Juíza recusa pedido da defesa de Salgado. Interrogatórios vão passar no julgamento
A defesa de Salgado pediu que as declarações gravadas do arguido não sejam reproduzidas em tribunal. Mas o tribunal decidiu recusar o requerimento, por considerá-lo "manifestamente improcedente".
O segundo dia do julgamento do caso BES contou com a conclusão das exposições introdutórias dos advogados dos arguidos e com a reprodução das gravações do interrogatório a Ricardo Salgado na fase de inquérito. No total serão oito horas de gravação das declarações do ex-banqueiro. Entretanto, a defesa de Salgado ter pedido que as declarações gravadas do antigo banqueiro não sejam reproduzidas em tribunal, mas o tribunal recusou o requerimento. A sessão desta quarta-feira terminou por volta das 17h00 e retoma amanhã com a continuação da audição dos interrogatórios de Salgado.
No início da sessão desta terça-feira, o advogado António Ferrão, representante dos lesados, voltou a apresentar um requerimento para que seja atribuído um curador provisório a Salgado. O mesmo requerimento tinha sido apresentado na segunda-feira pelo advogado Henrique Prior.
Já o advogado de Nuno Escudeiro, Paulo Ferreira, Pedro Serra e Pedro Pinto assumiu que os arguidos “não falsificaram” as contas da Espírito Santo International (ESI). “Não sabiam que tais contas estavam falsificadas”, sublinhou. Para João Costa Andrade, nenhum dos seus quatro clientes praticaram o crime de associação criminosa. “Nunca, em momento algum, os arguidos firmaram pactos associativos nem corruptivos”, disse.
Salientando que estavam alheios à situação de fragilidade financeira da ESI, o advogado reiterou que os arguidos foram chamados à “prática de atos sob desconhecimento e cegueira”.
Sobre a Eurofin, João Costa Andrade explicou que os arguidos “lidaram”, “comunicaram” e “interagiram” com várias entidades da empresa, mas que não utilizaram “meios artificiosos”. Sublinhou ainda que não tinham conhecimento que a Comissão Executiva do grupo estava a “ser enganada”, nem que a Eurofin tinha controlo sob várias sociedades offshore.
Também Margarida Lima, advogada de Cláudia Faria, recusou o crime de associação criminosa, que foi imputado à sua cliente, salientado que “não há um plano e, por isso, não há a adesão a algo que não existe”. “De palpável não há rigorosamente nada”, acrescentou.
Para a defesa, Cláudia Faria não obteve “qualquer recompensa”, logo não haveria razão para participar num plano deste. A arguida está ainda acusada dos crimes de corrupção passiva no setor privado, dois de burla qualificada e um de manipulação de mercado. Margarida Lima acredita que o desfecho não será “certamente positivo” para o Ministério Público e para a “grandeza que quer dar aos autos”.
Na sua exposição introdutória, o advogado do arguido Pedro Costa questionou os factos da acusação e criticou que na sessão de segunda-feira o protagonista de todas as declarações foi Salgado, adjetivando os restantes arguidos como “quase adereços da acusação”.
Paulo Amil sublinhou que para o Ministério Público há apenas cinco apelidos que importam – Galvão, Espírito Santo, Ricciardi, Pinheiro e Salgado -, e que os “Pintos” e os “Costas” não estão lá a fazer nada. O antigo alto quadro do BES está acusado de 10 crimes, entre eles corrupção passiva no setor privado e manipulação do mercado.
O advogado Tiago Rodrigues Bastos, defesa de Alexandre Cadosch, Michel Creton e da Eurofin, pediu o “absoluto” respeito, tanto dos intervenientes como do tribunal, a Salgado, sublinhando que a sua questão de saúde “não é indiferente para este processo”. Criticou também a decisão do tribunal em obrigar Salgado a estar presente na primeira sessão.
O advogado está cético se o tribunal possa fazer um julgamento “equitativo”, uma vez que considera que não tem condições de apreciar toda a prova. “Há um desafio intelectual e de princípio de saber se este processo é efetivamente julgável”, notou.
Para além de Adriano Squillace, também Tiago Rodrigues Bastos referiu o pedido de escusa que foi feito pela juíza por ter sido detentora de 560 ações do BES, pedido que foi rejeitado pelo Tribunal da Relação. A resposta da juíza ao advogado foi a seguinte: “ver quanto é que valem 500 e tal ações, passar na Avenida da Liberdade e ver se consegue comprar uma mala com isso”.
O advogado de Ricardo Salgado, Adriano Squilacce, apresentou um requerimento para impedir que durante a sessão da tarde seja ouvido o áudio de cerca de oito horas com o depoimento do arguido, feito em julho de 2015. O motivo prende-se com o facto de Salgado não estar em condições de fazer o contraditório. “É evidente que o arguido tem de estar em condições de contraditório”, disse. Assim, a defesa considera que a reprodução do testemunho de Salgado viola o direito do contraditório. O julgamento foi suspenso 10 minutos e retomou apenas meia hora depois.
Depois da pausa, a procuradora do Ministério Público, Carla Dias, garantiu que estão preenchidos todos os pressupostos legais e, por isso, “não se verifica nulidade” e “nada impede” a reprodução do depoimento de Salgado. Contudo, pediu um prazo para responder ao requerimento em causa. Também o advogado de Manuel Fernando Espírito Santo pediu um prazo para se pronunciar e pede suspensão da sessão até decisão. A advogada dos lesados, Ana Peixoto, considera que o requerimento deva ser indeferido.
Após analisar e escutar as partes, o tribunal decidiu recusar o requerimento, por considerá-lo “manifestamente improcedente”. Isto porque alega que, em 2015, Salgado foi informado que as suas declarações estavam “sujeitas a livre apreciação do tribunal”. “Aquando da prestação de declarações, o arguido é informado que as declarações que prestar poderão ser usadas no processo”, disse.
Sobre a alegada violação ao direito do contraditório, a juíza alega que o exercício deste direito não depende da presença do arguido.
A audição do depoimento de Salgado, que tem a duração total de cerca de oito horas, foi interrompida e retomada algumas vezes por problemas de interpretação aos arguidos suíços, Alexandre Cadosh e Michel Creton. No depoimento, Salgado começou por explicar a história do Grupo Espírito Santo e os seus alicerces nas comunidades portuguesas internacionais.
O ex-homem forte do BES refere que o colapso do Grupo nada tem a ver com os problemas da ESI, mas antes com a intervenção do Banco de Portugal. Garantiu também que grupo nunca teve dificuldade em obter capitais, tanto de bancos como de empresas e particulares.
Salientando que nunca houve nenhum alerta das autoridades de Luxemburgo para consolidar as contas, Salgado explica que nunca tinham tido problemas em relação às holdings até 2013. “A gestão administrativa das holdings era feita à distância, […] assinávamos as atas, eram depositadas no Luxemburgo e, nunca nestes 40 anos, ninguém nos disse como tínhamos de auditar as contas”, disse. Responsabilizou o contabilista, Francisco Machado da Cruz.
Sem prestarem declarações nesta sessão, as arguidas Cláudia Faria, ex-diretora-adjunta do BES acusada de seis crimes, e Isabel Almeida, ex-diretora do departamento financeiro do BES acusada de 21 crimes, compareceram em tribunal para fazerem as respetivas identificações, apesar de estar agendado apenas para quinta-feira. Assim, fica apenas a faltar uma identificação, a de António Soares.
A 14 de julho de 2020 a equipa de procuradores liderada por José Ranito acusou 25 arguidos, entre os quais Ricardo Salgado, no âmbito do caso Banco Espírito Santo (BES). Passados mais de quatros anos, arrancou o julgamento do já apelidado maior processo da história da justiça portuguesa.
Dez anos depois da queda do BES, com o arguido Ricardo Salgado acusado de 62 crimes (três entretanto prescreveram), o julgamento do processo BES conta com 17 arguidos singulares, sete empresas arguidas, 733 testemunhas, 135 assistentes e mais de 300 crimes. Este megaprocesso, que já vai nos 215 volumes após uma acusação com mais de quatro mil páginas.
O ex-banqueiro está acusado de associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada e branqueamento de capitais. E estava inicialmente acusado de um total de 65 crimes, vai agora ser julgado por 62 ilícitos criminais, após terem prescrito dois crimes de falsificação de documento e um de infidelidade. O levantamento dos crimes em risco de prescrição recentemente realizado pelo MP indica ainda que Ricardo Salgado pode ver cair, em finais de novembro próximo, mais um crime de falsificação e outros dois crimes no final de dezembro.
Em janeiro de 2025 prescrevem mais três crimes de falsificação de documento, no final de fevereiro cai um de infidelidade e até 28 de março tombam outros três de infidelidade.
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