Prestes a cumprir seis anos de atividade, a Fábrica de Startups acaba de trocar Lisboa por Oeiras e, depois do Brasil, prepara estreia na China. Afinal, espaço é apenas isso: espaço. E o céu, o limite
Etapa 8: O caminho de Cascais a Oeiras faz-se em pouco mais de 20 minutos: são apenas 15,3 os quilómetros que separam a DNA Cascais da Fábrica de Startups, recém-mudada para o espaço com vista mar. Pela incubadora e aceleradora passam cerca de uma centena de startups por ano. Bem-vindos ao nosso Contra-relógio.
“O unicórnio, por definição, não existe“, diz António Lucena de Faria, CEO da Fábrica de Startups, em entrevista ao ECO. Desculpe, pode repetir? Isso mesmo, leu bem. Se há seis anos António talvez pensasse nisso, hoje não pestaneja ao dizer a frase. Não existe. Ou, pelo menos, não é tão comum assim. E a afirmação não tem a ver com realismo extremo de nem sequer sonhar com o cavalo branco de crina com as cores do arco-íris. Antes com conhecimento de causa.
“Acho ótimo que haja startups que cresçam com muito sucesso no mundo inteiro mas não estamos lá ainda, não podemos focar a nossa atenção em chegar ao topo do Evereste se não somos capazes de subir a uma montanha pequenina como é a de Sintra. Primeiro subimos até ao topo de Sintra, depois até à Serra da Estrela e, depois, por aí fora, até chegarmos ao Evereste. Mas começar logo a dizer que vamos subir ao Evereste e que toda a gente tem de subir ao Evereste é muito difícil. Pode ser até contraproducente porque as pessoas acabam por desistir a meio por não verem sinais de que vão conseguir”, justifica.
A visão do CEO e cofundador da incubadora e aceleradora, recém-mudada para o edifício com vista de mar, na Avenida Marginal, em Oeiras, não surge à toa. É que o primeiro negócio que António criou, nasceu quando ele tinha 15 anos. “Descobri que podia ir ao vidraceiro, colar as partes com silicone, pôr pedras lá dentro e vender às pessoas. Juntamos umas coisas, fazemos um trabalho e isso dá-nos uma sensação muito interessante de que não dependemos dos outros. E, quanto mais cedo tivermos essa noção de que somos capazes de criar valor, ganhamos liberdade de ação. Podemos fazer mais coisas, essa é a parte interessante do dinheiro”, adianta.
E fazer muitas coisas é uma das “coisas” que a Fábrica faz. Criada há seis anos, o propósito da criação da Fábrica de Startups foi “sempre” ajudar as pessoas a serem empreendedores de sucesso. “É nisso que acreditamos: que as pessoas aprendam o que quer dizer ‘ser empreendedor’. Acreditamos que qualquer pessoa pode ser empreendedora, não quer dizer que todos venham a ser, mas todos podem ser se quiserem”, explica António Lucena de Faria, sócio fundador e CEO da Fábrica de Startups.
Dia a dia, foram realizando eventos, recebendo e libertando startups, gerando investimento e crescimento. No entanto, ‘ensinar’ não quer dizer ‘fazer por’, garante. “Estamos aqui para facilitar a vida dessas pessoas mas não queremos que queiram apenas ser empreendedores. Queremos também que tenham boas hipóteses de sucesso”, diz. E isso, explica o responsável, implica avançar para a criação de uma empresa depois de validado o modelo de negócio: “Começar com uma boa equipa, uma boa ideia e uma boa validação”. Uma espécie de trilogia de fabrico do empreendedor se tudo isto bater certo aí sim vale a pena avançar com um projeto e criar uma empresa que pode ter muito sucesso — pode significar para essas pessoas a sua independência financeira — e a sua valorização como pessoas e profissionais.
Nestes seis anos de atividade — em Portugal, no Brasil desde o início do ano e, em breve, na Ásia, com a China à cabeça — passaram pelos programas da Fábrica de Startups mais de 1.500 pessoas, o que reflete uma média de 100 projetos por ano. Entre as startups ligadas a esta Fábrica estão, por exemplo, nomes como a Cabify, a Zaask a Shopkit ou a Climber.
Voltando ao unicórnio, António diz que, por definição, não existe. Ou então existe em muito pouca quantidade. “A nossa ideia começa com a mudança de atitudes. Temos uma nova abordagem que não nos permite eliminar mas reduzir o risco. É isso que nos motiva todos os dias”, explica.
E se, em 2011, a Fábrica começou com três áreas fundamentais de atividade — um sistema ‘tradicional que agrega, dentro da aceleração, três momentos (fast ideation, fast growth e fast start) –, a instituição decidiu, mais tarde, complementar a oferta com um programa de incubação. Uma forma de crescer e, ao mesmo tempo, regressar à origem.
“Queremos continuar a fomentar o empreendedorismo em Portugal em termos de atitude. Já tínhamos uma boa infraestrutura, são mais de 100 incubadoras espalhadas pelo país mas muito mal utilizadas. (…) Precisamos da parte mais soft: o empreendedorismo tem de se ensinar nas escolas. Empreendedorismo é uma forma de estar na vida, de olhar para os problemas e encontrar uma solução. É um mindset“, explica.
Mas o projeto não fica por Lisboa, Oeiras nem pelo Porto, onde a Fábrica tem uma parceria com a Porto Business School. No início deste ano, a Fábrica de Startups anunciou o lançamento da Fábrica de Startups Brasil, no Rio de Janeiro, usando a mesma metodologia aplicada em Portugal a startups criadas no Brasil.
"Ter uma Fábrica de Startups no Brasil é a realização de um objetivo muito claro de aproveitar o gigante potencial do país e criar empreendedores de sucesso através de uma metodologia e impacto já gerado com mais de 500 startups em Portugal.”
Além fronteiras
A oportunidade de exportar a metodologia da Fábrica de Startups para o mundo surgiu quando o projeto inaugurou o primeiro espaço além-fronteiras, no Rio de Janeiro. A incubadora e aceleradora será também responsável pela Startup City powered by Fábrica de Startups que, segundo António, será inaugurada até ao fim do ano: um espaço de 20.000 metros quadrados onde uma parte será dedicada apenas a startups. Os planos de expansão passam também por, em breve, a Fábrica de Startups entrar no mercado chinês, previsivelmente via Macau. “Vai acontecer muito provavelmente até ao fim do ano. Demos o primeiro passo no Macau Fórum. O que fizemos foi uma parceria para refletir a experiência dos últimos dois anos em Portugal mas, agora no Brasil. É um mercado muito grande, com muitos milhões de habitantes e que utilizam regularmente a internet, uma área não tão protegida com barreiras à entrada”, explica António, sobre a estratégia.
Não concordo nada que as startups portuguesas, quando querem expandir a sua atividade, têm de pensar primeiro nos Estados Unidos.
“Gosto muito do país, tenho lá família mas a verdade é que é um mercado muito complicado e intenso em termos de concorrência, e com muitas dificuldades para as startups que ainda têm muito que aprender, que é o caso da startups portuguesa. Faz mais sentido ir para um mercado onde ainda há muita coisa por explorar e menos concorrência como é o caso dos mercados brasileiro ou asiático. Queremos aproveitar todos os nossos espaços espalhados pelo mundo inteiro e estar na América latina, na Europa e na Ásia. E quem sabe, amanhã voltar a África”, assinala, acrescentando que tudo é uma questão de tempo. “É uma questão de gestão de prioridades, não conseguimos estar ao mesmo tempo em todos os sítios”, explica o responsável pela instituição que criou o Energia de Portugal, o primeiro evento do género em Portugal, numa altura em que a Beta-i e a Startup Lisboa davam os primeiros passos.
Novidade também foi a criação de uma entidade veículo — um fundo de 800 mil euros para investir em startups — que, em breve, deverá chegar aos 2,5 milhões. “A nossa intenção é ter dez ideias, selecionar seis e, ao fim de três meses, queremos quatro para desenvolver durante nove meses. “Estamos a começar”, justifica.
"Nós aqui em Portugal é que achamos que é muito difícil mas isso é porque nunca experimentámos abrir uma empresa no Brasil, é uma coisa complicada.”
Empreendedores profissionais?
Mas, e se todos podem ser empreendedores, que tipo de empreendedores somos nós? “Fomos dos primeiros a falar na democratização do empreendedorismo e continuamos a acreditar muito nisso. Há diferentes tipos de empreendedores e não são todos iguais. Aqui, por exemplo, não acreditamos nada no modelo do unicórnio, não nos diz nada”, explica António, acrescentando que a metodologia se aprende consoante a vontade.
“Temos tido muitas surpresas, coisas que eram para durar e desapareceram. E há muitas coisas, em termos da economia real, alterações que ainda vamos ver pela frente. Mudaram os pressupostos e acho que, neste momento, temos de olhar e pensar que a ideia de todos termos um emprego é arriscada, mais arriscada do que ser empreendedor“, diz.
Muita coisa tem mudado nos últimos anos no empreendedorismo, e começa logo pela atenção ao tema: há seis anos ninguém queria saber, era raríssimo encontrar pessoas nas universidades interessadas no tema. Agora, nas universidades, as aulas de empreendedorismo são muito concorridas. Mas também não podemos embandeirar em arco e pensar que está tudo feito porque não está.
Também por isso foi criado recentemente o novo programa, Tourism Explorers, focado inteiramente no turismo. “Precisamos muito de beneficiar desta situação de termos um fluxo turístico muito elevado porque são condições exógenas que podem acabar de um dia para o outro”. O programa, que vai passar por 12 cidades do continente e ilhas, tem como objetivo apresentar propostas que possam “ser ganhadoras”, mas que “sejam sustentáveis à dimensão daquilo que se pretende atingir, uma forma de descobrir maneiras inovadoras de resolver determinados problemas”.
“Temos de fazer com que o interior seja também uma área de desenvolvimento do empreendedorismo. Acreditamos e está mais do que demonstrado: precisamos ainda de fazer um upgrade da forma como o empreendedorismo é demonstrado nessas regiões. Não pode ser uma coisa amadora, tem de ser mais sustentada. Não é uma questão de dinheiro mas de conhecimento, know how e vontade. É isso que queremos fazer com esse projeto”, detalha António.
Antes o empreendedorismo nem era considerado uma opção, mas ainda não estamos naquele momento em que há um grupo suficientemente grande de pessoas que acabam os seus cursos e querem avançar logo como empreendedores. Ainda há uma ideia de que ter um emprego continua a ser melhor do que ser empreendedor. E isso é preocupante, porque sabemos que as coisas estão a mudar todos os dias.
“Falta muitas vezes a humildade de perceber que a minha ideia pode ser uma coisa super interessante, a melhor do mundo mas, se os clientes não disserem que aquilo é útil para eles, é a pior ideia do mundo porque nenhum cliente vai dar nada por ele (…). Este conceito de criarmos uma empresa à nossa medida e depois descobrirmos que afinal somos o único cliente da empresa é uma má ideia”.
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