Lembra-se do Galpgate? Já há vítimas
Tudo começou com um convite da Galp para ir a França assistir a um jogo da Seleção portuguesa no Europeu de 2016. Já caíram três secretários de Estado.
O caso remonta a agosto de 2016 e ao Campeonato Europeu de Futebol. Três secretários de Estado viajaram de Falcon de Bragança para Lyon, para assistir à meia-final do Euro 2016, a convite da Galp, uma das empresas patrocinadoras da seleção nacional.
A história, avançada em primeira mão pela revista Sábado, começou apenas com Fernando Rocha Andrade, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, e com João Vasconcelos (avançou no dia seguinte depois o Público), o secretário de Estado da Indústria. Mas, afinal havia ainda mais um protagonista do Executivo, avançou o Expresso, o secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira, que tutelava a Aicep e, portanto, poderia influenciar o processo de decisão relativa a uma candidatura da Galp a apoios do Portugal 2020.
Rocha Andrade aceitou por duas vezes o convite da Galp — empresa com a qual o Estado tem um diferendo fiscal superior a 100 milhões de euros. Primeiro para os jogos entre Portugal e a Hungria, disputado em Lyon, e mais tarde, na final, que decorreu em Paris. O até agora secretário de Estado dos Assuntos Fiscais garantiu sempre que não sentia que tivesse cometido qualquer ato ilícito. “O secretário de Estado encara com naturalidade, e dentro da adequação social, a aceitação deste tipo de convite – no caso, um convite de um patrocinador da seleção para assistir a um jogo da seleção nacional de futebol”.
"O secretário de Estado encara com naturalidade, e dentro da adequação social, a aceitação deste tipo de convite – no caso, um convite de um patrocinador da seleção para assistir a um jogo da seleção nacional de futebol.”
Já o secretário de Estado da Indústria — um dos protagonistas na organização do Web Summit — garantiu que pagou o bilhete. No entanto, para aplacar as duras críticas que surgiram quando o caso veio a público, o primeiro-ministro decidiu que seria passado um cheque (de seis mil euros) à Presidência da República para pagar a deslocação no Falcon. E o próprio Rocha Andrade disse que ia entrar em contacto com a Galp para pagar as despesas relacionadas com a viagem, para que não restassem “dúvidas sobre a independência do Governo e do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais”.
Ainda assim, o responsável pediu escusa para decidir matérias relacionadas com a Galp. O anúncio foi feito na Comissão de Orçamento, no início de setembro. “Se, no exercício das minhas funções, vier a ser chamado a tomar qualquer decisão sobre empresas do grupo Galp, o processo será remetido à entidade que me delega competências”, confirmou Rocha Andrade. Para não afetar “a seriedade que deve rodear” as decisões do Governo, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais optou por passar a responsabilidade para Mário Centeno para evitar “a repercussão pública” das decisões.
A Galp, numa nota enviada à TSF, no dia seguinte ao que se ficou a conhecer o caso (4 de agosto) esclareceu que este tipo de viagens, no âmbito do patrocínio à Seleção Portuguesa de Futebol, “é comum e considerado aceitável no plano ético das práticas empresariais internacionais” e que servem para “reforçar a visibilidade e impacto” do apoio à equipa. O comunicado referia ainda que os convites se direcionavam a “pessoas e instituições com as quais a Galp se relaciona”. “Entre os convidados encontram-se parceiros de negócios, fornecedores e prestadores de serviços, agências de publicidade, representantes institucionais e dezenas de clientes, grandes e pequenos”, acrescentava o documento.
Mas apesar de ser considerado “comum e aceitável”, na primeira quinzena de agosto, a Galp foi alvo de buscas por parte do Ministério Público que resultou na apreensão de documentos, mas não na constituição de arguidos. A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou que tinham sido realizadas buscas tanto na Galp como numa agência de viagens, no âmbito da investigação às deslocações ao Europeu de Futebol de França pagas pela gasolineira a três membros do Governo.
"É um assunto que é encerrado, o senhor primeiro-ministro em exercício [o ministro dos Negócios Estrangeiros] já teve oportunidade de dizer da parte do Governo o que tinha a dizer e as medidas que foram adotadas e que vão ser adotadas e, para mim, é um assunto que está devidamente encerrado.”
E se para o Executivo a questão estava “encerrada” com o reembolso das custos das viagens em causa ao patrocinador, a PGR informou, a 13 de agosto, que enviou para inquérito os elementos por si recolhidos sobre a viagem do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. “Os elementos recolhidos pela Procuradoria-Geral da República foram enviados ao DIAP [Departamento de Investigação e Ação Penal] de Lisboa para inquérito, tendo em vista aferir se existe, ou não, eventual ilícito criminal”, referia a PGR numa nota enviada à Lusa.
"Os elementos recolhidos pela Procuradoria-Geral da República foram enviados ao DIAP [Departamento de Investigação e Ação Penal] de Lisboa para inquérito, tendo em vista aferir se existe, ou não, eventual ilícito criminal.”
Politicamente o assunto também fez correr tinta. Logo nessa noite, a SIC Notícias anunciava que o CDS pedia a demissão de Rocha Andrade e, simultaneamente, no estúdio, o deputado social-democrata Fernando Negrão afirmava que o ato de Rocha Andrade podia “configurar um crime”. “Dos dados que tenho, diria que a Procuradoria-Geral da República com certeza abrirá um inquérito”, acrescentou o antigo ministro da Justiça do PSD. Facto que veio a verificar-se alguns dias depois.
“É um procedimento reprovável e não é de maneira nenhuma aceitável. A situação é reprovável e grave”, disse, por seu turno, à Lusa (a 4 de agosto) o deputado e vice-presidente do CDS Telmo Correia, lembrando que a Galp tem um “conflito público com o Estado”. Para o CDS, o primeiro-ministro devia “esclarecer como vê a permanência de um secretário de Estado nestas condições no Governo”. Além disso, o CDS queria o secretário de Estado tirasse “as consequências óbvias do seu comportamento”, afirmando que essas consequências eram a demissão do cargo.
Já o PSD, pela voz o deputado Leitão Amaro disse que o partido “ficou naturalmente surpreendido” com a notícia. Em declarações à Lusa, o vice-presidente do grupo parlamentar do PSD disse que era “fundamental esclarecer” a situação. “Saber se é verdade que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais recebeu ofertas de viagens e de deslocação de uma grande empresa que tem pelo menos um litígio fiscal pendente de muitos milhões de euros com o Estado, em particular com um serviço que depende da tutela do próprio secretário de Estado”, frisou.
Até os partidos que apoiam o Governo no Parlamento não pouparam críticas aos secretários de Estado envolvidos na polémica. O PCP, em conferência de imprensa agendada para o efeito, disse que “deve ser o primeiro-ministro, o Governo e o próprio secretário de Estado a fazerem a leitura política, a tirarem as ilações devidas, a tomarem as decisões”. Jorge Pires, do comité central, dizia que a decisão de demissão cabia ao próprio secretário de Estado.
Já o Bloco de Esquerda considerou as viagens “eticamente reprováveis”. “Para resumir a posição do Bloco de Esquerda, consideramos eticamente reprovável qualquer governante, deputado ou deputada, que tenha tido uma viagem paga para ver um jogo do Europeu”, disse Pedro Filipe Soares.
Para moralizar a questão foi criado um código de conduta, mas isso não impediu que a Justiça continuasse a avançar com o caso e este domingo, um ano depois, as demissões no Executivo vão-se sucedendo à medida que são conhecidos os arguidos.
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