Mais aulas teóricas, salário e menos supervisão do patrono. Esta é a nova realidade dos advogados estagiários
Mais 20 horas de deontologia, mais 10 assistências, mais três intervenções orais e mais seis intervenções escritas. Estas são algumas das mudanças no estágio da Ordem dos Advogados.
Mais 20 horas de aulas teóricas de deontologia, mais 10 assistências em sessões de julgamento, mais três intervenções orais e mais seis escritas. Esta é a nova realidade dos advogados estagiários. Em causa o projeto de Regulamento de Remuneração do Advogado Estagiário, aprovado pela bastonária e o seu Conselho Geral da Ordem dos Advogados (OA), a 3 de abril de 2024, e que será agora objeto de consulta pública até 23 de outubro, segundo o publicado na quarta-feira em Diário da República. Estágio esse que passa de uma duração de 18 meses para 12 meses. Porém, as obrigações imputadas ao estagiário aumentam.
Certo é que os formandos da OA passam a receber um salário obrigatório mas não terão direito a férias nem a receber subsídio de Natal, de férias, de alimentação ou de deslocação. Um regulamento que foi feito por Fernanda de Almeida Pinheiro por imposição legal, na sequência das novas regras relativas a estágios dos licenciados em direito (e não só) e que são ainda da responsabilidade do anterior Governo socialista – em vigor desde abril com aplicação prática a partir deste mês de setembro – que obriga a que os estágios profissionais passem a ser remunerados pelo valor mínimo de 950 euros, o equivalente ao salário mínimo acrescido de 20%.
O estágio para exercício da profissão de advogado passa a ter a duração de 12 meses, não prorrogável. A inscrição pode ser requerida a qualquer momento junto do respetivo Conselho Regional, sendo que o estágio tem início na data da confirmação da inscrição. O estagiário pode começar a realizar assistências em tribunal e elaborar as peças processuais, desde a data da confirmação da inscrição. Só poderá realizar intervenções orais após dois meses de confirmada a inscrição.
“Entendo que o encurtamento do estágio para 12 meses está errado. 18 meses são a duração ideal. O estagiário tem uma componente de aprendizagem no escritório e outra junto da Ordem. Nem todos os patronos atuam em todas as áreas, pelo que a possibilidade da aprendizagem prática ser ministrada na Ordem é muitíssimo relevante”, sublinha à Advocatus a presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa da OA Alexandra Bordalo.
Com o novo projeto de Regulamento Nacional de Estágio, o número de assistências a que um jovem advogado é obrigado a recolher aumenta de 20 para 30, entre as quais um terço na área de direito civil, outro na de penal e as restantes noutras áreas. Estas assistências “obrigam” os estagiários a assistir, sem intervir e sem necessidade de acompanhamento, a sessões de audiências de julgamento ou finais”. Ou seja: basta marcarem presença, sem serem acompanhados pelo advogado patrono.
“As assistências a julgamentos e diligências, que aumentam de número, são um momento relevante de aprendizagem por observação, para o bem e para o mal, assistindo a julgamentos e diligências. Se é certo que para tal o estagiário não carece de acompanhamento do patrono, não é menos verdade que pode assistir, também, aos julgamentos do escritório, com a oportunidade de estudar previamente o processo”, explica Alexandra Bordalo.
Outra das mudanças é o aumento das intervenções, tanto orais como escritas. O maior aumento foi no número de escritas que aumentou o dobro, de seis para 12. Estas intervenções têm de ser realizadas assinadas pelo patrono, o advogado destacado para supervisionar o estagiário, salvo exceções, e podem ser feitas um mês depois do início do estágio. Consistem basicamente em peças processuais em que sejam alegadas questões de facto e de direito.
Já relativamente às intervenções orais, o número aumento de cinco para oito. Neste caso os estagiários têm de fazer cinco em audiências de julgamento, sendo no máximo duas no mesmo processo, e três em qualquer tipo de diligência. No que concerne às áreas, duas têm de ser em processos civis, duas em penal e as restantes em qualquer área. As intervenções orais podem ser feitas após dois meses do início do estágio.
A presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa não vê de forma “negativa” o aumento tanto do número de assistências como do número de intervenções. “Aprende-se muito a assistir a julgamentos e para realizar uma intervenção, tal obriga à preparação do mesmo, estudo do processo, documentos, organização da prova, etc”, acrescenta.
Por fim, o número de aulas de deontologia profissional aumenta 20 horas, de 40 para 60. Nestas aulas são abordados, entre os temas, os deveres e direitos dos advogados e de como devem prosseguir o exercício da sua profissão.
“Será, a meu ver, relevante que a Ordem encontre módulos práticos para o estágio, lembrando que a advocacia se exerce de diversas formas, sendo muitíssimo importante dotar os estagiários de ferramentas práticas, como seja postura, apresentação, negociação, gestão do escritório, registo e controlo da atividade, honorários”, refere Alexandra Bordalo.
Um estagiário tem de pagar um valor mínimo do estágio é de 1.025 euros e tem ainda tem de pagar 15 euros por mês, de quotas à OA. Porém, desde setembro de 2023, os advogados estagiários passaram a pagar 950 euros pelo estágio à cabeça, menos 450 euros do valor cobrado até aqui.
Dados de 2023 apontam que em Portugal existem quase quatro mil advogados estagiários inscritos na OA (3.431), segundo a Direção-Geral da Política de Justiça do Ministério da Justiça, e nem todos com boas condições laborais, a par com elevados gastos para Ordem, desde inscrição, provas escritas e orais, seguros e togas. A única contribuição que estão isentos de pagar, enquanto realizam o estágio, é a para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.
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