Credores da Altice France organizam-se para enfrentar Drahi

Dois grupos de credores estão a posicionar-se para eventuais negociações em torno da reestruturação da dívida da Altice France. Processo pode influenciar dossiê da venda em Portugal.

Os credores da Altice France estão a posicionar-se para enfrentar Patrick Drahi, o dono do grupo. Em março, a administração sugeriu que os investidores também terão de participar no esforço de redução da dívida da empresa que, no final do ano passado, ascendia 24.315 milhões de euros nesta geografia. O novo posicionamento apanhou-os de surpresa e há dois grupos que se estão a organizar.

Apesar de envolver uma subsidiária distinta, este processo pode ter repercussões em Portugal, disse ao ECO fonte próxima de um fundo que detém dívida da Altice, na medida em que também está em curso a possível venda da Altice Portugal, cujo desfecho poderá depender do que vier a acontecer em França. Mas a subsidiária portuguesa responde à Altice International, que fechou um ano com uma dívida bastante inferior, de 8.789 milhões de euros, pelo que, aqui, a pressão sobre Drahi é menor.

Nem toda a dívida é igual. Dos mais de 24 mil milhões de euros de dívida da Altice France, cerca de 20 mil milhões correspondem a dívida associada a garantias (secured) e pouco mais de quatro mil milhões a dívida sem colateral (unsecured), que, por estar associada a um risco maior — caso a empresa entre em dificuldades, só é reembolsada depois de toda a dívida sénior –, tem uma taxa de juro mais alta, de 6,3%, contra 5,9%, em termos médios.

Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para ver o gráfico.

As duas ‘fações’ e o acordo

Neste contexto há duas ‘fações’ que se estão a preparar para eventuais negociações com Patrick Drahi com vista à reestruturação da avultada dívida da Altice France, segundo a Bloomberg, o Financial Times e a Reuters. Um dos grupos é composto apenas por credores seniores e outro por detentores de dívida garantida e não garantida.

O grupo composto exclusivamente por detentores de dívida sénior é representado pela sociedade de advogados Gibson Dunn e pela consultora financeira Rothschild. Na semana passada, a Bloomberg noticiou um acordo atípico para alinhar os interesses de todos estes investidores, evitando que algum tente fechar individualmente um acordo melhor com Drahi em detrimento dos outros.

Segundo a agência, o “acordo de cooperação” em cima da mesa é válido por seis meses, um prazo bastante mais longo do que o habitual neste tipo de situações, e estipula que pode ser prolongado duas vezes por períodos sucessivos de 60 dias. Para se tornar efetivo, é preciso que mais de metade dos titulares da dívida mais sénior (first-lien) e mais de metade dos detentores de dívida garantida o assinem, estando previsto um período de 15 dias para que o possam fazer, escreve a agência.

O segundo grupo contempla credores com dívida garantida e não garantida e está a trabalhar com o banco de investimento Houlihan Lokey e com as sociedades de advogados Milbank e Willkie Farr & Gallagher. Segundo noticiou o Financial Times em março, este grupo já se estava a formar mesmo antes de a Altice ter sugerido um perdão de dívida, mas, depois disso, ganhou um “novo ímpeto”.

A Altice France terminou o ano com um rácio de dívida face ao EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) de 6,4. A administração ambiciona agora chegar a um rácio de 4 e admite todos os cenários, incluindo forçar os credores a aceitarem um perdão de dívida (haircut), levando-os a que incorram em perdas. Segundo a Reuters, baixar o rácio para esse nível pressupõe abater quase dez mil milhões de euros na dívida da companhia.

Patrick Drahi, fundador e dono da AlticeJérémy Barande/École Polytechnique via Wikimedia Commons

Mudam-se os tempos…

Drahi é conhecido por ter erguido a Altice com recurso a financiamento, grupo que acumula agora, nas três subsidiárias (Altice France, Altice International e Altice USA), um passivo de mais de 56 mil milhões de euros. A era dos juros baixos ou mesmo negativos terminou e agora os tempos são outros. O aperto das condições nos mercados financeiros voltou a pressionar Drahi a reduzir este passivo, e, até agora, a única hipótese em cima da mesa era a da venda de ativos de vários tipos, em diversas geografias.

O caso mais recente foi o da alienação da Altice Media em França, a unidade que detinha meios de comunicação social como a televisão BFM, por 1,5 mil milhões de euros, embora a administração da Altice também tenha sugerido aos credores que o produto da venda poderia não ser usado para abater na dívida da Altice France — o que se somou à estupefação dos detentores de dívida da empresa.

Ademais, em novembro de 2023, a Altice France constituiu uma nova empresa, a UltraEdge, para a qual transferiu os 257 data centers da operadora SFR e respetivos ativos imobiliários, vendendo de seguida uma posição de 70% ao Morgan Stanley Infrastructure Partners, num negócio que avaliou a UltraEdge em 764 milhões.

A eventual venda da Altice Portugal deve igualmente ser vista à luz do esforço de redução da dívida do grupo, embora o processo tenha derrapado recentemente, o que também está relacionado com as eleições antecipadas e a tomada de posse de um novo Governo. Na corrida já estiveram três candidatos: a operadora saudita STC (Saudi Telecom), o grupo francês Iliad e um consórcio de fundos com ligações ao ex-banqueiro António Horta Osório. Estes dois últimos terão desistido, de acordo com rumores que circulam no mercado, sendo que Drahi estará a pedir entre 8.000 milhões e 10.000 milhões de euros, o que já foi considerado “irrealista” por uma fonte ouvida pelo ECO.

Não se conhecem detalhes de fundo sobre as intenções da Altice quanto à reestruturação da dívida em França. Segundo a Bloomberg, num evento de despedida da Altice Media, em março, Drahi assumiu estar vendedor porque os seus quatro filhos lhe pediram para que invista noutras áreas. Disse ainda estar a pensar na sucessão. O magnata vai fazer 61 anos no próximo mês de agosto. Entretanto, a Altice enfrenta turbulência nos mercados de dívida e as peças vão-se posicionando no tabuleiro do xadrez.

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