Governo quer evitar que sociedades de advogados assessorem o Estado
A ministra da Justiça, ex-sócia de uma das grandes sociedades do mercado, a PLMJ, pretende "capacitar a Assessoria Jurídica dentro do Estado, com menor exposição a interesses de terceiros".
Reforçar o recurso aos gabinetes jurídicos do Estado, evitando o uso excessivo de assessoria jurídica externa, ou seja, sociedades de advogados, é uma das medidas previstas no pacote de combate à corrupção, aprovado esta quinta-feira em Conselho de Ministros. A ministra da Justiça, Rita Júdice, ex-sócia de uma das grandes sociedades do mercado, a PLMJ, pretende assim “capacitar a Assessoria Jurídica dentro do Estado, com menor exposição a interesses de terceiros”, explica o documento.
Todos os anos, o Estado gasta milhões de euros na contratação de sociedades de advogados, apesar de ter uma equipa interna com cerca de 20 juristas. O JurisurisAPP foi criado pelo Governo em 2017 com uma equipa a trabalhar exclusivamente para o setor público, contribuindo com consultoria, assessoria e aconselhamento jurídicos.
O Centro de Competências Jurídicas do Estado é “um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa e está sujeito ao poder de direção do Primeiro-Ministro ou do membro do Governo em quem aquele o delegar”, segundo se pode ler no site da JurisAPP.
“O JurisAPP tem por missão prestar consultoria, assessoria e aconselhamento jurídicos, bem como informação jurídica em matéria de contratação pública, procedimentos contraordenacionais e procedimentos disciplinares, aos membros do Governo, ficando, igualmente, responsável por assegurar a representação em juízo do Conselho de Ministros, do Primeiro-Ministro e de qualquer outro membro do Governo organicamente integrado na Presidência do Conselho de Ministros ou que beneficie dos respetivos serviços partilhados, incluindo nos processos que correm perante o Tribunal Constitucional e o Tribunal de Contas”, acrescentam.
Agora, esta agenda anti-corrupção, no capítulo “Prevenção no Estado – Garantir Políticas Públicas robustas à corrupção”, explica que o objetivo é “potenciar a assessoria jurídica do Estado, em matérias ou projetos cuja complexidade ou dimensão não aconselhe de modo diverso, mediante o recurso prioritário aos gabinetes jurídicos do Estado e ao Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisAPP)”.
E, apesar da medida ser considerada como uma das 32 medidas previstas neste plano, a ideia não é inovadora. A lei já prevê que “os estudos, pareceres, projetos e serviços de consultoria, bem como quaisquer trabalhos especializados e a representação judiciária e mandato forense, devem ser realizados por via dos recursos próprios das entidades contratantes”. E diz ainda que “a decisão de contratar a aquisição de serviços ao setor privado que tenham por objeto estudos, pareceres, projetos e serviços de consultoria ou outros trabalhos especializados, incluindo a renovação de eventuais contratos em vigor, apenas pode ser tomada em situações excecionais devidamente fundamentadas, desde que demonstrada a impossibilidade de satisfação das necessidades por via de recursos próprios da entidade contratante e após autorização do membro do Governo responsável pela área setorial, podendo esta competência ser delegada no dirigente máximo do serviço ou da entidade”.
Desde 2015 a dezembro do ano passado, segundo contas feitas pelo Público, os escritórios que mais lucraram com o cliente Estado foram a Vieira de Almeida, em primeiro lugar – com 26 milhões – seguida da Cuatrecasas (12.7 milhões) e da Sérvulo (12.4 milhões), que encabeçam o ranking de ajustes diretos. Nestes, estão incluidos os contratos de milhões a assessorar o Banco de Portugal, sem concurso público. A seguir na lista vem a Morais Leitão (com cerca de 7 milhões) e a PLMJ, com cerca de 6 milhões.
Nessa lista estão ainda a Miranda, Abreu Advogados, CMS de José Luís Arnaut e a Uría.
O Orçamento do Estado para este ano, na parte que analisa os gastos em estudos, pareceres, projetos e consultadoria, onde se incluem os pareceres jurídico e a assessoria, prevê gastar 284,4 milhões de euros, mais 38,7 milhões de euros que o previsto para 2023 (245.644.213 euros). E bem mais do que os 181.535.534 euros previstos para 2022 e quase o dobro dos 136.200.249 alocados em 2021.
Regulamentar, de uma vez por todas, o lóbi, ter atenção às autarquias e a sua relação com empresas locais, voltar a pôr na agenda a delação premiada, reforçando o seu alcance, criar uma “lista negra” de fornecedores do Estado e recorrer mais vezes aos advogados do Estado e menos a sociedades de advogados. Estas são algumas das medidas incluídas na agenda anticorrupção, que contabiliza 32 medidas, uma promessa e prioridade assumida pelo Governo de Luís Montenegro desde o primeiro momento e que foi aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros.
Outra das medidas anticorrupção apresentadas e aprovadas esta quinta-feira pelo Governo é a criação de um novo mecanismo de perda alargada de bens. Com esta medida, o Executivo pretende combater o enriquecimento ilícito, fazendo assim reverter a favor do Estado bens e proventos económicos da corrupção.
Este mecanismo pode incluir, em certos casos, a dispensa do pressuposto da condenação. O instrumento, que visa combater o enriquecimento ilícito, pretende assegurar que os corruptos não ficam com o produto da sua conduta criminosa — que, de acordo com dois diplomas já em vigor, presume-se que abranja a diferença entre o património e os rendimentos declarados no IRS e os sinais de riqueza exibidos, embora o arguido tenha sempre a possibilidade de provar que esta presunção não é verdadeira.
A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, disse ainda que o mecanismo de perda alargada de bens pode ser aplicado mesmo no cenário de arquivamento de processos. “Já existe um mecanismo de perda alargada de bens, mas queremos incrementar para ser mais eficaz. Este mecanismo pode ser aplicado mesmo que não haja condenação e que o processo seja arquivado”, afirmou a governante, no briefing realizado após a reunião do Conselho de Ministros. Rita Alarcão Júdice considerou o mecanismo de perda alargada de bens como “uma das medidas-chave” aprovadas neste pacote de mais de 30 medidas.
“A melhor forma de combater o enriquecimento ilícito é assegurar a devida perda da vantagem do crime e que se percecione que o crime não compensa”, sublinhou.
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