Um carro partido, quatro detidos, uma reunião, zero conclusões. A história de uma marcha que não o foi
Os representantes dos taxistas estiveram reunidos com o Governo, mas não chegaram a um consenso que os levasse a suspender os protestos.
Expectativa: seis mil taxistas iam parar a capital, com uma marcha lenta, ordeira e pacífica, do ponto A ao ponto B. Que é como quem diz, do aeroporto à Assembleia da República. Do ponto B, os seis mil taxistas só saíam quando o Governo decidisse suspender a atividade da Uber, da Cabify e de todas as plataformas que consideram ilegais.
Realidade: centenas de taxistas (o número ainda não foi confirmado) protagonizaram uma manifestação violenta, que chegou a levar a quatro detenções, sem sair da Rotunda do Relógio. O Governo não cedeu e a Uber, a Cabify e todas as plataformas que se assemelhem continuam a atividade como dantes.
Resultado: a manifestação que se queria “ordeira e cívica” continua “por tempo indeterminado” e acabou por ser mais um retrato do estereótipo do taxista desordeiro, que recorre à violência física para eliminar a concorrência. Os protestos ainda não terminaram, mas, até ver, só há duas consequências, e nenhuma delas favorece os taxistas: a Uber subiu ao número um na App Store e os turistas que passaram pela Portela tiveram um dia memorável — se não pela hostilidade portuguesa, então pelas filas de 30 minutos a que tiveram de se sujeitar para comprar bilhetes de metro.
O carro partido, os taxistas detidos e a marcha que nunca o foi
A marcha lenta chegou a começar, partindo do aeroporto minutos antes das 9h00. Mas não foi além da Rotunda do Relógio. Segundo a PSP, os taxistas que participavam no protesto saíram dos táxis e ocuparam a rotunda. A polícia interveio para impedi-los e os confrontos tiveram início.
Segundo relata a Lusa, os taxistas atiraram vários objetos contra os polícias, incluindo garrafas, e os agentes responderam com gás pimenta. A decisão de permanecer na Rotunda do Relógio veio logo a seguir: a polícia “cortou a coluna” do protesto, referiu Florêncio de Almeida ao ECO.
Pouco mais tarde, um dos momentos mais criticados da manifestação: os taxistas que permaneciam na rotunda identificaram um carro da Uber e vandalizaram-no, partindo o vidro e fazendo várias mossas no veículo. Os manifestantes atiraram pedras e garrafas contra o carro, obrigando a polícia a protegê-lo e os ocupantes do carro a seguir a pé, enquanto o motorista levava o carro para longe dos taxistas.
Ainda antes do almoço, começaram a surgir as detenções. Contas feitas, e ainda com o protesto por terminar, foram detidos quatro taxistas, segundo a informação avançada pela PSP.
Uma reunião com “divergências profundas”, mas com um “importante sinal de abertura”
A reunião entre os representantes da Antral e da Federação Portuguesa de Táxis (FPT) e o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, começou por volta das 12h30 e prolongou-se por cerca de três horas. No final, ministro e taxistas saíram sem conclusões para apresentar aos jornalistas.
A “divergência profunda”, explicou o ministro do Ambiente, centra-se na principal exigência dos taxistas: a criação de um contingente para as plataformas. Nem o Governo cede nessa reivindicação, por considerar que não faz sentido limitar esta atividade económica, nem os taxistas aceitam parar com os protestos enquanto ela não for atendida.
“Os dois pontos principais dos nossos protestos não foram atendidos e não houve qualquer consenso. As plataformas não foram suspensas e não foi definido um contingente”, explicou ao ECO Florêncio de Almeida, no final da reunião. “Não havendo consenso, não vamos desmobilizar”, garantiu.
Mas o encontro não foi totalmente em vão. A primeira cedência foi anunciada por João Pedro Matos Fernandes: o Governo admite reduzir o número de horas exigidas na formação dos taxistas, das atuais 125 para 30 horas.
Os dois pontos principais dos nossos protestos não foram atendidos e não houve qualquer consenso. As plataformas não foram suspensas e não foi definido um contingente.
Ao ECO, Florêncio de Almeida adianta ainda que os governantes estão “recetivos” à eventual fixação de um preço mínimo para os serviços prestados pelas plataformas. E, já por volta das 19h, novo indício de aproximação entre as partes: o Governo está a considerar a possibilidade de alguns táxis serem descaracterizados, para poderem prestar serviços também à Uber e à Cabify. A notícia foi avançada pelo Observador e confirmada ao ECO por Carlos Ramos, presidente da FPT. Contactada, fonte oficial do Ministério do Ambiente refere que esta proposta foi posta em cima da mesa esta tarde e vai agora ser discutida com as associações do setor.
“Essa foi uma proposta apresentada por nós há um ano e meio e nunca tinha sido sequer discutida. É muito importante que haja este sinal de abertura”, refere Carlos Ramos. Seja como for, mesmo que a proposta avance, não é suficiente. “Sem consenso na questão do contingente, não paramos o protesto”, garante.
Inferno subterrâneo, céu na estrada
Se a manifestação teve alguma coisa de bom, foi para os corajosos que arriscaram sair de carro. É que, num dia em que todos esperavam o caos na estrada, motivado pela marcha lenta, o que acabou por acontecer foram cenários quase inéditos, de artérias como a Avenida da Liberdade quase desertas de carros.
Experiência diferente teve quem se movimentou de metro e autocarro. “Conforme se esperava, tem existido um aumento da procura no Metro. O reforço que foi realizado, ao nível de serviço e de apoio nas estações, tem permitido fazer face a este aumento de procura, estando o serviço do Metro a funcionar fluidamente e com regularidade. No tocante à Carris, as perturbações que se registam são nos troços e carreiras que passam pela zona em que a manifestação se encontra parada, estando nas restantes zonas da cidade a ser efetuado com normalidade”, referiu ao ECO fonte oficial das empresas de transportes.
Já não é protesto. É bloqueio e dá direito a reboque
Onze horas depois do início do protesto, os taxistas continuam na Rotunda do Relógio e a PSP já tem reboques no local. Para já, a polícia está a tentar chegar a acordo com os manifestantes “pela via do diálogo”, mas admite a hipótese de rebocá-los, se as negociações não funcionarem.
Os taxistas parecem pouco dispostos a abandonar o local. No momento em que este artigo é escrito, já montaram tendas e preparam-se para distribuir sopa e sandes aos manifestantes.
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