Agenda anticorrupção: Tribunal pode escolher quais os bens confiscados que revertem para o Estado

Agenda anticorrupção aprovada na quinta-feira prevê que os bens sejam confiscados, mesmo que não haja uma condenação, em casos como os crimes terem prescrito, o arguido ter morrido ou estar em fuga.

O Governo pretende que os bens do arguido acusado pelo crime de corrupção possam ser confiscados por ordem de um juiz — que pode escolher quais os bens em causa — mesmo que não haja ainda uma condenação no processo. Esta possibilidade aplica-se nos casos em que os crimes tiverem prescrito, se o arguido estiver em fuga ou tiver morrido.

Esta é uma das 32 medidas anticorrupção apresentadas e aprovadas esta quinta-feira pelo Governo. A criação de um novo mecanismo de perda alargada de bens pretende combater o enriquecimento ilícito, fazendo assim reverter a favor do Estado bens e proventos económicos da corrupção. Ou seja, assegurar que os corruptos não ficam com o produto da sua conduta criminosa.

De acordo com dois diplomas já em vigor, presume-se que abranja a diferença entre o património e os rendimentos declarados no IRS e os sinais de riqueza exibidos, embora o arguido tenha sempre a possibilidade de provar que esta presunção não é verdadeira.

A medida não surge apenas por iniciativa do Executivo, mas também por imposição europeia da diretiva aprovada em abril de 2024, e que Portugal tem que transpor até ao fim de 2027. Diz a mesma que “os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para permitir a perda dos instrumentos, vantagens ou bens ou de vantagens ou bens que tenham sido transferidos para terceiros nos casos em que tenha sido iniciado um processo penal mas o mesmo não tenha podido prosseguir devido a uma ou mais das seguintes circunstâncias: doença, fuga ou morte do suspeito ou arguido ou em que o prazo de prescrição previsto no direito nacional para a infração penal em causa é inferior a 15 anos e expirou após o início do processo penal”, diz o texto da lei.

“A perda sem condenação prévia nos termos do presente artigo deve limitar-se aos casos em que, na ausência das circunstâncias teria sido possível que os processos penais resultassem numa condenação penal, pelo menos em relação às infrações suscetíveis de gerar, direta ou indiretamente, um benefício económico substancial, e se o tribunal nacional estiver convencido de que os instrumentos, vantagens ou bens alvo da perda resultam da infração penal em causa ou estão direta ou indiretamente a ela associados”, acrescenta.

A ministra da Justiça, Rita Júdice, participa na conferência de imprensa no final da reunião do Conselho de Ministros, na residência oficial, no Palácio de São Bento, Lisboa, 20 de junho de 2024. ANTÓNIO COTRIM/LUSAANTÓNIO COTRIM/LUSA

“Já existe um mecanismo de perda alargada de bens, mas queremos incrementar para ser mais eficaz. Este mecanismo pode ser aplicado mesmo que não haja condenação e que o processo seja arquivado”, afirmou a ministra da Justiça, no briefing realizado após a reunião do Conselho de Ministros. Rita Alarcão Júdice considerou o mecanismo de perda alargada de bens como “uma das medidas-chave” aprovadas neste pacote. “A melhor forma de combater o enriquecimento ilícito é assegurar a devida perda da vantagem do crime e que se percecione que o crime não compensa”, sublinhou.

O Governo alerta ainda que existem lacunas no âmbito da regulação processual da perda de bens e que é necessário colmatá-las. “Importa clarificar como se articulam os diferentes instrumentos que, no plano cautelar e preventivo, têm vindo a ser utilizados para garantir a execução de uma eventual decisão final de perda: a apreensão, o arresto preventivo e a modalidade especial de arresto no âmbito da perda alargada”, lê-se na Agenda Anticorrupção.

Para o associado coordenador da equipa de Penal Contraordenacional e Compliance da MFA Legal, Rui Costa Pereira, os objetivos apresentados ao nível da punição efetiva estão num “limbo muito frágil” entre o reforço da ação punitiva do Estado e a salvaguarda dos direitos fundamentais das pessoas.

Rui Costa Pereira sublinhou que querer-se criar um novo paradigma de Perda Alargada de Bens a favor do Estado, mas “sem dar uma única pista” de que novo paradigma é esse, “deixa qualquer jurista penalista em alerta”.

“Para já, porque não se percebe porque é que é necessário um novo paradigma. O atual não é bom? Porquê? Como é possível robustecer um regime onde já é possível ao Gabinete de Recuperação de Ativos e à Polícia Judiciária avançarem com arrestos de bens de pessoas nem sequer acusadas de crimes, suportadas por despachos tabelares, em que o ónus da prova da proveniência, acrescenta.

Segundo o advogado Miguel Pereira Coutinho, advogado na Cuatrecasas, “quanto ao estabelecimento de mecanismos de perda de bens, seria importante saber se, à semelhança do que sucede no Reino Unido, se procurará ou não seguir o exemplo das ‘unexplained wealth orders’, que permitem, como é sabido, mitigar as dificuldades próprias do processo penal em termos de prova, seguindo-se a forma de processos de natureza civil”.

“As várias tentativas de criminalização da detenção de património sem justificação conhecida, prescindindo da prova de um crime subjacente, frustraram-se por inconstitucionalidade”, refere o Governo.

Ainda assim, o Executivo alerta que grande parte dessas dificuldades foram superadas com a previsão do crime de ocultação intencional de património. Este crime é punível com pena de prisão de um a cinco anos, quando praticado por titular de cargo político ou alto cargo público, por referência à declaração única de património, rendimentos e interesses que se está obrigado a apresentar.

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