Centros de inspeção reclamam 30 milhões de perdas por fim das inspeções às motos
O recuo nas inspeções a motociclos desperdiça investimentos de 150 mil euros em cada centro que seguiu a lei, acusam empresários. PSD diz que a aquisição de equipamentos não era obrigatória.
O PSD levou ao Parlamento a revogação da lei que impôs a inspeção aos motociclos, conseguindo o apoio generalizado dos deputados. Há três meses, o Governo, apoiado pelo mesmo partido, aprovou o regulamento que determinava o tipo de formação necessária para os inspetores e a classificação das deficiências que teriam de ser analisadas nos centros de inspeção a partir de 1 de janeiro, acusa a associação de centros de inspeção, ANCIA.
Nesta quinta-feira, no Parlamento, o investimento em instalações e equipamentos, que a associação assegura ao ECO ter sido de 30 milhões de euros, tornou-se obsoleto. Não haverá inspeções. A ANCIA fala de populismo, para satisfazer motociclistas. O PSD assegura que prefere promover a segurança dos motociclistas a “um simples olhar para um pneu ou olhar para um pisca”.
O processo de inspeções a motociclos em Portugal iniciou-se em 2012, com o primeiro passo da transposição de uma diretiva europeia. Os países poderiam optar entre montar uma rede de centros ou estabelecer um pacote de medidas de segurança para os motociclistas. O Governo de Pedro Passos Coelho escolheu a opção técnica. De então para cá, o processo arrastou-se e, apesar de já terem sido anunciadas, ao longo dos anos, várias datas para início da obrigatoriedade, isso nunca se verificou.
“De cada vez que apareciam eleições, o Governo do PS decidia adiar. Sempre que foi adiado foi por motivos eleitorais do PS”, diz ao ECO Gonçalo Lage, deputado social-democrata que encerrou o debate na discussão desta quinta-feira. Pelo contrário, assegura, o PSD não está a olhar para o eleitoralismo nas autárquicas de 2025 e decide agora avançar para a revogação da lei por uma questão de segurança, matéria que considera não ser garantida pelas inspeções.
Nesse mesmo debate, o CDS-PP apoiou o fim da inspeção obrigatória, com o deputado Paulo Núncio a reforçar que “é só mais um custo para quem escolhe andar de mota, sem contribuir para aumentar a segurança”, destacando que “nas últimas décadas Portugal teve as menores taxas de mortalidade da Europa nos motociclos mesmo sem inspeção”.
O deputado do PSD afirma que a discussão sobre esta revogação da lei de 2012 foi iniciada no seio do grupo parlamentar do PSD e junto de entidades como a própria ANCIA, para lá da Federação Portuguesa de Motociclismo e clubes de motociclistas em maio e junho. Isto, apesar de o Governo ter avançado com regulamentação em agosto que dava prosseguimento ao processo, em colisão com o trabalho dos deputados do principal partido que o apoia.
“A nossa iniciativa ainda não tinha dado entrada na Assembleia da República. Tínhamos as propostas elaboradas. Apresentámos quando considerámos que havia condições”, diz Gonçalo Lage. Agora, diz, o próprio Governo já tem nos gabinetes a informação de que a inspeção, sobre a qual legislou há três meses, não será para avançar.
“Nos anos anteriores, nunca houve fundamentação como agora. Era urgente neste momento que fosse tomada decisão. Queremos aprovar medidas de segurança precisamente para obviar essa questão. Estamos a cumprir com a diretiva e a implementar medidas de segurança”, acrescenta.
São 12 as ações propostas pelo PSD para reforçar a segurança para motociclistas, entre as quais eliminar lombas nas curvas e materiais derrapantes no asfalto, aplicar juntas de dilatação em material não derrapante nos viadutos e pontes, criar sinais próprios para motociclistas, apostar na reformulação de conteúdos de formação, eliminar balizadores metálicos ou pilaretes junto às vias, criar caixas de segurança junto aos semáforos e acabar com rails sem guardas de segurança.
Quanto ao investimento efetuado pelos centros de inspeção foi uma opção dos empresários, já que faltava a publicação dos requisitos técnicos que determinariam o tipo de equipamento a usar, considera o deputado. “Compreendemos a posição dos centros de inspeção, andaram anos a comprar material sem que fosse referenciado pelo Governo. Compraram material sem saber os requisitos”, diz o deputado, admitindo que possa haver interesses económicos por detrás do avanço dos empresários.
“Eles próprios não sabiam o que fazer. Não tinham dados do que teriam de verificar, porque não havia dados. Houve alguém, ou empresas, que puseram a carroça à frente dos bois e quiseram andar a vender material para uma coisa que ninguém sabia como seria. Se eu fosse empresário, nunca iria adquirir material para uma coisa que não sei como será”, avança o deputado.
“A 26 de setembro de 2016 tinha de estar tudo pronto”, assegura, por sua vez, o presidente da ANCIA, Paulo Areal. “A portaria faz referência a requisitos técnicos. Ter as linhas de inspeção prontas pressupõe ter espaço físico, os equipamentos, e até essa data até obrigava à calibração dos equipamentos. Os empresários tiveram de enviar para o IMT (Instituto de Mobilidade e Transportes) a calibração dos equipamentos. Se assim fosse, poderia haver um que não tivesse montado o equipamento”, nota Paulo Areal.
Pelo contrário, todos os 200 centros com linhas de inspeção de motociclos já montadas – de cerca de 250 existentes no país – já têm o equipamento. Cada um deles investiu cerca de 150 mil euros em equipamento, obras e até aquisição de imóveis, para lá da formação dos técnicos, a qual custa cerca de 250 euros. Acresce a necessidade de tirar a carta de condução de moto, diz ao ECO um técnico num dos centros de inspeção visitados durante esta quinta-feira.
“Acho mal esta medida ter sido afastada pelo PSD porque houve algum investimento por parte dos centros de inspeções, tanto em maquinaria como em formações. Eu cheguei a tirar o curso de motos que custou cerca de 190 euros. Neste centro, três pessoas tiraram esse curso”, diz André Garcia, diretor técnico da Zuir, localizada na zona industrial do Porto.
“Todas as empresas devem sentir-se enganadas pelo Governo porque investiram bastante“, afirma o diretor técnico da Zuir, destacando que “os equipamentos para fazer uma linha são caros e depois tem a manutenção e calibração dos equipamentos, a própria formação e as cartas de condução”. André Garcia recorda ainda que “os funcionários que não tinham carta de condução de moto tiveram que tirar até porque estava tudo previsto para começar em janeiro”, exemplificando com a sua própria situação.
Todas as empresas devem sentir-se enganadas pelo Governo porque investiram bastante.
Por seu lado, Luís Neto, diretor técnico da Central de São Dinis, também na Invicta, considera que “alguma fiscalização tem que existir no setor dos motociclos, mas nos moldes em que estava previsto também era um exagero. Por exemplo, ia ser obrigatório fazer inspeção às motos a partir dos 125cc e iam deixar de fora aquelas que que são as que mais infringem os regulamentos”, afirma, referindo-se a ciclomotores.
“Os centros não têm experiência nenhuma no setor e considero que se a medida chegasse a avançar deveria existir um período de transição. Um dono de uma moto não vai deixar um inspetor pegar na moto de qualquer jeito”, considera o técnico da Central de São Dinis.
Gonçalo Lage assegura que “os inspetores dizem, eles próprios, não saberem o que fazer”. O deputado garante que “foi dito numa reunião que os inspetores diziam que só iam verificar piscas e faróis. Cada proprietário dos motociclos é que seria responsável pelos danos que pudesse haver na moto. Os seguros também não se queriam atravessar por isso”, diz.
“Os centros de inspeção têm obrigatoriamente, por lei, seguro de responsabilidade civil”, contesta Paulo Areal. “Toda e qualquer anomalia que ocorra dentro dos centros de inspeções tem cobertura”. Ainda assim, admite que iriam existir problemas, porque “determinados motociclistas não autorizavam que os técnicos se sentassem nas motos”.
“Politicamente, não quiseram avançar. Nos Açores há inspeções há muito” explica. Agora, os centros de inspeção, embora respeitem as decisões tomadas pelo Parlamento, esperam ser ressarcidos dos investimentos que a lei obrigou a fazer. Paulo Areal diz ainda, sobre o fim das inspeções, que tinha sido comunicado à União Europeia pelo país, e que agora será substituído por medidas de segurança, que a Comissão Europeia não aceitará essa alteração, por estar inscrito na lei que o país tinha de comunicar o caminho escolhido até 2016.
E que esse caminho era, até agora, o das inspeções. “Não sei o que CE irá dizer. Ainda há muito processo a decorrer”.
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