Offshores: nova maioria negativa à vista?
A decisão do Governo de retirar Uruguai, Jersey e Ilha de Man da lista negra de offshores não gera apenas críticas à direita. Conseguirá o CDS revogar a decisão do Executivo?
O CDS quer reintegrar na lista negra dos offshores os três territórios que o Governo excluiu no final do ano passado. E pode ter apoio de outros grupos parlamentares. Para já, os deputados não querem comprometer-se com uma posição. Mas a verdade é que houve críticas, e duras, à decisão do Executivo de retirar Uruguai, Jersey e Ilha de Man da lista. Vem aí novo episódio parecido ao da TSU?
“Sendo esta decisão manifestamente ilegal e politicamente inexplicável, aquilo que o Governo pode e deve fazer é revogá-la de imediato. Se não o fizer, o CDS apresentará ainda hoje [segunda-feira] um Projeto de Lei precisamente para o fazer”. Foi assim que a deputada centrista Cecília Meireles anunciou no Parlamento, no debate de urgência sobre a matéria, que o CDS iria tentar repor Uruguai, Jersey e Ilha de Man na lista de offshores.
“Pode a Assembleia naturalmente voltar a pôs os países, acabar com toca de informações, e quem tiver dinheiro e património oculto nessas jurisdições agradecerá”, respondeu então o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade. Estará o Governo sozinho ou acompanhado nesta matéria?
Os deputados preferem deixar uma decisão para mais tarde. Mas o debate esteve recheado de acusações. “Em princípio, somos favoráveis a resolver este problema”, afirmou ao ECO o deputado Leitão Amaro, do PSD, embora indicando que qualquer resposta só poderá advir depois de conhecido o projeto do CDS. Aliás, foi por iniciativa do PSD que o Parlamento debateu esta segunda-feira as mexidas recentes na lista de offshores.
Leitão Amaro acusou o Governo de não cumprir os critérios legais que, segundo afirmou, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) considera “imperativos e não voluntários”, embora o Executivo não tenha esta leitura. Além disso, abordou ainda aquilo que diz serem contradições entre declarações de membros do Governo e defendeu que os pareceres da AT em nada consubstanciam a decisão tomada. O PSD duvida da “real motivação” do Executivo e, de acordo com Leitão Amaro, a retirada destes três territórios prejudica o controlo das transferências e permite que os rendimentos tenham uma tributação mais baixa.
Pelo Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua também não quis antecipar a sua posição perante o projeto de lei do CDS, mas recordou que o partido é “crítico” da decisão do Governo. Isso ficou visível no debate. “O Bloco de Esquerda não aceita nem concorda com as justificações dadas, mas elas são justificações políticas, são conhecidas, os argumentos são claros”, disse Mariana Mortágua na altura. Resta saber se a decisão cumpriu os preceitos legais e se é correta, adiantou ainda, acrescentando que de facto a lei não obriga a um parecer da AT. Mas “se calhar deveria obrigar”, acrescentou Mariana Mortágua. A deputada entende que o parecer da AT não é obrigatório mas quer saber se a sua opinião foi respeitada. “Aquela que temos por escrito é contrária à decisão tomada” pelo Governo, e este tem de assumir a responsabilidade, frisou a bloquista.
Já o PCP parece ter outra visão. Ao ECO, Miguel Tiago apoia-se nas considerações da OCDE relativamente à transparência de Uruguai, Jersey e Ilha de Man. O Governo entende que o mais importante é a troca de informação, em detrimento da inclusão na lista negra de offshores, que pode ser iludida por uma operação de “triangulação”, em que a transferência passa por um terceiro país. Além disso, coloca dificuldades nas relações diplomáticas e económicas, afirmou Rocha Andrade. Sem querer adiantar decisões, Miguel Tiago não vê benefícios em repor na lista territórios que efetivamente troquem informação, a não ser que haja algum elemento novo que surja face a este entendimento.
O que diz o projeto do CDS?
Em apenas dois artigos, os centristas pedem a revogação da portaria que elimina os três territórios em causa e indicam que a entrada em vigor deve ocorrer no dia a seguir à publicação. Mais extensa é a exposição de motivos. O CDS diz que “em nenhum momento, o Governo invoca a Lei geral Tributária”, tendo antes preferido elaborar a portaria sem considerar os critérios aí previstos.
“Ignoramos até hoje se os territórios que o Governo decidiu retirar da lista preenchem ou não estes critérios”, adianta o projeto, salientando que isso é “vital” para que a portaria seja “legal.
“Aliás, desconhecemos também quais os motivos que levaram à seleção destes três territórios, de entre todos os constantes na lista. Foi feita uma avaliação sistemática e comparativa de todos os outros? Houve pedidos destes Estados, tal como legalmente previsto? Foram os únicos a fazer o pedido?”, questionam os centristas.
Onde é que já vimos isto?
Se o CDS conseguir reunir apoio suficiente, a vontade do Governo pode cair por terra. Para isso terá de contar com a ajuda, ainda que parcial, da chamada Geringonça.
No início do ano, aconteceu o mesmo com a TSU. Depois de o Governo acordar com os parceiros sociais (menos a CGTP) a descida dos descontos no caso de empresas que pagam o salário mínimo, o PSD decidiu chamar ao Parlamento a decisão que tinha sido definida em decreto-lei (ou seja, sem passar pelos deputados). PSD, Bloco, PCP e Verdes juntaram-se para travar o diploma. CDS e PAN abstiveram-se.
O caso dos gestores públicos é outro exemplo. Através de uma maioria negativa — formada pelo PSD, CDS e BE — os social-democratas conseguiram ver aprovada a sua proposta de aditamento ao Orçamento do Estado para 2017, conseguindo que os administradores da Caixa voltassem a ser abrangidos pelo estatuto do gestor público e, assim, fossem obrigados a dar conta dos seus rendimentos.
Um outro exemplo ainda de sucesso de uma maioria negativa foi a proposta do PCP de que os museus voltassem a ser gratuitos ao domingo. Bloco, PSD e CDS votaram a favor ao lado dos comunistas forçando a inclusão desta medida no Orçamento do Estado para 2017.
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