O regime jurídico da dessalinização: a hora do legislador
Inexiste um procedimento específico a adotar para a instalação de uma central dessalinizadora, constituindo essa ausência de regime jurídico uma barreira à atividade.
Apesar das mais de quatro décadas que leva a experiência portuguesa em matéria de dessalinização, só recentemente se procedeu à celebração do contrato que permitirá a conceção-construção e exploração da primeira central dessalinizadora em Portugal continental.
A dessalinização deve ser encarada como uma fonte não-convencional de água a que se pode recorrer nos casos em que se pretenda aumentar a resiliência das fontes convencionais, permitindo o estabelecimento de alternativas viáveis e previsíveis, por um lado ou, por outro, nos casos em que estas fontes já não se afigurem suficientes para o abastecimento público, pode ser enquadrada como a solução que permite a continuidade da prestação do serviço público de água a longo-prazo.
Ao contrário do que se verifica para a produção de água para reutilização, que encontra no Decreto-Lei n.º 119/2019, o seu regime jurídico, a dessalinização não possui um regime jurídico específico que estabeleça os usos permitidos, os casos e requisitos necessários para que se lhe possa recorrer, o processo de licenciamento a seguir para instalação de uma central dessalinizadora, as condições de cedência da água dessalinizada, a titularidade da água dessalinizada, entre outras condicionantes.
É particularmente relevante esta constatação tendo em consideração a profusão de regimes jurídicos potencialmente aplicáveis, não permitindo a segurança jurídica dos operadores que a existência de um regime jurídico especificamente dedicado à dessalinização permitiria, a que acresce a circunstância dos regimes jurídicos existentes não terem sido elaborados a pensar na dessalinização.
Na verdade, a instalação de uma central dessalinizadora, inicia-se, desde logo, com as operações urbanísticas que, eventualmente, sejam necessárias realizar, não sendo claro o tipo de controlo prévio que deva ser realizado, a que acresce a difícil compatibilização com os tipos de solos ou, ainda, com as entidades administrativas cujos pareceres sejam necessários recolher, o mesmo se dizendo relativamente à avaliação de impacte ambiental e o regime do título único ambiental ou, ainda e não menos importante, a questão de saber se o título de utilização de recursos hídricos necessário para a operação, assume a feição de concessão ou de licença.
Em suma, inexiste um procedimento específico a adotar para a instalação de uma central dessalinizadora, constituindo essa ausência de regime jurídico uma barreira à atividade, nomeadamente, por não se encontrarem estabelecidas as condicionantes para a instalação de uma central ou, as circunstâncias em que se pode instalar uma central, as condições urbanísticas especificas, o modo de gestão da central, quem pode exercer essa atividade e mediante que condições, a capacidade de produção e os efeitos decorrentes dessa produção, tendo em consideração que a água que provém da dessalinização não se afigura infinita, desde logo pelos elevados custos financeiros do processo, mas também pelos efeitos ambientais que decorrem da atividade.
Sabemos que, com as alterações climáticas as situações de escassez serão cada vez mais intensas e, por isso, a necessidade de recurso à dessalinização será cada vez mais evidente, motivo pelo qual este se afigura o tempo certo para a criação do regime jurídico da dessalinização, enquadrando-a, regulando-a e, acima de tudo, garantindo a previsibilidade e segurança jurídica necessária ao desenvolvimento de qualquer atividade deste tipo.
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