O Simplex Urbanístico e os desafios na sua aplicação
Tenho, por isso, como maior desafio da aplicação do SIMPLEX um nível de exigência que o mesmo impõe aos vários agentes e stakeholders do setor.
Escassos meses volvidos da aprovação do Decreto-Lei 10/2024, de 8 de janeiro, comummente conhecido por SIMPLEX Urbanístico, começamos a assistir aos primeiros impactos no quotidiano da promoção imobiliária e do dia-a-dia das entidades públicas responsáveis pela sua aplicação.
Nessa medida, existem já um conjunto de indicadores que nos permitem elencar aqueles que, na nossa perspetiva, poderão ser os principais aspetos positivos e negativos desta profunda reforma legislativa – bem se sabendo, ainda assim, que é precoce um veredito em torno destas questões.
Como pontos positivos, começamos por destacar a fixação de verdadeiros prazos procedimentais para a prática das decisões finais em matéria de licenciamento urbanístico.
Pois bem, não descurando o grosseiro lapso em que incorreu o legislador na fixação de um prazo de 200 dias para a prática das decisões finais nos procedimentos de licenciamento tendencialmente mais complexos – dado que parece ter sido ignorado o regime de contagem de prazos do Código do Procedimento Administrativo, que, uma vez aplicado a esta realidade, determina que o prazo mais amplo seja, afinal, contado em dias corridos –, esta medida, aliada ao suscitar do deferimento tácito, permitirá uma maior organização e previsibilidade dos timings associados a este tipo de processos, promovendo a credibilidade na ótica do investidor.
De igual modo, a eliminação de muitas etapas procedimentais e decisões administrativas materialmente inúteis igualmente se revela um ponto inegavelmente positivo, contribuindo para os objetivos a que esta alteração de paradigma se propõe atingir.
Contudo, não pretendendo apagar os contributos positivos do diploma, muitas são as incertezas e os aspetos seguramente preocupantes que esta reforma trouxe para a vida das empresas, organismos públicos envolvidos e, sobretudo, dos cidadãos.
Compreendendo os desígnios da celeridade e da desburocratização, medidas como o desaparecimento das licenças de utilização no ato de compra e venda de imóveis ou a desmedida transferência de responsabilidades para os técnicos responsáveis pela elaboração ou acompanhamento dos projetos permitem concluir, inequivocamente, que tais objetivos foram prosseguidos com manifesto prejuízo para um valor jurídico, quiçá, de relevância superior: a segurança jurídica como baluarte essencial de operações jurídicas com inestimável peso jurídico e financeiro na esfera jurídica de quem os promove.
Tenho, por isso, como maior desafio da aplicação do SIMPLEX um nível de exigência que o mesmo impõe aos vários agentes e stakeholders do setor. Se, por um lado, importa aguardar pela posição que as principais entidades publicas com competências nesta matéria (desde autarquias locais a entidades externas com competência consultiva) vão adotar perante as severas restrições às competências que, até aqui, detinham – podendo esperar-se uma posição que ora será de concordância com o espírito da lei, ora de guerrilha para impedir a perda do seu poder decisório em muitas dessas matérias –, quanto aos intervenientes particulares, em cuja responsabilidade do sucesso das grandes operações urbanísticas passa a recair, a cultura de autorresponsabilização típica do norte da Europa apenas poderá vingar se (e quando) os padrões valorativos de tais geografias forem acatados por um povo tão latino como o português.
Se tal não suceder, o pesadelo dos esqueletos do betão e o aumento vertiginoso da litigância impedirão, pela certa, a promoção e o desenvolvimento da construção em Portugal…
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