“Tenho o cuidado de não interferir” nas lideranças do PSD, diz Passos Coelho. Será mesmo assim?

Desde o início do ano, Passos Coelho tem marcado a atualidade política e condicionado Montenegro. Seja pelas pressões que exerce sobre um acordo com o Chega ou pelas posições mais conservadoras.

Em sentido contrário à promessa de estar de “fora da vida política”, anunciada em 2020 e reforçada em 2022, no Pontal, Pedro Passos Coelho tem feito manchetes numa espécie de rentrée política. Desde o início do ano, já foram três as ocasiões em que marcou a atualidade — uma delas em plena campanha eleitoral para as legislativas — sugerindo que a saída da vida política poderá ser apenas temporária e que um eventual regresso poderá até contar com o apoio da ala mais à direita do PSD, incluindo o Chega.

“Há pessoas que acham que eu fui o pior que podia ter acontecido ao país. E ainda hoje se nota isso. Qualquer coisa que diga — e digo pouco — motiva sempre reações extremadíssimas. E, faço isso para que não haja um grande condicionamento das lideranças do meu partido“, afirmou o antigo primeiro-ministro numa entrevista à Rádio Observador, transmitida esta segunda-feira.

Uma dessas lideranças, é a do novo primeiro-ministro Luís Montenegro, que segundo Passos Coelho foi “um grande líder parlamentar” durante a última governação do PSD — “e uma das heranças” daquele tempo do partido — e que mereceu um “apoio muito discreto” do ex-governante quando assumiu a liderança do partido, em 2022.

Mas tendo já assumido essa liderança, e agora também já chefe de Governo, Luís Montenegro encontra-se agora em fase de afirmação política, procurando manter o equilíbrio de uma governação que procura esquivar-se das pressões vindas da oposição. À esquerda, direita e internas. “A mim parece-me que foi muito evidente durante os últimos tempos que houve essa preocupação de tentar desligar [do Passismo]“, afirmou Passos.

Tenho a preocupação e o grande cuidado de não interferir [com as minhas intervenções]“, explicou Passos à Rádio Observador. Mas será mesmo assim?

Passos e o fim do passismo

Os esforços de Luís Montenegro de se afastar da herança pesada do PSD vinda do período da troika já tinham sido alvo de comentário por Passos Coelho, no início do ano. Em janeiro, o antigo primeiro-ministro ainda terá tentado esquivar-se de comentar a atualidade política, sob o argumento de “não ser este” o tempo dele, mas certo é que fez chegar recados ao atual líder do PSD sobre o que achava das tentativas de desvinculo de Montenegro ao passado político do partido, ensaiado na altura o que na entrevista ao Observador esta segunda-feira vincou.

No lançamento do livro Lendas e Contos Populares Transmontanos – Tesouros da Memória (Vol. I: Bragança e Vinhais), de Alexandre Parafita, que conheceu na infância em Vila Real, Passos Coelho nunca falou de partidos, mas deixou vários alertas sobre a realidade política atual.

Quando se perde a memória, somos todos iguais e isso na política é uma coisa terrível – na economia também – porque se tudo é igual, não há diferença. Não se apura nada, não há razão para a competição, para apurar mais eficiência, mais bem-estar”, considerou. E acrescentou: “Na política é fatal se formos todos iguais, tanto faz lá estarem uns como outros, é tudo igual“.

O antigo chefe de Governo não foi mais longe mas o recado estava dado.

Passos e a imigração

Durante a campanha eleitoral da Aliança Democrática (AD, coligação do PSD com CDS e PPM) para as legislativas, uma das questões que foram constantemente colocadas a Luís Montenegro — e que chegou a ser referida também em debate com o líder do PS, Pedro Nuno Santos — era se Pedro Passos Coelho seria uma das caras familiares a participar na caravana política, isto depois de o ex-líder social-democrata não ter sido convidado para participar na convenção da coligação, em janeiro.

A participação foi confirmada por Luís Montenegro, que convidou Pedro Passos Coelho para discursar num jantar comício do PSD, em Faro. O discurso gerou polémica e marcou a atualidade dos dias que se seguiram.

“Lembro-me de uma intervenção em 2016, no Pontal, em que disse que precisamos ter um país aberto à imigração, mas cuidado precisamos ter também um país seguro. O Governo fez ouvido moucos disso. Na verdade, hoje as pessoas sentem uma insegurança que é resultado falta de investimento”, disse Passos Coelho, a 26 de fevereiro.

O presidente do PSD e líder da AD, Luis Montenegro (D), acompanhado por Pedro Passos Coelho (E) no comício em Faro, no âmbito da campanha para as eleições legislativas de 10 de março, Faro, 26 de fevereiro de 2024.TIAGO PETINGA/LUSA

 

As câmaras não apanharam a reação de Luís Montenegro, que esteve presente na plateia. Mas nos dias que se seguiram, além dos jornalistas, tanto a oposição da esquerda como da direita pressionaram o líder do PSD a dar resposta às declarações do seu antecessor. E, certo é que os próprios partidos da coligação viram-se forçados a assumir posições relativamente ao tema, tendo sido confrontados com questão durante a campanha eleitoral.

“Eu admito que há algumas realidades que não são benéficas, porque não tratam da dignidade das pessoas, se nós tivermos as pessoas acomodadas e exploradas como acontece em algumas zonas”, respondeu Luís Montenegro, no dia seguinte, dando a título de exemplo o “episódio fatal em que duas pessoas morreram em Lisboa” e se constatou que “mais ou menos vinte pessoas” viviam “num espaço exíguo”.

Montenegro explicou que esses tipos de cenários poderiam “traduzir-se numa instabilidade” mas rejeitou a noção de que essas pessoas tivessem “a tendência para criar problemas”. “Criam um sentimento, quando não são bem integradas, e esse sentimento tem de ser combatido, como é evidente“, acrescentou.

Passos e o “não é não” de Montenegro ao Chega

Quando assumiu a liderança do partido, em 2022, Luís Montenegro foi pressionado para dar uma resposta a um eventual entendimento político com o Chega face à realidade de que algumas forças dentro do PSD defendiam um acordo entre os dois partidos, entre eles, Pedro Passos Coelho.

O tabu desfez-se quando numa entrevista à CNN Portugal, o líder do PSD sacudiu as pressões de uma eventual geringonça com o partido de André Ventura.

“Quero garantir uma coisa aos portugueses: não vamos ter no Governo nem políticas nem políticos racistas nem xenófobos, nem oportunistas nem populistas – ou apoio político, se quiser. Nós não vamos ter o apoio de políticas ou políticos racistas, xenófobos que têm posições populistas altamente demagógicas e, sobretudo, não quero no meu governo imaturidade e irresponsabilidade”, vincou Luís Montenegro. A posição também foi sendo vincada ao longo da campanha eleitoral, sublinhando um “não é não” ao Chega que foi posto à prova na altura das eleições para a presidência da Assembleia da República.

Mas a posição mais ao centro assumida pelo atual presidente do PSD não agradou Passos Coelho que, no passado, já tinha defendido entendimentos entre os dois partidos, jogando mais à direita. O antigo chefe de Governo entende que uma solução governativa passa por um entendimento com André Ventura. Recorde-se que nas autárquicas de 2017 Pedro Passos Coelho manteve o apoio à candidatura de André Ventura à Câmara de Loures, mesmo depois de o CDS ter considerado inaceitáveis as declarações que o candidato tinha feito sobre a comunidade cigana.

O Chega não é um partido antidemocrático”, disse o antigo primeiro-ministro, de acordo com a Visão, acrescentando que o partido “tem toda a legitimidade de existir”. E na semana passada, voltou a reforçar a sua opinião.

Na Livraria Bucholz , em Lisboa, aquando da apresentação do livro “Identidade e Família”, que reúne contributos da direita mais conservadora, Pedro Passos Coelho sugeriu — mas sem nunca falar em Montenegro — ser um erro manter a política do “não é não” ao Chega, considerando a posição como um “insulto” para todos aqueles que votaram no partido de Ventura.

“Dizer que respeitamos as pessoas, mas não respeitamos as suas opções é bocadinho um insulto. Se fizer esta escolha, daqui não leva nada. Se fizer aquela escolha, comigo não fala. Não é uma maneira urbana de construirmos um mundo melhor”, acrescentou esta segunda-feira Passos Coelho ao Observador.

André Ventura (E), presidente do Chega, cumprimenta Pedro Passos Coelho, antigo primeiro-ministro e atual professor convidado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e da Universidade Lusíada de Lisboa, durante o lançamento do livro “Identidade e Família – Entre a Consciência da Tradição e As Exigências da Modernidade”, Lisboa, 8 de abril de 2024. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

 

“Devemos tratar as pessoas com inteligência e deixá-las decidir; e quando decidem devemos respeitar as suas decisões. A melhor forma de o fazer é através das instituições, no Parlamento, no Governo”, continuou Passos, pedindo que se dê atenção às “pessoas que ficaram desiludidas nestes anos”, que “ponham realmente um fim a isso e que ofereçam às pessoas razões para acreditar”.

No final, o líder do Chega, que esteve presente na apresentação, fez questão de cumprimentar Passos Coelho e elogiou a sua intervenção: “Foi brilhante, como sempre”, disse André Ventura.

“Já nos cumprimentámos e já o felicitei pela sua eleição e pela prestação que tem tido no Parlamento, temos de reconhecer o mérito dos outros. Bom mandato, os meus amigos mantenham uma certa…”, respondeu Passos Coelho, com Ventura a completar a frase com a palavra “cortesia”.

Aos jornalistas, Ventura considerou que a intervenção de Passos Coelho tocou mais “em bandeiras do Chega, como a ideologia de género, a família ou a imigração”. “É justo dizer que há um caminho de convergência na lógica do dr. Pedro Passos Coelho, mas apenas isso. Essa convergência talvez permita um candidato presidencial, porque não Pedro Passos Coelho?”, sugeriu.

Sobre as visões mais ultraconservadoras defendidas no livro, entendidas por alguns como uma aproximação ao Chega, Montenegro não se pronunciou. Mas o mesmo não aconteceu com outros membros do partido e do Governo. Enquanto o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, admitiu o “interesse mediático”, rejeitando ser “fundamental” discutir o programa de Governo, Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, considerou que o antigo líder social-democrata “terá feito um apelo ao diálogo com todos os partidos”.

“Segundo vi das declarações, o dr. Pedro Passos Coelho terá feito um apelo ao diálogo com todos os partidos, creio que falei português muito claro: a minha responsabilidade e da direção do grupo parlamentar é o diálogo humilde e construtivo com todas as bancadas parlamentares para resolver os problemas da vida das pessoas”, disse. Questionado como fica a promessa de “não é não” ao Chega feita pelo líder do PSD e primeiro-ministro, Luís Montenegro, Hugo Soares considerou a questão “mais do que esclarecida”.

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