“A arbitragem laboral tem demonstrado que é uma via sólida, robusta e célere”

David Carvalho Martins, managing partner da DCM | Littler, foi nomeado para integrar a lista de árbitros presidentes do CES. À Advocatus, explicou que é um desafio “muito estimulante”.

David Carvalho Martins, managing partner da DCM | Littler, foi nomeado para integrar a lista de árbitros presidentes do Conselho Económico Social. À Advocatus, explicou que é um desafio “muito estimulante” e “totalmente diferente” das suas atividades profissionais como advogado e docente universitário.

Considera que a arbitragem laboral pode contribuir para reduzir a pendência de casos nos tribunais comuns e “alcançar soluções mais céleres e eventualmente menos onerosas”. Sobre a inteligência artificial, sublinha que proibir ou restringir o seu uso no ensino e na prática do Direito, mas também no mundo do trabalho, é “mais difícil do que parar o vento com as mãos”.

Recentemente foi nomeado para integrar a lista de árbitros presidentes do Conselho Económico e Social para as matérias previstas no Código do Trabalho. Como recebeu essa nomeação?

A possibilidade de ser nomeado para a lista de árbitros presidentes do Conselho Económico e Social surgiu de forma totalmente inesperada. Aceitei o desafio com um sincero e elevado sentido de responsabilidade, bem como com uma forte determinação em contribuir de maneira eficaz para a resolução célere e equilibrada dos conflitos coletivos de trabalho.

Nesse sentido, pretendo aprender com o exemplo dos árbitros que, desde a sua criação, dedicaram o seu saber à resolução rápida e justa dos conflitos coletivos de trabalho, mas também à equipa do Conselho Económico e Social que, ao longo dos anos, tem assegurado o pleno funcionamento desta instância arbitral.

David Carvalho Martins, Managing Partner da DCM Littler, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Em que consiste este novo desafio?

O Conselho Económico e Social organiza e mantém listas de árbitros para dirimir, nomeadamente, conflitos coletivos no âmbito do Código do Trabalho (arbitragem obrigatória, necessária e sobre serviços mínimos durante a greve). Por outro lado, assegura o apoio administrativo ao funcionamento do tribunal arbitral, o qual é composto por três árbitros: um presidente, um árbitro representante dos trabalhadores e um árbitro representante dos empregadores. Os árbitros devem ser independentes e trabalhar em conjunto para alcançar decisões por consenso. Caso tal não ocorra, aplica-se a regra da maioria e, na ausência desta, cabe ao presidente decidir o caso. Salvo melhor opinião, caberá ao presidente conduzir os trabalhos em estreita colaboração com os demais membros do tribunal arbitral, atendendo às circunstâncias e particularidades de cada caso, nomeadamente à luz dos antecedentes jurisprudenciais.

Trata-se, por isso, de um desafio muito estimulante e totalmente diferente das minhas atuais atividades profissionais como advogado e docente universitário.

Sente-se preparado?

Sim, sinto-me preparado para este desafio, embora reconheça que se trata de um novo passo na minha carreira. Tenho consciência da importância da minha função e das responsabilidades que ela acarreta, nomeadamente a necessidade de garantir a resolução célere e justa dos conflitos coletivos de trabalho. Quero, por isso, aprender e desenvolver as melhores práticas de arbitragem.

O Código do Trabalho de 2009 já sofreu cerca de duas dezenas de alterações, ou seja, mais do que uma alteração por ano. Estas flutuações regulares não são boas para empregadores e trabalhadores.

David Martins Carvalho

Managing partner da DCM | Littler

Os conflitos laborais individuais podem ser, igualmente, dirimidos por arbitragem? Por exemplo, a apreciação da licitude de um despedimento ou a determinação da responsabilidade por atos de assédio?

É um caminho que me parece inevitável e eventualmente desejável. A arbitragem no domínio laboral, mas também noutros domínios, tem demonstrado que é uma via sólida, robusta e célere de resolução de conflitos. Por isso, pode contribuir para reduzir a pendência de casos nos tribunais comuns e alcançar soluções mais céleres e, por isso, eventualmente menos onerosas. A pendência de uma ação judicial comporta riscos e desgastes, nomeadamente para os trabalhadores, devido à incerteza dos resultados e do momento da prolação de uma decisão insuscetível de recurso.

Nos dois casos que referiu, mas também em temas de violação de direitos de personalidade, de pactos de confidencialidade e de concorrência ou até de concorrência desleal, a arbitragem pode dar um contributo muito útil, nomeadamente pela celeridade e, em certos casos, pela proteção de informação sensível e de segredos de negócio.

A lei dá uma resposta dúbia. Podia ser uma oportunidade de melhoria da legislação laboral a ponderar.

Especializado em Direito Laboral, quais são os principais desafios desta área atualmente?

O Direito Laboral visa responder aos desafios que surgem diariamente. Neste momento, identificaria, a título de mero exemplo, três reptos.

Em primeiro lugar, a compatibilização da inevitável mobilidade internacional de trabalhadores com o desígnio de captação de novos talentos para Portugal, mas também de retenção dos nossos profissionais, nomeadamente por motivos sociais, familiares e demográficos.

Em segundo lugar, o acolhimento da inteligência artificial (IA). Proibir ou restringir o uso da IA no ensino e na prática do Direito, mas também no mundo do trabalho é mais difícil do que parar o vento com as mãos. Temos de ser capazes de compreender os efeitos positivos desta nova realidade, bem como encontrar caminhos alternativos que permitam contextualizar e restringir os potenciais efeitos de destruição de postos de trabalho. Devemos ter presente que as sucessivas revoluções industriais e tecnológicas extinguiram profissões e criaram outras. Temos de ser capazes de criar as condições para aproveitar o melhor da tecnologia para dar um novo futuro aos trabalhadores e às empresas.

Em terceiro lugar, a reinvenção e adaptação da negociação e da contratação coletiva, por exemplo, aos desafios anteriores. Neste âmbito, o legislador deveria abrir mais espaço negocial, reduzindo o número de matérias, total ou parcialmente, inderrogáveis, por vontade das estruturas de representação coletiva. Se o legislador pretende ser omnipresente e omnisciente e, desse modo, intervir numa parte importante dos temas laborais, independentemente das particularidades que cada setor profissional, região ou profissão enfrentam, não se poderá surpreender com bloqueios negociais ou com convenções coletivas de trabalho com aplicação prática exígua ou enviesada. Por exemplo, fará algum sentido que a matéria do teletrabalho tenha uma regulação tão minuciosa no Código do Trabalho e que não possa ser convenientemente ajustada por contratação coletiva? Salvo melhor opinião, não faz.

David Carvalho Martins, Managing Partner da DCM Littler, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

O Governo já adiantou que pretende “revisitar” as mudanças à lei do trabalho feitas pelo executivo de António Costa. Considera esta revisão necessária?

O Código do Trabalho de 2009 já sofreu cerca de duas dezenas de alterações, ou seja, mais do que uma alteração por ano. Estas flutuações regulares não são boas para empregadores e trabalhadores, porque criam, desde logo, incerteza e insegurança jurídicas. Ainda assim, a intenção de revisitar as últimas alterações legislativas é de saudar, designadamente se envolver uma participação ativa dos parceiros sociais. A título de mero exemplo, identificaria três áreas de intervenção.

Em primeiro lugar, a regulação do trabalho através de plataformas, bem como o acolhimento de novas formas de prestação de trabalho internacional, nomeadamente através dos denominados “Employer of Record” (EoR).

Em segundo lugar, a revisão da inexplicável proibição de outsourcing. Se mais não fosse, porque é contrária à inevitável tendência internacional de especialização empresarial.

Em terceiro lugar, o regime do teletrabalho devia ser totalmente reponderado em estreita articulação com as demais regras sobre os locais e tempos de trabalho, mas também dando um voto de confiança às estruturas de representação coletiva de trabalhadores e de empregadores, no sentido de que são capazes de autorregular os respetivos interesses sem o paternalismo do legislador.

A abertura de um escritório no Porto é uma forte possibilidade, porque permitirá ficarmos ainda mais perto dos clientes, mas também do enorme talento que existe no Direito laboral.

David Martins Carvalho

Managing partner da DCM | Littler

Fundou em 2017 a DCM Lawyers, que em 2021 integrou o escritório internacional Littler, passando a designar-se DCM | Littler. Que balanço faz destes cerca de sete anos de atividade?

Curiosamente, a criação da DCM Lawyers surgiu pela vontade de criar espaço para a conclusão do doutoramento em Direito. O objetivo inicial era compatibilizar uma prática dedicada ao Direito do Trabalho com tempo para a investigação para o doutoramento. Todavia, a vida é, de facto, o que acontece enquanto fazemos planos. O escritório foi crescendo de forma sustentada, sem perder a matriz laboralista e, sem que nada o fizesse prever, surgiu a oportunidade de integrar a Littler em 2021, que é a maior organização de sociedade de advogados do mundo dedicada ao Direito do Trabalho, com mais de 1700 advogados.

Em 2023, obtive a carteira profissional de advogado na Ordem dos Advogados do Brasil (São Paulo) e assumi a qualidade de sócio na sociedade de advogados Chiode Minicucci (correspondente da Littler no Brasil). Por seu lado, para além dos escritórios de Almancil e de Lisboa, a sociedade de advogados abriu um escritório em Coimbra. A abertura de um escritório no Porto é uma forte possibilidade, porque permitirá ficarmos ainda mais perto dos clientes, mas também do enorme talento que existe no Direito laboral.

Os objetivos traçados estão a ser cumpridos?

Sim, os objetivos têm sido sucessivamente alcançados e ultrapassados. O crescimento tem sido sustentado e dá-nos confiança para olhar para os próximos anos.

David Carvalho Martins, Managing Partner da DCM Littler, em entrevista ao ECO/AdvocatusHugo Amaral/ECO

Quais são as perspetivas para os próximos anos?

Para além da presença em todo o território nacional, pretendemos aprofundar, numa primeira fase, as ligações com os Estados Unidos, Brasil, Espanha, Alemanha e França. Em 2024, tivemos associados em regime de “secondment” em São Paulo, em Barcelona e em Valência. No próximo ano, queremos reforçar a nossa aposta no programa de “secondments” da Littler. Entretanto, estamos a criar, também, novos canais de comunicação com os clientes, atuais e futuros, e de divulgação de temas laborais.

Foi indicado como um dos melhores advogados pela Chambers Awards Europe em 2023, tendo recebido também o reconhecimento da Best Lawyers e da Iberian Lawyer. Como encara este tipo de distinções?

Os reconhecimentos são sempre bons sinais, mas são a ponta do icebergue. Em bom rigor, a advocacia dos nossos dias impõe, cada vez mais, o trabalho em equipa, mas também, a título de mero exemplo, o domínio de duas ou mais línguas estrangeiras, tempo para investigar e o recurso a sistemas de IA para a gestão de documentos e de informação. Só desse modo é possível acompanhar o frenesim legislativo e a profusão de jurisprudência e de doutrina e, em simultâneo e com igual dedicação, compreender e antecipar as necessidades dos clientes e dar respostas céleres e criativas, sempre sem descurar o óbvio e inquestionável cuidado que devemos ter com a conciliação da vida profissional com a vida pessoal.

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