Caso BES. “Carlos Costa assobiou para o lado e não quis saber de nada”, acusa Ricciardi

O ex-presidente do BESI e primo de Ricardo Salgado, com quem entrou em conflito aberto em 2013, não escondeu as críticas ao antigo presidente do BES pela responsabilidade no colapso do grupo.

“Não sou amigo nem inimigo de Ricardo Salgado. Não sou nem uma coisa nem outra”, disse José Maria Ricciardi, primo do principal arguido do processo BES, Ricardo Salgado, afirmando que o arguido “o tomou de ponta”. “Vou tentar reconstruir tudo do que me lembro e dizer aquilo que sei. Eu não ajudei o Ministério Público, fiz a minha obrigação como banqueiro, que é diferente. Espero que se faça Justiça”, disse o ex-presidente do BESI.

José Maria Ricciardi, criticou o ex-governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, pela primeira reação às reservas manifestadas contra a governação de Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santo (GES).

“Disse que eu já tinha feito pessimamente com as declarações nos jornais e que a guerra com o primo [Ricardo Salgado] estava a perturbar o sistema financeiro. E eu disse-lhe se não achava que eu, como administrador, não devia comunicar”, afirmou o antigo membro do Conselho Superior do GES, acerca de uma conversa com o ex-governador em outubro de 2013. Segundo José Maria Ricciardi “Carlos Costa assobiou para o lado, não quis saber de nada e disse para estar quieto”.

E rejeitou, à saída da sessão de julgamento, que Carlos Costa tenha mais culpa do que Ricardo Salgado.

O terceiro dia do julgamento do processo BES/GES, realizado esta quinta-feira, foi preenchido com as declarações do clã Ricciardi – o tio António Ricciardi e o primo, José Maria Ricciardi – após dois dias de exposições introdutórias e do início da reprodução de um interrogatório de 2015 do ex-banqueiro Ricardo Salgado.

O ex-presidente do BESI e primo de Ricardo Salgado, com quem entrou em conflito aberto em 2013, não escondeu as críticas ao antigo presidente do BES pela responsabilidade no colapso do grupo e já prestou depoimento em vários processos com ligação ao BES ou a Salgado.

“Na primeira vez que cheguei ao Conselho Superior estavam já quase todos os membros e o meu pai, que era o presidente, informou que o CS não podia começar porque Ricardo Salgado não estava. Em primeiro lugar, o meu espanto, porque Ricardo Salgado era um vogal como qualquer outro, mas tivemos de ficar todos à espera. Foi o começo de um certo desentendimento meu com Ricardo Salgado”, contou.

“Em vez de começarmos a discutir assuntos, Ricardo Salgado começou a debitar o que tinha sido feito e o que se ia fazer, tanto no setor financeiro, como não financeiro. E eu levantei o braço e perguntei se era para discutirmos os assuntos ou se era para ouvir Ricardo Salgado dizer o que íamos fazer… a partir daí começou a tomar-me de ponta, porque viu que eu não estava disposto a fazer a mesma figura dos outros no CS do grupo”, frisou.

“Quando se percebeu que as contas estavam falsificadas, a 7 de dezembro de 2013, se não estou em erro, apresentei um papel para a ata do conselho a dizer que não tinha qualquer conhecimento daquilo e que queria uma auditoria e que se apurassem responsabilidades”, indicou.

O ex-presidente do BESI salientou também o momento em que percebeu que a ESI estaria em situação de insolvência, quando o antigo contabilista do GES, Machado da Cruz, assumiu que o ‘buraco financeiro’ seria muito superior.

“Havia um grupo de trabalho que descobriu isto e disse que as contas de 2012 tinham uma diferença de 1.200 milhões de euros no passivo e, mesmo assim, Machado da Cruz disse que em 2013 ainda havia por cima mais não sei quantos mil milhões, o que fazia que o passivo não fosse uns três mil milhões mas uns sete mil milhões. Para quem percebe a área, via que estávamos completamente insolventes”, reconheceu.

Dez anos depois da queda do BES, com o arguido Ricardo Salgado acusado de 62 crimes, o julgamento do processo BES conta com 17 arguidos singulares, sete empresas arguidas, 733 testemunhas, 135 assistentes e mais de 300 crimes. Este megaprocesso, que já vai nos 215 volumes após uma acusação com mais de quatro mil páginas. O ex-banqueiro está acusado de associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada e branqueamento de capitais. Estava inicialmente acusado de 65 crimes, mas vai ser julgado por 62 ilícitos criminais, após terem prescrito dois crimes de falsificação de documento e um de infidelidade.

Esta quinta-feira, à saída da sessão no Campus de Justiça, Francisco Proença de Carvalho, advogado de Ricardo Salgado, Francisco Proença de Carvalho criticou o facto de o tribunal estar a usar o testemunho do tio, António Ricciardi, prestado em 2015, contra o ex-banqueiro, “que nem se pode defender” devido à doença de Alzheimer.

Francisco Proença de Carvalho explica que “isto é a subversão total das regras de um julgamento no sentido em que esta pessoa fez um depoimento sem contraditório numa fase completamente diferente do processo e agora esta defesa, não o próprio cliente para contradizer”. O advogado insiste que Ricardo Salgado está a ser julgado quando “nem se pode defender”. Prova disso, prossegue, “é que nem sabia a própria data de nascimento”. “Todos têm de se perguntar se isso é normal, aceitável, legal e constitucional num Estado de Direito democrático. Eu não tenho dúvidas da resposta para isso”, afirma.

Francisco Proença de Carvalho, Ricardo Salgado e Maria João Salgado. ANDRÉ KOSTERS/LUSAANDRÉ KOSTERS/LUSA

Em 2015, António Ricciardi prestou declarações no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Agora, nove anos depois, na terceira sessão de julgamento do caso BES, o coletivo de juízes ouve a gravação do depoimento do antigo presidente do Conselho de Administração do BES, tio de Ricardo Salgado, que morreu em 2022.

Durante o interrogatório, António Ricciardi, líder da família Espírito Santo e chairman do BES até 2008, disse que tomou conhecimento, através do ex-contabilista do Grupo Espírito Santo (GES), Francisco Machado da Cruz, que “as contas estavam a ser falseadas e que era gravíssimo”. Disse ainda que recebia documentos relativos ao grupo e assinava “sem fazer parte da decisão correspondente”. “Eu acho que eram decididos por Ricardo Salgado. Ele de facto era o único de nós que sabia de tudo”, reiterou.

No depoimento feito em 2015, António Ricciardi disse várias vezes ter a noção de que Ricardo Salgado manipulava as contas, ainda que sem apontar casos concretos. “As contas eram maquilhadas”, disse.

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