Decisão do TJUE abre caminho a derrota da banca no tribunal português

Tribunal de Justiça da União Europeia confirma que “troca de informações isolada entre concorrentes pode constituir restrição da concorrência por objeto”. Decisão final nas mãos do tribunal português.

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) confirmou as multas aplicadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) a 14 bancos, em 2019, por violação da concorrência, rejeitando os recursos apresentados da decisão do regulador, numa resposta ao Tribunal da Concorrência nacional. A AdC condenou os bancos ao pagamento de coimas no valor global de 225 milhões de euros por prática concertada de troca de informação comercial sensível, durante um período de mais de dez anos, entre 2002 e 2013.

E agora, o que pode fazer o Tribunal da Concorrência de Santarém?

Agora, com esta confirmação, pouco resta à instância nacional, o tribunal de Santarém, senão decidir no mesmo sentido. “As decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre a interpretação do direito da União Europeia (UE) são obrigatórias para os tribunais nacionais. Compete aos tribunais nacionais aplicar essa interpretação ao caso concreto que têm de decidir”, segundo explicou Mariana Tavares, advogada e sócia da CVA.

“O objetivo é assegurar uma aplicação uniforme e coerente da legislação da UE em todos os Estados-membros, evitando divergências na interpretação da lei da UE. Assim, o tribunal nacional deverá aplicar a interpretação da lei ao caso concreto conforme determinado pelo TJUE. No entanto, se este tribunal considerar que o TJUE não levou em conta certos aspetos relevantes, pode decidir submeter uma nova questão prejudicial, de modo a obter clarificações adicionais”, explica José da Cruz Vilaça, sócio fundador do mesmo escritório.

No dia 28 de abril de 2022, o tribunal de Santarém deu como provado que as instituições financeiras trocaram informação sensível sobre as condições comerciais do crédito, mas teve dúvidas se infringiram as regras da concorrência por não ter ficado provado que essa prática teve impacto nos clientes. Por isso, a juíza Mariana Machado enviou o caso para o Tribunal da Justiça da União Europeia (TJUE) para esclarecer a qualificação jurídica sobre se a troca de informação entre os bancos teve ou não efeitos objetivos na concorrência, que decidiu esta segunda-feira.

Rita Aleixo Gregório, sócia da área de Europeu e Concorrência da PLMJ, defende que “esta decisão do Tribunal de Justiça vincula o Tribunal da Concorrência português na interpretação que aquele faz do artigo 101.º n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. O Tribunal de Justiça não decidiu, nem podia decidir, o caso nacional. Compete agora ao Tribunal da Concorrência retirar daquela decisão as conclusões necessárias para decidir o caso concreto”, diz a advogada.

“Para tanto, cabe ao Tribunal nacional verificar se os elementos de facto que transmitiu ao Tribunal de Justiça correspondem efetivamente a essa situação e se os relativos à legislação nacional estavam completos e eram de facto aplicáveis à referida situação, num alerta deixado pelo Tribunal de Justiça na sua decisão, em resposta ao elevado criticismo quanto ao contexto factual que lhe foi apresentado pelo Tribunal da Concorrência”.

A advogada considera que “este é um alerta muito importante, ainda que se afigure que terá implicações práticas limitadas num caso como o nacional, em que não há reapreciação da matéria de facto pelos Tribunais superiores e em que, pela natureza das coisas, é expectável que o Tribunal da Concorrência decida no sentido de que as trocas de informação – tal como foram por si caracterizadas factualmente perante o Tribunal de Justiça – qualificam como uma restrição da concorrência “por objeto”, dispensando-se, por isso, a demonstração (mais complexa e morosa) de efeitos anti concorrenciais”, concluiu Rita Aleixo Gregório.

Leyre Prieto, sócia coordenadora da área de europeu e concorrência da TELLES explica à Advocatus que “o reenvio prejudicial é um instrumento de cooperação judiciária – um diálogo entre o juiz nacional e o juiz da União Europeia – com o objetivo de contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito da União Europeia no conjunto dos Estados-membros. No caso concreto temos um reenvio prejudicial de interpretação, ou seja, o que está em causa é a interpretação das normas de direito da União Europeia aplicáveis ao caso concreto e não de uma análise dos factos em causa no processo, nem tampouco de uma decisão sobre o mérito da causa”, acrescenta.

Ou seja, “a interpretação conferida pelo Tribunal de Justiça vincula os Juízes do Tribunal da Concorrência. Aliás, o reenvio acarreta a suspensão da instância e vincula todos os juízes de todos os Estados-membros da União Europeia que se deparem com uma questão idêntica. O mecanismo do reenvio prejudicial de interpretação visa a aplicação efetiva e homogénea da legislação da União e evitar qualquer interpretação divergente”.

Como conclusão, o mais provável é decidirem no mesmo sentido, “uma vez que os juízes nacionais estão vinculados à interpretação do Tribunal de Justiça, terão de interpretar e aplicar as normas de Direito da União Europeia no mesmo sentido do que o Tribunal de Justiça neste Acórdão”.

Num comunicado relativo ao acórdão, o TJUE refere que “a troca de informações ocorrida durante mais de uma década entre 14 instituições de crédito em Portugal pode constituir uma restrição à concorrência por objeto”.

Em causa está a troca de informações respeitantes aos mercados do crédito à habitação, do crédito ao consumo e do crédito às empresas e que “incidiam sobre determinadas condições, atuais e futuras, aplicáveis às operações, nomeadamente aos spreads e às variáveis de risco, bem como sobre os valores de produção individualizados dos participantes nessa troca”.

Os bancos condenados são a o BBVA, o BIC (por factos praticados pelo então BPN), o BPI, o BCP, o BES, o Banif, o Barclays, a CGD, a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, o Montepio, o Santander (por factos por si praticados e por factos praticados pelo Banco Popular), o Deutsche Bank e a UCI. Destes, só o Banif e o Deutsche Bank não apresentaram recurso da decisão da AdC.

“Basta que essa troca constitua uma forma de coordenação que, pela sua própria natureza, seja necessariamente, num contexto como aquele que envolve a troca, prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência. Ora, para que um mercado funcione em condições normais, os operadores têm de determinar de forma autónoma a política que tencionam seguir e têm de permanecer na incerteza quanto aos comportamentos futuros dos outros participantes”, lê-se na decisão conhecida esta segunda-feira.

Os bancos admitiram a troca de informações, mas recusaram que tenham praticado qualquer infração, considerando que as informações trocadas eram públicas e passavam pelas mãos de funcionários sem poder de decisão. Por isso, defendem que não resultou qualquer dano para os consumidores, ao contrário do que alega a Autoridade da Concorrência.

Além disso, também argumentam que as alegadas infrações apontadas pelo regulador aconteceram num período anterior à crise financeira de 2008 que foi marcado por uma forte concorrência comercial entre os bancos com o objetivo de conquistar quotas de mercado. Por outro lado, os bancos contestam o valor “arbitrário” das coimas e criticam a “estratégia mediática” da Autoridade da Concorrência durante todo o processo que teve uma duração “inaceitável” que afetou a sua reputação.

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