“Salgado era o único de nós que sabia de tudo”, disse António Ricciardi em 2015

A terceira sessão de julgamento do caso BES conta com o depoimento de António Ricciardi, gravado em 2015 no DCIAP. O antigo presidente do conselho de administração do BES morreu em 2022.

António Ricciardi, que morreu em 2022, afirmou há nove anos que Ricardo Salgado era o único da família que sabia de tudo. Antigo chairman do BES disse que só assinava os documentosINACIO ROSA/LUSA

Em 2015, António Ricciardi prestou declarações no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Agora, nove anos depois, na terceira sessão de julgamento do caso BES, o coletivo de juízes ouve a gravação do depoimento do antigo presidente do Conselho de Administração do BES, tio de Ricardo Salgado, que morreu em 2022.

Durante o interrogatório, António Ricciardi, líder da família Espírito Santo e chairman do BES até 2008, disse que tomou conhecimento, através do ex-contabilista do Grupo Espírito Santo (GES), Francisco Machado da Cruz, que “as contas estavam a ser falseadas e que era gravíssimo”. Disse ainda que recebia documentos relativos ao grupo e assinava “sem fazer parte da decisão correspondente”. “Eu acho que eram decididos por Ricardo Salgado. Ele de facto era o único de nós que sabia de tudo”, reiterou.

No depoimento feito em 2015, António Ricciardi disse várias vezes ter a noção de que Ricardo Salgado manipulava as contas, ainda que sem apontar casos concretos. “As contas eram maquilhadas”, disse.

O terceiro dia do julgamento do processo BES/GES será, esta quinta-feira, preenchido com as declarações do clã Ricciardi, após dois dias de exposições introdutórias e do início da reprodução de um interrogatório de 2015 do ex-banqueiro Ricardo Salgado.

ANDRE KOSTERS/LUSAEPA/ANDRE KOSTERS

A sessão no Juízo Central Criminal de Lisboa começou às 9h30 com a reprodução da gravação do depoimento do comandante António Ricciardi, com cerca de hora e meia de duração, naquela que é a primeira testemunha a ser ouvida em julgamento. O antigo presidente do Conselho Superior do GES e líder de uma das cinco famílias que dominavam essa entidade morreu em janeiro de 2022.

Inquirido como testemunha pelo Ministério Público (MP) no dia 2 de outubro de 2015, António Ricciardi explicou que pensou deixar em 2008 a presidência do conselho de administração do BES, com 89 anos, mas que, face aos pedidos da família, aceitou continuar na administração de diversas sociedades do grupo, nomeadamente a Espírito Santo Control (ESC), a Espírito Santo International (ESI) e o Espírito Santo Financial Group (ESFG).

No entanto, segundo a acusação, o antigo chairman do BES limitava-se a assinar os documentos que lhe apresentavam e não acompanhou mais a atividade da ESI, a holding do GES para a área financeira e não financeira, cujas contas foram manipuladas, ao encontrar-se em situação de insolvência desde 2009.

“Referiu que acreditava que os assuntos eram decididos por Ricardo Salgado”, lê-se no despacho do MP, que acrescenta sobre o depoimento do comandante: “Mais referiu que as emissões não eram aprovadas em reuniões do conselho de administração da ESI, sendo que também as atas eram remetidas por Ricardo Salgado e a testemunha, simplesmente, assinava.”

Depois, previsivelmente da parte da tarde, será a vez de ser ouvido em tribunal o filho do antigo presidente do GES, José Maria Ricciardi.

O ex-presidente do BESI e primo de Ricardo Salgado, com quem entrou em conflito aberto em 2013, não escondeu as críticas ao antigo presidente do BES pela responsabilidade no colapso do grupo e já prestou depoimento em vários processos com ligação ao BES ou a Salgado.

Dez anos depois da queda do BES, com o arguido Ricardo Salgado acusado de 62 crimes, o julgamento do processo BES conta com 17 arguidos singulares, sete empresas arguidas, 733 testemunhas, 135 assistentes e mais de 300 crimes. Este megaprocesso, que já vai nos 215 volumes após uma acusação com mais de quatro mil páginas.

O ex-banqueiro está acusado de associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada e branqueamento de capitais. Estava inicialmente acusado de 65 crimes, mas vai ser julgado por 62 ilícitos criminais, após terem prescrito dois crimes de falsificação de documento e um de infidelidade.

O levantamento dos crimes em risco de prescrição recentemente realizado pelo Ministério Público indica ainda que Ricardo Salgado pode ver cair, em finais de novembro próximo, mais um crime de falsificação e outros dois crimes no final de dezembro.

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