Quase no fim (AUJ 4/2024, de 23 de abril)
O sistema parece, pois, subverter o processo judicial de recuperação de crédito, frustrando a expectativa do credor quase no fim.
A 23 de abril de 2024, foi publicado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2024, que uniformizou jurisprudência neste sentido:
“(i) O produto da venda dos bens penhorados em processo de execução, no qual tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, com trânsito em julgado, só é de considerar pago ou repartido entre os credores, para os efeitos do artigo 149.º, n.º 2, do CIRE, com a respetiva entrega. (ii) O titular de um crédito reconhecido e graduado por sentença transitada em julgado num processo de execução, apensado ao processo de insolvência do devedor/executado, não está dispensado de reclamar o seu crédito, no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.”
Por considerar que havia contradição, no domínio da mesma legislação sobre as duas questões fundamentais de Direito, o recorrente interpôs recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que, quanto à primeira, considerou que “apesar da venda realizada no processo de execução fiscal ser anterior à declaração de insolvência e de se achar já transitada em julgado a sentença de verificação e graduação de créditos, o respetivo produto (o produto da venda), no caso de não ter sido ainda entregue aos credores (exequente e reclamantes), deve ser qualificado como bem do insolvente, antes executado, e apreendido, nos termos do n.º 2 do artigo 149.º do CIRE.”
Abordarei apenas esta primeira questão, considerando que o decidido em sede de execução fiscal valerá também para as execuções cíveis.
A interpretação da Relação, secundada pelo Supremo Tribunal, será a interpretação conforme à letra da lei do citado art. 149º, mas porventura não será a mais justa. Vejamos: um credor que não vê o seu crédito pago em tempo, vê-se obrigado a instaurar uma execução, com os inerentes custos (taxa de justiça, honorários e despesas do agente de execução e honorários de advogado); é bem sucedido na pesquisa e penhora de bens e também na respetiva venda; o Estado e os credores com garantia real reclamam os seus créditos em tempo; é proferida sentença de verificação e graduação de créditos que transita em julgado; o processo executivo está praticamente terminado, faltando apenas que o agente de execução efetue o pagamento aos credores.
Nos termos da norma citada, o destino do produto da venda dos bens penhorados dependerá do momento do ato de pagamento:
- Se, quando proferida a sentença declaratória de insolvência, o produto da venda ainda não tiver sido pago aos credores (no âmbito da execução), aquele produto será apreendido para a massa insolvente;
- Se já tiver sido pago aos credores (da execução), não há lugar à apreensão para a massa insolvente.
Ou seja, depois de tramitado o processo executivo (até à venda), a satisfação do credor dependerá de ter sido, entretanto, pedida a insolvência por outro credor (ou mesmo pelo devedor) e, se tal tiver acontecido e não tendo ocorrido o pagamento na execução, o credor exequente vê a recuperação do seu crédito gorada no quadro executivo. Isto porque (i) o produto da venda dos bens penhorados será apreendido para a massa insolvente e, (ii) nos termos uniformizados pelo acórdão em análise, será obrigatória, em sede de insolvência, a reclamação de créditos reconhecidos e graduados por sentença transitada em julgado num processo de execução (mesmo sendo a execução apensa à insolvência).
Pelo que fica dito, o sistema parece, pois, subverter o processo judicial de recuperação de crédito, frustrando a expectativa do credor quase no fim.
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