e de denúncia da corrupção”, disse. Ciente que estas mudanças têm custos, principalmente para as com menores recursos monetários, o João Medeiros sugere que o Governo crie subsídios ou linhas de crédito bonificadas destinadas a ajudar as empresas a implementar os seus mecanismos anticorrupção.

Considero que a ENCC não está, nem deixa de estar, a ser eficaz. Uma estratégia de combate à corrupção só será frutuosa se seguir o mesmo padrão que na década de 90 do século XX foi usada para introduzir na sociedade hábitos de reciclagem: é a sensibilização e educação das crianças e dos jovens para a importância da reciclagem e para os perigos da “poluição” (como então se dizia), para que sejam estes a levar para casa, para as gerações mais velhas, essas mesmas preocupações com boas práticas benéficas para todas as sociedades”, aponta Paulo Saragoça da Matta.

O sócio da DLA Piper acredita que este padrão pode levar a educar futuras gerações. “Um pai que vê o filho a preocupar-se com separar vidros, plástico e metal do lixo comum, direta ou indiretamente interiorizará muito mais facilmente tal comportamento – e torna-se um projeto de família. Foi assim com a reciclagem, e assim seria com a corrupção, fosse esse o caminho usado”, sublinhou.

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