Macron e o sistema

  • Filipe Vasconcelos Romão
  • 7 Julho 2017

A estabilidade do sistema nunca esteve, porém, em causa e, por muito impopular que seja dizê-lo, um sistema de partidos estável e sólido tende a ser sinónimo de maturidade democrática.

A eleição de Emmanuel Macron como Presidente da República Francesa permitiu à maioria dos governos e cidadãos europeus respirar de alívio. Por um lado, derrotou a extrema-direita francesa, corporizada pelo neo-fascismo da Frente Nacional de Marine Le Pen; por outro foi por muitos visto como símbolo do início do retrocesso dos partidos anti-sistémicos que há poucos meses pareciam marchar em direcção ao poder em parte da Europa.

O facto de Macron ter assumido, com prazer evidente, este papel não torna, porém, a sua presidência imune a críticas. O principal risco desta inesperada chegada ao poder advém da implosão do sistema de partidos francês. Na V República, os partidos, sobretudo ao centro e à direita, sempre demonstraram especial apetência por alterações de denominação. A emergência de novos partidos, com capacidade para obter representação institucional, também foi comum neste período. A estabilidade do sistema nunca esteve, porém, em causa e, por muito impopular que seja dizê-lo, um sistema de partidos estável e sólido tende a ser sinónimo de maturidade democrática. A eleição de Macron pôs, por agora, fim a este período. O novo Presidente, no essencial, alcançou o grande objectivos de Le Pen, Beppe Grillo ou Pablo Iglesias: desarticulou velhos partidos.

Esta não foi a primeira vez na V República que um Presidente “centrista” chegou ao poder. Em 1974, Valéry Giscard d’Estaing, candidato pelos Republicanos Independentes, ficava, na primeira-volta, à frente do candidato gaullista e vencia o socialista François Mitterrand na segunda-volta. Porém, Giscard enquadrava-se plenamente no sistema de partidos que vigorava, tendo a maioria parlamentar que sustentou os seus governos contado com a participação activa do gaullismo e do centrismo.

A chegada de Macron ao poder representa algo totalmente distinto e que se prolongou para lá da escolha do Chefe de Estado. A partir de 2002, a duração do mandato presidencial ficou reduzida a cinco anos, período idêntico ao de uma legislatura completa da Assembleia Nacional. Tendo em conta que, desde esse ano, não se registou um adiantamento das eleições legislativas (dissolução parlamentar), os franceses passaram a eleger o Parlamento um mês depois da eleição do Presidente. Coincidência (ou talvez não), esta conjugação levou a que os governos de coabitação – Presidente e Parlamento de famílias políticas distintas – deixassem de ter lugar. Em 2002, com Chirac; em 2007, com Sarkozy; em 2012, com Hollande; e, em 2017, com Macron, as eleições legislativas mais não fizeram do que confirmar a maioria presidencial.

Ao contrário dos seus predecessores, Macron não contava com uma estrutura partidária consolidada a apoiá-lo. Porém, a sua vitória contra os partidos ditos tradicionais gerou um efeito de debandada de uma parte considerável dos quadros socialistas e gaullistas que procuraram abrigo no novo movimento de iniciativa presidencial. Desta forma, o República em Marcha transformou-se numa espécie de união nacional republicana, congregando antigos socialista, gaullistas convertidos e fazendo o pleno do centrismo.

A consistência do novo partido terá correlação directa com a popularidade do Chefe de Estado e, caso comecem a surgir problemas na governação, nada garante que mantenha a solidez que, mal ou bem, o socialismo e o gaullismo demonstraram ter, respectivamente, até ao fim dos mandatos de Hollande e de Sarkozy. Não seria a primeira vez que um partido personalista e sem coerência ideológica se pulverizaria gerando mais famílias políticas do que as que estiveram na sua origem.

Nota: Por decisão pessoal, o autor não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico

  • Filipe Vasconcelos Romão
  • Presidente da Câmara de Comércio Portugal – Atlântico Sul e professor universitário

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