Aguardar pelo TdC para saber valor dos imóveis da Santa Casa “teria consequências graves”, diz responsável financeira

Ao ECO, Teresa do Passo contesta a posição defendida pela ex-vice-provedora sobre a reavaliação dos imóveis da Santa Casa, indicando que a matéria foi "longamente, estudada, debatida e fundamentada".

A vogal e responsável pelo pelouro financeiro da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) garante que os critérios utilizados para efeitos de reavaliação dos imóveis da instituição, que ditaram perdas de 57,9 milhões de euros, foram justificados e fundamentados “até à exaustão”. Ao ECO, Teresa do Passo defende ainda que esperar pela decisão do Tribunal de Contas (TdC), que está a avaliar a questão, “seria uma irresponsabilidade” e “teria consequências graves” para a Santa Casa.

Os auditores externos contratados pela atual administração da SCML, na sequência do pedido de auditoria às contas de 2021 e 2022 da anterior ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, “entenderam que os critérios de determinação do Justo Valor, utilizados pelos avaliadores e defendidos pela sra. vice-provedora, não respeitavam integralmente as normas aplicáveis”, afirma Teresa do Passo, em resposta por escrito a questões colocadas pelo ECO.

A vogal da Santa Casa e responsável pelo pelouro financeiro indica ainda que o anterior método, que era utilizado pelo menos desde 2014, “resultou numa enorme sobrevalorização do património imobiliário e, portanto, dos resultados apurados”.

Os critérios utilizados para efeitos de registo contabilístico das propriedades arrendadas foram, aliás, um dos motivos de “grande debate interno” da atual mesa da SCML, tendo existido “duas correntes diferentes”. Os auditores não gostaram de ser colocados em causa e chegaram a ameaçar não certificar as contas, sabe o ECO. As divergências levaram, inclusivamente, a ex-vice-provedora Ana Vitória Azevedo e responsável pelo pelouro do património a questionar o método utilizado e a pedir uma avaliação ao Tribunal de Contas, que poderá obrigar a um novo ajuste das contas.

Método foi estudado e debatido “até à exaustão”

A ex-vice-provedora, Ana Vitória Azevedo, em declarações ao ECO, reiterou as críticas que tinham feito na audição no Parlamento, adiantando que os revisores oficiais de contas “deitaram por terra as avaliações feitas por avaliadores independentes” e certificados pela CMVM, de forma “completamente administrativa e oficiosa”, o que “resultou numa subavaliação do património” da Santa Casa.

Já a vogal e responsável pelo pelouro financeiro da Santa Casa, Teresa do Passo, garante, ao ECO, que esta foi uma matéria “longamente, estudada, debatida e fundamentada com base na regulamentação nacional aplicável” e que os auditores da Santa Casa “justificaram e fundamentaram pedagogicamente, até à exaustão, por escrito e em múltiplas reuniões, os métodos que deveriam ser utilizados na determinação do Justo Valor dos imóveis“.

Neste contexto, e dado que “se trata de uma matéria, sobretudo, das áreas de competência dos auditores”, a metodologia “defendida pelos auditores mereceu o acordo da Direção Financeira, da signatária (administradora com a área financeira) e foi aprovada por todos os membros da mesa, incluindo a sra. vice-provedora”, acrescenta Teresa do Passo.

No entanto, a ata da reunião extraordinária da mesa da SCML, que ocorreu a 23 de novembro de 2023, tendo em vista aprovar o Plano de Atividades e Orçamento da instituição para 2024, contraria esta indicação. No documento a que o ECO teve acesso, está explicito que Ana Vitória Azevedo — que se demitiu no final de março, ainda antes da exoneração decidida pelo Governo, por divergências com a restante mesa da SCML –deu “luz verde” ao plano, com exceção das questões relativas aos critérios adotados na reavaliação dos imóveis, decorrente da revisão dos relatórios e contas de 2021 e 2022. Esta garantia já tinha sido dada pela própria ex-vice-provedora, ao ECO, ao referir que tinha deixado isso expresso numa declaração de voto, aquando da aprovação da revisão de contas.

Voltar ao método anterior é “probabilidade mínima”, diz Teresa do Passo

Esta divergência está agora nas mãos do Tribunal de Contas. Ao ECO fonte oficial da entidade liderada por José Tavares, diz apenas que “está inscrita no Programa de Fiscalização do Tribunal de Contas” para este ano “uma ação de controlo à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), a qual se encontra em curso, tendo natureza reservada até à aprovação do respetivo relatório de auditoria”.

A revisão originou uma redução “significativa” de 57,9 milhões de euros no valor dos imóveis arrendados, dos quais 13,4 milhões, em 2022, e 44,5 milhões, em 2021 (4,4 milhões desse ano e 40,1 de anos anteriores), segundo consta nos novos relatórios publicados.

Acho que teria sido prudente, em vez de fazer um alarme dizendo que houve uma sobrevalorização do património, e tendo em conta que havia esta divergência interpretativa, esperar para verificar qual era a interpretação correta.

Ana Vitória Azevedo

Ex-vice-provedora da Santa Casa

De acordo com o novo relatório, feito na sequência da auditoria pedida pelo anterior Executivo, o resultado líquido positivo de 10,9 milhões de euros da Santa Casa passou para um prejuízo de 12,4 milhões, enquanto os resultados de 2021 sofreram um ajustamento de 20,1 milhões para 39,8 milhões de prejuízos.

Caso o Tribunal de Contas venha a considerar que o anterior método de avaliação estava correto e não o usado pelos auditores, as contas poderão ter de ser novamente corrigidas. No limite, poderiam ser revertidas as perdas estimadas de 57,9 milhões em 2021 e 2022. A confirmar-se, os resultados líquidos da Santa Casa passariam a ser positivos.

Face à “divergência interpretativa” Ana Vitória Azevedo defendeu que “teria sido prudente” pela decisão do TdC, acusando ainda a restante administração de ter pintado um “quadro ainda pior” das contas da Santa Casa “do que aquele que eventualmente existirá”.

Foi entendido pela mesa, e bem, que a questão levantada pela sra. vice-provedora, por falta de razões técnicas atendíveis, não justificava minimamente um adiamento sine die, o que, aliás, teria consequências graves para a SCML, uma vez que não se poderiam encerrar as contas de 2021, 2022 e 2023. Seria uma irresponsabilidade.

Teresa do Passo

Vogal e responsável pelo pelouro financeiro da Santa Casa

Mas, a mesa entendeu que a questão levantada pela ex-vice-provedora “por falta de razões técnicas atendíveis, não justificava minimamente um adiamento sine die, o que, aliás, teria consequências graves para a SCML”, riposta a vogal e responsável pelo pelouro financeiro, sinalizando que “as contas de 2021 e 2022, devidamente auditadas, foram aprovadas pela mesa (por unanimidade)” e que foram “homologadas pela tutela e enviadas para o Tribunal de Contas”. “Seria uma irresponsabilidade“, atira Teresa do Passo.

E se o tribunal vier a considerar que o anterior método é que é o válido? “Trata-se de uma hipótese com uma probabilidade de ocorrência mínima“, defende a vogal, sublinhando, no entanto, que se assim for, dever-se-á respeitar a orientação e proceder “às alterações necessárias”.

Contudo, lembra que as “alterações (para mais ou para menos) do Justo Valor dos imóveis, por não gerarem cash-flow, apenas determinam o valor do ativo e dos resultados, sem afetar a execução orçamental e de tesouraria, nem a situação ou a solvabilidade financeira” da instituição. Ou seja, mesmo que os resultados financeiros fiquem positivos, as dificuldades de pagamentos de salários e a fornecedores não desaparecem. “Pode até conduzir a erros de perceção da realidade da sua sustentabilidade económica e financeira, o que já poderá ter acontecido”, acrescenta.

Depois das audições do ex-provedor, Edmundo Martinho, e da ex-vice-provedora da Santa Casa, do ex-secretário da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, e dos ex-administradores da Santa Casa Global Ricardo Gonçalves e Francisco Pessoa e Costa, a ronda de audições “urgentes” a um conjunto de personalidades ligadas à atual e anterior gestão da Santa Casa continuam esta semana, nomeadamente com a provedora Ana Jorge, a anterior ministra da tutela, Ana Mendes Godinho, e a atual ministra, Maria do Rosário Ramalho, na sequência dos apresentados pelo PS, Chega e Iniciativa Liberal.

A audição da vogal e responsável pelo pelouro financeiro da Santa Casa não está prevista, mas, ao ECO, Teresa do Passo manifesta-se disponível para prestar declarações, caso os deputados venham a entender que os seus “esclarecimentos podem ter alguma utilidade”.

O Governo decidiu exonerar toda a mesa da SCML, incluindo a provedora Ana Jorge, acusando a administração de ser “incapaz de enfrentar os graves problemas financeiros e operacionais da instituição” e de “atuações gravemente negligentes”, que poderão comprometer a “curto prazo” a “fundamental tarefa de ação social que lhe compete”. Ainda assim, a provedora, que herdou uma instituição em graves dificuldades financeiras, cuja debilidade financeira coincidiu com os anos de pandemia e de um processo de internacionalização dos jogos sociais, vai-se manter em gestão corrente até ser nomeada nova equipa.

Posteriormente, numa carta enviada aos trabalhadores, Ana Jorge, que tinha assumido funções há cerca de um ano, denunciou a forma “rude e caluniosa” com que foi justificada a sua exoneração. O Governo ainda não anunciou o sucessor de Ana Jorge e da restante mesa. Mas, na semana passada, em entrevista à RTP, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social indicou que o Executivo procura um perfil “financeiro” e que a cor política não é critério de escolha.

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