Comerciantes do Campo Pequeno ouvidos pelo ECO antecipam que a mudança do Governo para o Campus XXI vai "dar alegria" e "mais movimento" à zona, mas estão comedidos quanto ao impacto no negócio.
O Governo deu esta segunda-feira o ‘tiro’ de partida na primeira fase da reforma da Administração Pública, com a mudança de seis ministérios e duas secretarias de Estado para o Campus XXI, estimando que a transição permita gerar uma poupança de cerca de 20 milhões de euros aos cofres do Estado. Os comerciantes da zona do Campo Pequeno, em Lisboa, ouvidos pelo ECO antecipam que a mudança do elenco governativo para a sede da Caixa Geral de Depósitos (CDG) vai “dar alegria” e “mais movimento” à zona, mas estão comedidos quanto ao real impacto no negócio.
“Isto anda um bocado morto”. “Acho que [a mudança] vai dar alegria à zona e a gente vai começar a ter mais movimento”, antecipa Amândio, dono do “Petiscos Amandius”. Localizado do outro lado da rua, para onde, a partir de hoje, se mudaram de ‘malas e bagagens’ os Ministérios da Agricultura e Pescas, Infraestruturas e Habitação, Economia, Presidência, Juventude e Modernização, Coesão Territorial, e a secretarias de Estado dos Assuntos Parlamentares e do Desporto, o negócio deste café já teve melhores dias, mas também “já esteve pior”, conta o proprietário de 80 anos. Para já, as expectativas “são boas”, mas ainda não se nota grande diferença. “Hoje não sentiu nada…nem sequer um café!”, brinca, entre risos. “Só ao fim de uns dias é que a gente começa a ver isso”, sublinha.
O panorama é semelhante na pastelaria do lado. “Como hoje foi o primeiro dia, pouco se notou. Vamos ver daqui para a frente”, afirma Vitorino, que trabalha na Pastelaria “Cosco” há 14 anos. E tal como no café do lado, o negócio “tem estado um bocadinho parado”. “Há muita gente da Caixa [Geral de Depósitos] que saiu e franqueou um bocadinho”.
Recorde-se que nos últimos anos o banco público avançou com um plano de saída de trabalhadores, tal como aconteceu a outros bancos do setor. Se em 2015, a CGD tinha, no total, em Portugal cerca de 8.400 trabalhadores, em junho de 2023 eram 6.430. Ou seja, no espaço de cerca de oito anos, houve uma redução de quase dois mil funcionários. “Depois da pandemia, as pessoas habituaram-se a trabalhar em casa. Há pouca gente aí”, acrescenta o proprietário desta pastelaria, sublinhando que a quebra “já se sente há muito tempo”.
E se Vitorino tem esperança de que com a mudança do Governo – que será faseada ao longo dos próximos dois anos –, o negócio “vai melhorar”, o proprietário desta pastelaria é mais pessimista. “Vai, vai… Para pior”, riposta Horácio Rocha, em resposta às expectativas do seu empregado. “No Estado pagam mal”, diz entre risos, notando ainda que a escalada de preços dos últimos dois anos fez com que as pessoas fossem mais seletivas nos seus gastos.
“Hoje em dia as pessoas muitas vezes trazem os pequenos-almoços e almoços de casa”, corrobora Gabriela Teixeira, gerente da pastelaria/restaurante “Namur”, que fica a cerca de 150 metros da “Cosco”, indicando que a quebra começou a sentir-se “desde que os preços das casas começaram a disparar”. “Hoje em dia fazemos 100 pequenos-almoços se tanto… Antes fazíamos 200 a 300… Era muito mesmo“, desabafa, ao ECO. Para já, as expectativas sobre a nova ‘vizinhança’ não são grandes. Ainda assim espera que possa servir, pelo menos, mais pequenos-almoços.
Também o restaurante “Sem Dúvida” espera ter “mais movimento”. “Agora se vai trazer pessoas para vir consumir… Vamos ver”, afirma o dono do restaurante. Apesar de considerar que o negócio “tem estado positivo”, Sérgio Rodrigues admite que o último mês fugiu à regra. “No mês passado foi muito mau, mesmo. Tivemos quebras de para aí 40%”, adianta, indicando que os feriados acabaram por fazer ‘mossa’. Ainda assim, nada é como “antigamente”. “Parece que não, mas no pós-Covid as pessoas ausentaram-se um bocadinho”, diz ao ECO.
Dirigido para “segmento médio-alto”, com a refeição média a custar entre 30 a 40 euros, este restaurante “vive mais de almoços” e maioritariamente das pessoas que trabalham pela zona do Campo Pequeno. E também aqui notam que os consumidores estão a cortar nos gastos. “É mais a nível de entradas e à hora de almoço, principalmente nos vinhos. Mas vamos aguentando“, remata.
E se o setor da restauração ainda admite esperar para ver o impacto no negócio, no setor do retalho a esperança é inexistente. “Para a restauração é capaz de vir a ter mais movimento. Mas para o pequeno comércio de retalho não deve ter”, estima Henrique Martins, sublinhando que o público-alvo da sua mercearia “são os moradores aqui da zona”. Mas também o seu negócio já teve dias melhores. “Está pior. Principalmente depois da pandemia nunca conseguimos recuperar”, conta, indicando que a “concorrência” dos grandes supermercados que abriram, entretanto, na área não veio ajudar. “As pessoas olham mais ao preço e levam menos coisas”, afirma.
“Olhe, ainda há bocadinho veio aí uma cliente que pediu 800 gramas de batata e 4 cebolas. As batatas tinham 820 gramas. Mas também lhe disse: ‘Olhe, quer que tire as 20 gramas ou que é que faço?”, conta, entre risos. “Chegou a este ponto… Alguma vez se pensou vir a comprar à unidade?! É assim, não está fácil”, lamenta.
“Quando mudamos é sempre para melhor”, diz Pinto Luz
“Bem-vindos à casa do Governo e do Estado para o século XXI. É o princípio do futuro, do Estado, da Administração Pública, mais eficiente, para melhor a responder aos cidadãos e mais económica para os contribuintes”. Foi desta forma que o ministro da Presidência resumiu o primeiro dia do Governo no Campus XXI, notando que a mudança envolveu “uma operação logística tremenda”. “Foram mais de 90 pessoas, para além das empresas de mudanças e limpezas, que passaram o fim de semana a trabalhar”, indicou. “Há um outro detalhe que possa faltar”, mas “regra geral está tudo pronto”, comentou fonte do Governo ao ECO.
Os 23 membros do Executivo que deram esta segunda-feira o ‘tiro’ de partida na reforma da Administração Pública, que é também é um dos requisitos para o Governo poder solicitar o pagamento do quinto cheque do PRR, no montante de 2.775 milhões de euros, começaram a chegar ao Campus XXI pelas 9h00.
Parcos nas palavras, entraram, regra geral, de passo apressado e sorriso no rosto, não soltando mais do que um ‘bom dia’ aos jornalistas. E estão entusiasmados? “Muito claro. Quando mudamos é sempre para melhor”, afiançou o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Miguel Pinto Luz. É “positivo”, corroborou o ministro da Economia, Pedro Reis.
Certo é que, para já, e pelo menos até 2026 o Governo terá que partilhar a nova ‘casa’ com os trabalhadores da CGD, que antecipam “boa convivência”. “Se a coisa for bem coordenada e organizada não esperamos problemas”, diz um funcionário do banco público, ao ECO. “De certa forma é um bocadinho igual ao que já estamos habituados. Já partilhámos o espaço com outras empresas”, nota ainda outro funcionário.
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Comerciantes esperam que mudança de ‘casa’ do Governo traga “mais movimento”
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